‘Esta viagem é um luxo’
O júri deliberou por unanimidade atribuir o Prémio Távora à proposta de Armando Rabaça,
Ana Rita Sevilha
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O júri deliberou por unanimidade atribuir o Prémio Távora à proposta de Armando Rabaça, pela sua “qualidade intrínseca e pelos objectivos que incorpora”, sublinhando que “o trabalho premiado distingue-se por utilizar a investigação das fontes primárias de Le Corbusier como ponto de partida para (re)construir a ‘promenade architecturale’ da Viagem ao Oriente”.
No que consiste a sua proposta?
Armando Rabaça: A ideia é fazer parte da Viagem ao Oriente que Le Corbusier fez em 1911. Corbusier não teve uma formação de arquitecto, entrou para a Escola de Artes Aplicadas de La Chaux-de-Fonds, sua terra natal, que era uma escola orientada para a relojoaria, e que formava pessoas em desenho para ingressarem na indústria relojoeiro, que era a principal de La Chaux-de-Fonds. Para se ficar com uma ideia, a Suíça fabricava cerca de 90% dos relógios de todo o mundo em 1900, e La Chaux-de-Fonds, que era uma pequena cidade, fabricava 60% deles. Portanto, toda a gente, de uma maneira ou de outra, vivia da relojoaria, e a Escola de Artes Aplicadas formava pessoas para apoiar esse ofício. Portanto, a formação do Corbusier é feita essencialmente em desenho na escola. Depois, a parte de arquitectura, foi feita nas viagens que fez, e com dois grandes arquitectos com quem trabalhou, o Auguste Perret em Paris em 1908, e Peter Behrens na Alemanha em 1910. E é quando está na Alemanha em 1910 que decide fazer esta viagem a que chamou a “Viagem do Oriente”. Descendo da Alemanha foi a Viena e Praga até à Turquia, onde eu começo a minha viagem depois de estar uma semana em La Chaux-de-Fonds a ver as primeiras obras dele e a consultar o arquivo que está disponível quer na biblioteca da cidade quer na Escola de Artes. Depois, apanho a rota da “Viagem do Oriente” na Turquia, que foi onde esta viagem começou a ser mais importante em termos de arquitectura para Corbusier. Até à Turquia andou essencialmente preocupado com artesanato, mas é a partir daqui que se começa a interessar verdadeiramente e a desenhar arquitectura. A sua rota do Oriente começa assim na Turquia em Edirne, depois segue para Istambul e Bursa, onde apanha um barco para Monte Athos, uma ilha sagrada ortodoxa na Grécia onde só entram homens. Posteriormente segue para Atenas, Eleusis, Delfos e Patra, aqui apenas para apanhar um outro barco que o levou a Itália onde sai em Brindisi, que também não visita, é apenas o ponto de chegada. Seguidamente apanha o comboio para Nápoles, depois Roma, Tívoli, Florença, e perto de Florença pára num convento que foi muito importante para a sua aprendizagem e que já tinha visitado em 1907, o Convento da Cartuxa de Ema em Galluzo. Pisa é o sítio onde acaba a viagem. Os dois últimos locais, Florença e Pisa, são no fundo duas revisitas, já as tinha visitado em 1907 e quis voltar, são dois pontos importantes.
Isto será uma viagem de quanto tempo?
De pouco mais de um mês. Parto a 1 de Julho e volto a meados de Agosto. Corbusier fez esta viagem em um ano. Embora só vá fazer parte da viagem, não pode ser feita com a mesma descontracção. E hoje em dia já não se viaja como se viajava em 1911, é preciso ir com tudo marcado. Na altura ele ia decidindo a rota e quanto tempo ficava à medida que lhe apetecia. Hoje já não nos podemos dar a esse luxo, mas de qualquer forma esta viagem já é um luxo.
E quais os objectivos a que se propôs no âmbito do prémio, e no campo profissional e pessoal com esta viagem?
Esta viagem está directamente relacionada com a minha tese de doutoramento, porque aquilo que eu estou a desenvolver no doutoramento é precisamente a fase inicial do Corbusier, que é menos estudada, sendo a mais estudada a fase do Modernismo, que é a partir do momento que vai para Paris. Naturalmente que no século XX é o que interessa. Depois da morte de Corbusier, em 1965, começa-se a olhar para as primeiras obras, e devagarinho elas têm vindo a ganhar alguma importância, mas continua a haver muita coisa para estudar. Esta viagem é muito importante para a formação do Corbusier, e como estou a estudar este início faz todo o sentido para mim.
