Falta de legislação ‘condena’ resistência sísmica de edifícios
As obras de reabilitação em Lisboa estão a prejudicar a resistência sísmica dos edifícios e, como é do conhecimento de todos, Portugal é considerado um País de elevado risco sísmico, não fosse o terramoto de 1755 um eterno registo histórico desse fac
Pedro Cristino
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As obras de reabilitação em Lisboa estão a prejudicar a resistência sísmica dos edifícios e, como é do conhecimento de todos, Portugal é considerado um País de elevado risco sísmico, não fosse o terramoto de 1755 um eterno registo histórico desse facto. Mário Lopes, professor do Instituto Superior Técnico (IST), especialista em engenharia sísmica e membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica tem dirigido, ao longo da última década, vários alertas sobre esta questão, especialmente no que diz respeito à Baixa Pombalina da capital. “Alertámos o Governo para isto há mais de dez anos e está tudo na mesma, por isso é que a questão é perfeitamente actual”, explica.
Falta legislação técnica
“Quando se faz uma alteração num edifício existente, não há legislação técnica aplicável”, refere Mário Lopes, acrescentando que, desta forma, “cada um faz o que quer e lhe apetece”. Para o professor, falta um regulamento técnico para enquadrar “a análise, o cálculo e o dimensionamento das estruturas depois de reforçadas”, algo que terá de ser feito por técnicos. Para além desta não obrigatoriedade em dimensionar a obra de reabilitação de forma a que o edifício resista a sismos, não estão estabelecidos “os limites de aplicação”, porque, segundo Mário Lopes, não existe necessidade de “reforçar o prédio todo, sempre que alguém faz uma intervenção no edifício existente”. “Não faz sentido reforçar o prédio inteiro para resolver um problema de infiltração, por exemplo”, declara, explicando que isto poderá levar a que se inviabilizem as pequenas reparações. “Essas duas peças de legislação, uma de natureza mais técnica e outra de natureza mais geral, são imprescindíveis para que a reabilitação seja feita nos moldes em que deveria ter sido sempre feita”, remata o engenheiro. Contudo, as recomendações não se ficam por aqui, uma vez que também será necessário “fiscalizar a aplicação” destes eventuais regulamentos. E a quem caberá esta responsabilidade? Para Mário Lopes, esta é uma questão complexa, uma vez que, na sua opinião, as autarquias, “com excepção de Lisboa e do Porto”, carecem de “meios, de massa crítica e de dimensão” para realizarem este tipo de fiscalização. Assim, deverão ser criados “mecanismos com alguma eficácia, mas para haver eficácia tem de haver responsabilização a curto prazo”. Para o processo de fiscalização, o professor expõe duas hipóteses: “a fiscalização por amostragem ou através dos seguros”. Esta última sugestão consiste na cobertura das questões relacionadas com a qualidade de construção por parte das seguradoras. “Isso faria com que o prémio dos seguros fosse proporcional à resistência das construções” e, desta forma, as pessoas, ao perceberem que certos edifícios tinham prémios mais elevados, perceberiam também que tinham um risco mais elevado e “não quereriam ir viver para essas casas”. Desta forma, a tendência seria “valorizar as casas melhores e desvalorizar as piores, conduzindo, por via do próprio mercado, a uma redução no bom sentido”, como esclarece Mário Lopes.
O valor histórico e patrimonial
“Às vezes são feitas intervenções em edifícios com valor histórico e patrimonial”, o que obriga “a respeitar os principais aspectos que os caracterizam sob estes pontos de vistas”. Neste sentido, terão de ser impostas restrições “ao tipo de intervenções feitas nestes edifícios”. Nestes casos, “ou é feita uma intervenção mais cara, mas menos intrusiva, ou aceita-se um nível de resistência mais fraca para se preservar o património”, de forma a serem cumpridos “dois objectivos de interesse público, que são a preservação do património, que faz parte da cultura e da identidade das nações, e garantir a segurança das pessoas que lá estão”. Contudo, neste caso, como nos outros, a solução ideal irá variar de caso para caso e, “é por isso que esta questão ultrapassa a engenharia e tem a ver com toda a sociedade e o grau de adulteração que estamos dispostos a admitir num edifício para garantir a sua segurança, que é dependente do valor patrimonial do edifício e do tipo de adulteração que se quer introduzir”. “Eu sei que foi feita uma melhoria na cobertura do Mosteiro dos Jerónimos e nesses trabalhos foram introduzidas algumas peças metálicas, portanto há ali uma adulteração, mas é justificada porque é muito ligeira, ninguém a vê e, por outro lado, se não se fizesse aquela obra, a cobertura caía”, exemplifica Mário Lopes, afirmando também que “não vale a pena ser fundamentalista, porque arriscamos perder tudo”. Este tipo de intervenção tem de ser, contudo, “muito pouco intrusiva, muito localizada, de preferência quase invisível, para que seja sacrificado o secundário a fim de se preservar o essencial”.
A Baixa Pombalina
A questão do carácter histórico e patrimonial dos edifícios também abrange a zona da Baixa Pombalina de Lisboa, cujos edifícios contêm a gaiola pombalina. Esta estrutura, se for preservada e melhorada (uma vez que se trata de um elemento setecentista), “que tem valor cultural, histórico e patrimonial”, também “contribui para a resistência sísmica do edifício”. Todavia, a gaiola pombalina não tem sido sempre preservada e Mário Lopes rotula de “vandalismo cultural” a política que a Câmara Municipal de Lisboa vinha a implementar “até há uns anos atrás”, ao não acautelar a manutenção desta estrutura. “A Baixa Pombalina é um monumento da história da humanidade, porque representa a primeira vez que uma cidade inteira foi construída para resistir a sismos”, reforça o professor, acrescentando que “é uma obrigação transmitir a Baixa preservada, em condições de segurança, às gerações futuras, e o problema é que isso não tem estado a ser feito”. O problema, neste caso, é, nas palavras deste especialista, o interesse dos promotores imobiliários “em destruir tudo o que está lá dentro” e construir tudo de novo “para criar espaços maiores ou lugares de estacionamento”. Isto deve-se ao facto de os edifícios pombalinos se caracterizarem por divisões pequenas, “que hoje em dia já ninguém quer, nem para espaços habitacionais” e, “se nos cingirmos à arquitectura pombalina, tal como ela era originalmente, a Baixa tenderá a despovoar-se, a descaracterizar-se”, o que irá retirar o incentivo à conservação e, portanto, “vai-se degradando”. Neste âmbito, para preservar a baixa, é importante também garantir “uma utilização economicamente rentável dos seus edifícios”, o que poderá obrigar a mudar a arquitectura dos mesmos. Assim, “temos que olhar para os edifícios e ver o que é indispensável e o que podemos preservar, e do que podemos prescindir”, refere Mário Lopes. “As paredes interiores dos edifícios pombalinos são quase todas resistentes, mas não têm a mesma importância”, e, neste caso, o professor ressalva que existem as paredes da gaiola pombalina, “que são muito importantes”, mas há também os tabiques, “que são meramente paredes divisórias, mais estreitas, que, apesar de também darem o seu contributo para a resistência do edifício, dão pouco”. Na opinião de Mário Lopes, estes tabiques poderão ser sacrificados, com vista à criação de divisões mais amplas e de uma arquitectura “susceptível de ser compatibilizada com os usos dos dias de hoje”.