«A melhoria na construção começa pelo projecto»
A ponte Infante Dom Henrique, no Porto, é um dos pontos mais altos num percurso notável na área da engenharia de estruturas em Portugal. Docente na FEUP há 36 anos e há muito apaixonado por pontes, António Adão da Fonseca fala ao Construir sobre as suas principais obras e traça o panorama da indústria da… Continue reading «A melhoria na construção começa pelo projecto»
Maria João Morais
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A ponte Infante Dom Henrique, no Porto, é um dos pontos mais altos num percurso notável na área da engenharia de estruturas em Portugal. Docente na FEUP há 36 anos e há muito apaixonado por pontes, António Adão da Fonseca fala ao Construir sobre as suas principais obras e traça o panorama da indústria da construção em Portugal
S empre dedicado aos trabalhos que tem em mãos, Adão da Fonseca está actualmente imerso em projectos de travessias pedonais, como é o caso da futura ponte «transparente» sobre o rio Douro.
Qual a importância da nova travessia pedonal para a cidade do Porto?
O Porto tem um privilégio raro: é uma cidade que está em cima de um rio e do mar, o que lhe garante uma riqueza impressionante, especialmente como local de lazer. Se pensarmos na beleza do Porto – que é património mundial – percebemos que a melhor vista para lá está do lado de Gaia, precisamente o segundo local mais visitado em Portugal, devido às caves do Vinho do Porto. Mas grande parte do milhão de visitantes que aàvão anualmente não se desloca ao Porto porque a travessia não é agradável. A importância da ligação pedonal entre o Porto e Gaia é evidente.
Que complexidades representou a nÃÂvel de engenharia, uma vez que se trata de uma ponte “transparente”?
A ponte vem colocar-se entre as duas encostas e não é aceitável ter um tabuleiro neste local com uma presença demasiado forte. A ideia é a ponte estar lá mas conseguir ver-se bem através dela. As únicas pontes verdadeiramente transparentes são as pontes suspensas, que têm uma estrutura muito leve.
Já se sabe quando começa a construção?
Não. Falta terminar a primeira fase do projecto e a câmara do Porto juntar-se àde Gaia no sentido de dividirem os encargos e aprovarem as obras.
Já antes tinha desenvolvido um outro projecto de uma ponte pedonal para aquela zona que não saiu do papel.
No anterior projecto para a ponte pedonal, aquilo que seria absolutamente espectacular seria a colocação da ponte no seu local. Ela era montada e toda fabricada na margem e depois seria colocada de uma vez só no seu local. Tudo isso seria um trabalho de grande engenharia e de grande arquitectura. A construção em aço inoxidável também seria extraordinária, mas tinha custos demasiado altos.
A forma de construção também é uma preocupação do projecto?
Agora a legislação vai apertar e exigir que o projectista apresente sempre no seu projecto soluções de construção. Tem que ser uma solução bem estudada. Os processos construtivos no passado por vezes envolviam grandes riscos, que têm que ser controlados. A melhoria na construção tem que começar pelo projecto.
É a base para que o restante processo corra bem.
É nessa base que há a possibilidade de estudar com calma, pôr em causa soluções e mudar se necessário. Em Portugal acontece muito ser-se apressado no projecto e avançar-se rapidamente para a construção. Se as coisas não estão devidamente estudadas, daàresultam muitos problemas como custos acrescidos.
A engenharia não poderia ter também a preocupação em tornar a obra o mais barata possÃÂvel?
Uma maneira de uma obra ficar barata é ter um bom projecto, porque aquilo que se torna mais caro são os imprevistos. Uma obra é sempre um protótipo, nunca é completamente igual. Se o projecto em todo o seu faseamento não for bem estudado, vai haver impasses, fazes de imobilização e a rentabilidade baixa. Como a mão-de-obra tem um peso acrescido, a obra vai subindo de preço.
Foi também responsável pela ponte Pedro e Inês, travessia pedonal em Coimbra. Que desafios implicou, uma vez que se trata de uma ponte anti-simétrica?
Normalmente as pontes são simétricas. Na ponte de Coimbra usa-se o termo anti-simétrico porque ali a simetria implica uma rotação: o tabuleiro encontra-se numa posição em metade da ponte, diferente da outra metade.
A ponte tem ainda uma plataforma no centro.
O engenheiro Cecil Balmond, que colaborou comigo, levantou a questão das pessoas entrarem na ponte e não sentirem a necessidade de sair do outro lado, uma vez que a travessia é relativamente comprida: 300 metros. Assim surgiu a possibilidade de fazer uma pequena ilha no meio. Mas essa ideia não era compatÃÂvel com a exigência da Polis de Coimbra de ser possÃÂvel fazer competições de remo no espelho de água criado no rio Mondego pelo açude imediatamente a jusante, com a necessidade de garantir 81 metros de largura livre. A solução foi criar uma praça no meio da ponte.
Como é que isso foi conseguido?
Podia ser feito através de um mero alargamento do tabuleiro, mas isso era estranho, pois criava ali um peso a mais. A ideia que singrou foi tornar a ponte anti-simétrica, embora mais complicada sob o ponto de vista do comportamento estrutural. E uma ponte tão comprida e tão estreita tem tendência para vibrar bastante.