Tem em mente criar algum documento depois desta viagem?
Para já não penso nisso. Aquilo que tenho de fazer é um relatório da viagem e uma apresentação pública, esse é o documento que tenho de fazer e que farei certamente. Mas à parte disso, para já, não tenho nenhuma ideia.
O que o levou a escolher este tema?
O Corbusier é um ícone da arquitectura do século XX, é um dos arquitectos mais importantes, e a complexidade da personagem e da sua forma de fazer arquitectura é muito rica. É um arquitecto muito mais complexo do que Mies Van der Rohe, daí que haja continuamente estudos sobre a sua obra, a complexidade dá origem a isso. Eu quando fiz as minhas provas de aptidão científica e capacidade pedagógica quis montar uma aula sobre um tema particular de Corbusier, a “promenade architectural” (passeio arquitectónico), que é uma coisa que o Corbusier vai falando mas que nunca é um ponto central da sua obra. Andei à procura de bibliografia sobre isto para montar a dita aula e nada encontrei. Sendo um tema que me interessa pessoalmente, e acredito que também a todos os arquitectos, nomeadamente a forma como se vive e se percorre a arquitectura, a maneira como o tempo está associado ao espaço, aliando isto ao facto de se falar de um dos principais arquitectos do século XX, achei um tema muito apetecível. Até é espantoso como até então não se encontre desenvolvido. Portanto encontrei um tema que ainda não estava trabalhado.
A Fundação Corbusier ajudou-o de alguma forma?
A Fundação Corbusier é uma fundação pequena, e segundo o que eu percebi luta com algumas dificuldades financeiras. Recentemente foram publicados os cadernos de viagem que Corbusier elaborou nesta viagem, e essa já foi uma grande ajuda, porque por aí se consegue perceber melhor qual foi a rota, quais os edifícios que deu mais importância, porque os desenhou mais, entre outras coisas. Essa informação consegui essencialmente através desses cadernos. Portanto, este trabalho que foi feito pela Fundação Corbusier, foi a primeira grande ajuda. Depois, na biblioteca de La Chaux-de-Fonds, que vou visitar, há uma colecção de fotografias desta viagem que também me vão ajudar a perceber alguns pontos.
O que significa para si ganhar o Prémio Távora?
Ganhar um prémio é sempre bom e tem sempre um significado especial, ainda por cima sendo um prémio que está relacionado com o arquitecto Távora. Para além de me permitir fazer esta viagem, que de outra forma não seria possível, é sempre muito gratificante.
Acha que lhe vai dar visibilidade e funcionar como uma alavanca no exercício da profissão?
Acho que sim, é possível. É evidente que estas coisas ajudam sempre. Mas por outro lado as coisas também se esquecem rapidamente. Acho que é importante no sentido em que ajuda a construir aquilo que estou a tentar fazer.
Como é que é a vida de um arquitecto que está fora das duas principais cidades do País?
A encomenda é difícil em todo o lado. Mesmo em Lisboa e no Porto creio que não é fácil. Talvez exista mais investimento público em Lisboa, mas acho que o que torna mais difícil, e é para todos em todo o País, é cada vez haver menos concursos, sejam públicos ou privados. Para um arquitecto que está a iniciar a sua carreira os concursos são uma das melhores formas de arrancar, porque têm possibilidade de mostrar aquilo que fazem. Sem concurso dependem de contactos e conhecimentos. Portanto hoje o maior problema não é o sítio onde estamos.
Dá aulas na Universidade de Coimbra. Na sua opinião, como está o ensino da arquitectura?
Eu dou aulas numa escola pública, não conheço bem a realidade do ensino privado. A realidade do público é de que os problemas do ensino da arquitectura são os problemas gerais do ensino em Portugal, que é o desinvestimento do Governo. Não consigo conceber uma sociedade que encara o ensino e a saúde como negócios e não como serviços. Uma sociedade que não investe na educação não está a cuidar do seu futuro.