73/73: o que vai mudar?
Há cerca de 33 anos atrás, um decreto provisório, o 73/73, veio permitir que outros técnicos que não arquitectos assinassem projectos de arquitectura, dada a falta de profissionais na altura com as competências exigidas. Com o passar dos anos, o panorama sócio-económico alterou-se e a Ordem dos Arquitectos organizou uma petição que permitiu que o… Continue reading 73/73: o que vai mudar?
Ana Rita Sevilha
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Há cerca de 33 anos atrás, um decreto provisório, o 73/73, veio permitir que outros técnicos que não arquitectos assinassem projectos de arquitectura, dada a falta de profissionais na altura com as competências exigidas. Com o passar dos anos, o panorama sócio-económico alterou-se e a Ordem dos Arquitectos organizou uma petição que permitiu que o decreto fosse votado na Assembleia da República e que obtivesse aprovação por unanimidade
Em 1973 o Decreto 73/73, um decreto de carácter provisório, veio estabelecer que profissionais que não arquitectos assinassem projectos de arquitectura, uma vez que havia falta de profissionais com as competências exigidas (apenas 500 inscritos) e muita procura. Durante os 33 anos seguintes o decreto provisório continuou a vigorar, até que a Ordem dos Arquitectos organizou uma petição com o objectivo de angariar as assinaturas suficientes para que o decreto fosse votado na Assembleia da República (AR) de forma a revogar parcialmente o decreto. A iniciativa legislativa de cidadãos, «Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos arquitectos», foi entregue no Parlamento a 23 de Novembro de 2005, com mais de 35 mil assinaturas, e acompanhada por um projecto de lei de revogação parcial do decreto 73/73 elaborado por Diogo Freitas do Amaral. O texto foi aceite a 19 de Dezembro do mesmo ano e baixou àComissão de Trabalho e Segurança Social, que produziu um relatório e um parecer, a partir dos quais o presidente da AR agendou a votação do diploma na generalidade para o dia 18 de Maio de 2006, que acabou por ser aprovado por unanimidade.
O Portugal dos anos 60
Segundo o projecto de lei elaborado por Diogo Freitas do Amaral, «as razões que levaram àaprovação do decreto 73/73 – e que mereceram àdata a concordância do Sindicato Nacional dos Arquitectos – estão hoje ultrapassadas e foram substituÃÂdas por argumentos que justificam a rápida revogação do diploma». O mesmo documento refere que os anos 60 marcaram o acelerar do processo de urbanização, impondo uma polÃÂtica de habitação mais produtiva, que aliada às elevadas taxas de natalidade resultantes da recuperação económica dos anos 60, ao rápido crescimento das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, ao regresso dos «retornados» das ex-colónias e ao reduzido número de arquitectos, cerca de 500 inscritos no Sindicato, forçou a que a qualidade arquitectónica baixasse a fasquia, sendo assim, neste panorama aprovado o decreto 73/73. Arquitectos e engenheiros contactados pelo Construir partilham da mesma opinião no que diz respeito ànecessidade de revogação deste decreto, uma vez que o panorama sócio-económico em muito se alterou. Segundo o arquitecto Alexandre Burmester, «em 1973 Portugal apresentava uma população de condição sócio-económica atrasada, na qual a profissão de arquitecto apenas pontuava em determinados nÃÂveis culturais», o que originou que durante estes 33 anos os arquitectos apenas fossem requisitados para a elaboração de espaços públicos ou de maiores dimensões e complexidade que por sua vez exigiam conhecimentos mais aprofundados. «Num paÃÂs de caracterÃÂsticas semi-rurais com poucas condições culturais» o decreto 73/73 fazia realmente sentido, mas, como sublinha o arquitecto, «este decreto se tinha alguma justificativa numa sociedade retrógrada e ruralista do velho regime, devia ter sido logo revogado e deitado fora nos primeiros dias da revolução de 74». Rui Gomes dos Santos e Rui Pessanha Taborda, presidente e vice-presidente do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), respectivamente, partilham da opinião de Alexandre Burmester sublinhando que «está ultrapassada a situação de carência de quadros com formação adequada para fazer face às necessidades da construção que existiam em 1973 e que foram a justificação para permitir a técnicos com qualificação de nÃÂvel secundário o exercÃÂcio de actividade de projecto e direcção de obra», referindo ainda que o crescimento verificado na formação superior, a exigência requerida nas construções, bem como a sua regulamentação «vem tornar inevitável e desejável a revogação do decreto 73/73».