A solução conseguida tornou-a mais estável?
Ponte que não abana não tem graça. Tem é que abanar de uma forma controlada, o que se consegue habitualmente com equipamentos como as “massas amortecidas sintonizadas”. Apesar de tudo, acabou por resultar numa ponte bastante barata: 3,5 milhões de euros.
A ponte do Infante garantiu-lhe um galardão da Federação Internacional do Betão. Foi um momento alto na sua carreira?
Acho que foi um momento alto para todos os portugueses. Aquilo que mais saliento é a coragem do Metro do Porto em lançar um concurso com padrões de exigência tão elevados: queriam uma ponte com grande valia técnica e paisagÃÂstica. Há um grande mérito do dono de obra. E também do arquitecto Adalberto Dias, que tinha proposto um desenho de ponte muito arrojado e assim criou expectativas elevadas. Também a solução culminou numa obra ÃÂmpar, com um arco extremamente delgado e abatido. Dificilmente se fará outra igual, porque condições como aquelas também são raras: duas encostas bastante inclinadas e granitos de grande capacidade portante. O facto é que se foi além da experiência existente.
Quais foram as maiores complexidades da obra?
A grande complexidade da obra esteve na sua construção, que tinha que ser feita com uma precisão chocante para a construção civil. Foi dito ao construtor que não havia qualquer espécie de tolerância, que cada milÃÂmetro de desvio tinha que ser objecto de análise, porque a obra era extremamente arriscada.
É uma ponte que valoriza o Porto?
É uma obra que valoriza um património que já existe. Não há no mundo nenhum outro local com um conjunto de pontes em arco como aquele. Com excepção da ponte do Freixo, todas as pontes sobre o rio Douro entre o Porto e Gaia constituÃÂram recordes mundiais no seu momento de construção.
As pontes que existem em Portugal são seguras?
Penso que sim. Nós temos um historial de problemas em pontes muitÃÂssimo bom, comparando com os padrões internacionais.
Qual é, geralmente, a durabilidade de uma ponte?
Até há pouco tempo falava-se em 50, 60 anos. Agora a meta é de 100 anos. Mas na minha opinião as pontes deviam ser projectadas para 200 anos, ou mais. Mesmo que não durem tanto, devem ser projectadas pensando-se como vão ser mantidas, e como é que se vão substituindo as peças e componentes de menor durabilidade.
Com o passar dos anos as pontes vão-se danificando.
Como qualquer material. Penso que no momento do projecto até se deve ter a preocupação de pensar como é que as pontes vão ser demolidas. Mas para isso é preciso que o dono de obra exija que os projectos dêem resposta a todas essas questões. Isso já tem vindo a acontecer, mas ainda há muito que andar.
Como analisa a evolução do sector da construção de pontes em Portugal?
Tem havido inovações. As empresas de construção portuguesas são excelentes, mas muitas vezes lutam com o problema da falta de capital, o que no entanto vai sendo superado. Algumas empresas ultrapassam isso ligando-se a grupos internacionais, como é o caso da Somague, com a ligação ao grupo Sacyr espanhol. A Mota- Engil tem procurado resolver o problema através de ganho de dimensão. O engenheiro Mota defende que as empresas portuguesas deviam ligar-se mais, formando grupos maiores, para ganharem dimensão.
Isso é positivo na sua opinião?
É positivo desde que resulte de uma estratégia bem pensada. Mas há mercado para todo o tipo de empresas, também para as pequenas. Eu penso que as empresas portuguesas são boas e constroem bem. Houve duas fases muito importantes na melhoria da capacidade das empresas portuguesas: a chegada dos capitais europeus, e a Expo98, que foi muito importante ao nÃÂvel da intervenção urbana e dos edifÃÂcios. Implicou a construção de edifÃÂcios de grande arquitectura, houve coragem para fazer obras com um certo atrevimento e as empresas foram capazes de dar resposta. Mas correspondeu a uma fase de construção tão intensa, que levou a uma grande entrada de empresas estrangeiras, em particular das espanholas.
Foi fundador da AFAssociados e entretanto saiu. Porquê?
A vida tem várias fases. Entendi que a minha maneira de estar na profissão e as minhas preferências no trabalho seriam melhor realizadas numa empresa mais especializada, porque a AFA se tornou numa empresa mais multifacetada. Por isso criei em Janeiro deste ano a Adão da Fonseca – Engenheiros e Consultores, Lda, que presta serviços em concreto no sector da Engenharia Civil.
É professor de estruturas de pontes na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Como vê o ensino em Portugal na área da engenharia civil?
O ensino tem qualidade, mas há razões para apreensão em relação ao futuro. Isto porque uma faculdade de engenharia não pode viver apenas do ensino, mas de obras que se realizam. A vivência de obra e projecto ajudam no escalonamento dos valores e das importâncias. Se o paÃÂs passar muitos anos sem grandes obras de engenharia, há um empobrecimento grave porque há conhecimentos que se deixam de passar.
Sente que ainda lhe falta fazer alguma coisa?
A ponte pedonal no Porto, que é o projecto que tenho em mãos. É bom estarmos sempre apaixonados pelo que temos àfrente. Esta é a obra que gostaria de levar avante.