Para além das alterações sociais que se verificaram durante 33 anos, o projecto de lei elaborado por Diogo Freitas do Amaral, apresentava mais razões para a necessidade desta revogação, tais como, o alargamento da oferta ao nÃÂvel da formação académica, o que se traduz em mais de 10 mil arquitectos actualmente inscritos na Ordem, a que acrescem outros tantos em fase de conclusão de licenciatura, o interesse pelas questões relacionadas com a renovação urbana e a necessidade de credibilização dos profissionais do sector da construção. No entanto, como referiu Helena Roseta no documento que explicava os passos seguintes àvotação na generalidade, «qualidade não se decreta», e essa é também uma posição partilhada pelo arquitecto Victor Neves. Segundo este arquitecto, «não basta reivindicar direitos de exclusividade – é preciso assegurar qualidade, competência e sentido de responsabilidade, a incompetência que nos entra pelos olhos a dentro todos os dias, não é exclusiva dos engenheiros ou de outros agentes não arquitectos que até agora podem subscrever projectos de arquitectura», salientando ainda que «o ensino da arquitectura é a pedra basilar para atingir um nÃÂvel de excelência que permita assegurar competência». A exposição feita por Diogo Freitas do Amaral conclui que só esta revogação «pode pôr cobro àsituação de completa desarticulação legislativa que actualmente se vive», referindo também que esta revogação «pelas implicações sócio-profissionais que terá, deverá ser acompanhada de medidas legislativas adequadas que assegurem aos profissionais que até agora, sem aptidão material para tanto mas a coberto de uma legislação permissiva, subscreviam projectos de construção, a possibilidade de aplicarem a sua experiência em domÃÂnios nos quais esta seja admissÃÂvel e útil».
E agora, o que vai mudar?
Depois da aprovação por unanimidade na Assembleia da República da Iniciativa Legislativa de Cidadãos «Arquitectura: um direito dos cidadãos, um acto próprio dos arquitectos», esta é talvez a pergunta mais frequente. A presidente da Ordem dos Arquitectos, Helena Roseta, esclarece que esta aprovação «não conclui o processo de revogação do decreto 73/73». A votação foi feita na generalidade, ficando assim o governo de apresentar no prazo de 90 dias um projecto completo sobre a qualificação dos autores de projecto. Segundo Helena Roseta, «a direcção da Ordem vai definir um conjunto de princÃÂpios que devem nortear a nossa posição no debate na especialidade». Segundo esta responsável, «no dia em que o decreto 73/73 estiver revogado, devemos exigir de todos os autores de projecto que assumam toda a responsabilidade pelo seu trabalho», originando assim uma mudança das exigências relativamente àaprovação de projectos. Questionado sobre qual poderá ser o resultado desta mudança, Alexandre Burmester começa por enunciar o resultado da aplicação deste decreto durante 33 anos, «cidades a crescerem desmesuradamente, cheias de erros e com falta de planeamento», «más construções», e o facto de «arquitectos e as suas escolas de distanciarem de uma polÃÂtica de serviço», salientando que «ainda muito vai acontecer antes de existir uma verdadeira mudança quer da lei quer do ambiente em que vivemos». Para Burmester, ainda terá de haver uma «mudança de mentalidade profissional dos arquitectos», pois o facto de durante anos estarem renegados de exercer, origina «que profissionais e escolas façam e ensinem arquitectura só para certas franjas da sociedade».
Já os engenheiros Rui Gomes dos Santos e Rui Pessanha Taborda referem que as principais mudanças que esta revogação poderá trazer prendem-se com a «clarificação de competências e responsabilidades dos agentes que projectam, dirigem e executam obras». Ambos partilham da opinião que face às novas tecnologias, ao nÃÂvel de exigência e àevolução dos materiais deve existir um novo diploma que regule as novas especificidades do sector da construção, de forma a «enquadrar as competências e responsabilidades que as novas formações técnicas têm vindo a atribuir», potenciando um sector que se «tem pautado por alguma falta de exigência e inovação». No entanto, o presidente e vice-presidente do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior de Engenharia do Porto salientam que aquando da votação na especialidade «terão de ser salvaguardados os direitos adquiridos pelos profissionais que têm vindo a intervir no exercÃÂcio da sua actividade». Relativamente aos restantes profissionais, que não arquitectos, que actualmente projectam ao abrigo do decreto 73/73, Helena Roseta esclarece que «se quiserem ser arquitectos, têm um caminho: qualificarem-se com um diploma em arquitectura», caso contrário, a presidente da Ordem dos Arquitectos adianta que «poderão ocupar todo o leque de profissões intermédias que o sector da construção exige e em que há hoje inúmeras carências». Arquitectos, engenheiros estudantes e cidadãos aguardam agora pela votação do decreto 73/73 na especialidade para que, como sublinhou o arquitecto Victor Neves, «se veja se isto é ou não apenas show-off polÃÂtico».