‘Os níveis de exigência baixos prejudicam a engenharia’
A protecção das pessoas e dos bens é, segundo o Bastonário, uma das condições fundamentais da engenharia.
Pedro Cristino
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A protecção das pessoas e dos bens é, segundo o Bastonário, uma das condições fundamentais da engenharia. O Construir entrevistou o líder da Ordem dos Engenheiros (OE) a fim de saber qual o rumo que a instituição deverá seguir durante a sua legislatura.
Quais os desafios que enfrenta agora, como Bastonário da Ordem dos Engenheiros?
São tantos e tão diversos e, efectivamente, a complexidade aumenta à medida que eu me vou embrenhando nos problemas que são criados. A complexidade está associada à forma como está estruturado o próprio ensino superior e a algum corpo normativo que não se ajusta, no nosso entender, àquilo que são as exigências de uma engenharia de maior qualidade. Esta exigência surge, fundamentalmente, no sentido de estimular nos jovens uma formação crescente.
Para além dessa questão, o que se tem revelado mais complexo?
Um grande desafio consiste numa regularização interna, de forma a garantir uma melhor resposta aos membros da Ordem. É um grande objectivo e teremos que o vencer para aproximar mais os membros efectivos e os estagiários da sua instituição de base. Outro grande desafio é garantir que os jovens se sintam atraídos pela Ordem. Não só para a profissão, mas sim no sentido de perceberem que as áreas tecnológicas não são um “papão” para eles. Na minha perspectiva, se forem criadas condições de os educar, no âmbito de uma metodologia de raciocínio que tem ciências básicas associadas a tecnologia, de certeza que haverá muito mais jovens a enveredarem por esta área do conhecimento que é fundamental para o país.
Não se refere só a jovens que frequentam o ensino superior…
Não. Procuro atrair aqueles que obtiveram o seu grau académico e os que estão numa fase de indecisão, do ponto de vista profissional.
Em Portugal há bastantes engenheiros, portanto, é de depreender que, seja o que for que a Ordem está a fazer neste sentido, está a fazê-lo bem…
Sim. Um dos indicadores de empenho e de atracção das profissões consiste na sua empregabilidade e não há dúvida que, neste momento, a engenharia é uma área que, de certo modo, está a garantir emprego a recém-formados, desde que oriundos das escolas de referência. Recordo-me, por exemplo, que 96% dos alunos do Técnico têm emprego. E são os próprios empregadores a procurarem indivíduos oriundos dessas faculdades.
A sua experiência enquanto presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil é importante para desempenhar o cargo de Bastonário?
É evidente que sim. Essa experiência permitiu-me obter um conhecimento relativamente abrangente das várias especialidades de engenharia, conhecer os profissionais, perceber a importância do rigor e da excelência no desempenho de uma profissão, para garantir que essa profissão tenha o prestígio que tem.
Qual o peso da engenharia no contexto social?
Já teve mais peso e é isso que me preocupa.
Porque é que já teve mais peso?
Pela simples razão de que era mais valorizada socialmente a profissão de engenheiro. Neste momento, com a forma como se está a proceder, pode ser conduzida à desvalorização.
Como pode a OE ser um elo de ligação ao tecido produtivo?
A Ordem tem um escopo que é transferido por uma função do Estado, que é a função de regulação da profissão. Isto refere-se à regulação da admissão, do exercício, que se relaciona com a avaliação das competências e também com a garantia de cumprimento de aspectos de natureza ética e deontológica. Portanto, a OE está na sociedade numa função de Estado que consiste em garantir ao cidadão que os seus profissionais desempenham a sua actividade dentro dos parâmetros exigíveis, tanto no ponto de vista profissional, mas também na lógica da ética e da deontologia. Se os países desenvolvidos não tivessem engenharia, não se tinham desenvolvido. A grande revolução industrial está associada à engenharia. As cidades do Ocidente desenvolveram-se mais porque tiveram tecnologia. O que distingue os países ricos dos pobres é a sua capacidade de desenvolvimento de tecnologias que permitam, por sua vez, alcançar o desenvolvimento económico. É evidente que com isto, desenvolve-se a sociedade e a cultura. Um dos aspectos fundamentais da engenharia consiste em garantir qualidade de vida.
Qual é a influência que a OE poderá exercer neste debate em torno dos grandes projectos de obras públicas?
O País precisa de ter uma reflexão profunda em todos os investimentos públicos e essa reflexão passa por uma valorização daquilo que é a actividade de base que sustenta a decisão que é política. A engenharia deverá estar por trás de todas as decisões, esgotando todas as hipóteses e os cenários que, dos pontos de vista tecnológico, económico e ambiental, se revelem como mais ajustados àquilo que será a decisão política para os grandes investimentos. Para além disso, neste momento há um factor importante que é o da empregabilidade. Deve ser tido em conta que o investimento que está a ser aplicado cria emprego não só a curto prazo, como a médio prazo. É um factor determinante e penso que a engenharia está particularmente apetrechada para dar resposta a estes aspectos e, portanto, sustentar a decisão política, de forma a que esta não dependa de ciclos eleitorais.
Em que medida é que o termo “licenciado” é “desajustado”?
Antes de Bolonha sabíamos o que significava este termo. Era um grau académico que, no caso da engenharia, estava a associado a cinco anos de frequência, com aproveitamento, na universidade e, tínhamos noção de que havia ali um profissional, com aquelas competências que lhes eram dadas por aquele currículo. Com Bolonha, esse aspecto alterou-se radicalmente. Mas não é o tratado que é responsável por esta situação, mas sim a aplicação do mesmo, em Portugal. Ao manter o termo “licenciado”, com valores intrínsecos diferentes, causa confusão em todo o sistema. Os estudantes podem ser levados a não ir para os cursos com maior exigência académica, pode confundir as famílias e os empregadores. A legislação não distingue um licenciado de três anos, de um licenciado de cinco anos.
Segundo o actual contexto de Bolonha, o licenciado é equivalente a um bacharel?
É um bacharel. Não consigo perceber porque é que o País não adoptou essa designação. Dá a sensação de que tiveram receio que o termo “bacharelato” fosse depreciativo. Não é. No meu entender, é um termo altamente prestigiante, nomeadamente se for acoplado a uma formação de base profissionalizante para os tais três anos. Agora, há licenciados que saem de uma licenciatura que não é profissionalizante, isto é, têm uma formação de base por vezes muito rica, mas depois a formação da profissão está empobrecida, e isso é um risco. Porque a engenharia é a protecção de pessoas e de bens. Há determinados actos de engenharia que lidam com a segurança das pessoas e dos seus bens. Todos percebem que uma formação de três anos não é igual a uma formação de cinco.
Mas hoje já não existem, em engenharia, licenciaturas com cinco anos…
Há licenciados com três anos. Com cinco anos há a figura de mestrado ou de mestrado integrado. Antigamente, as escolas atribuíam a esses cinco anos a licenciatura, portanto o valor intrínseco é agora completamente diferente.
Como se pode solucionar esta situação?
Retirando o termo licenciado. Permanecia o termo correcto que é o bacharel.
Que competências tem um licenciado actual?
Tem muitas competências. E aí reside a importância de definir os actos de engenharia, para depois definir quem é quem em todo o processo. Por exemplo, é evidente que um licenciado de três anos não pode executar um projecto de uma ponte, como não pode acompanhar determinado tipo de projectos pela sua complexidade. Mas há muita engenharia em que o nível de exigência é compatível com os tais três anos, desde que os mesmos sejam profissionalizantes. Isto é, não sejam tão exigentes em termos de ciências básicas, mas que comecem logo do princípio, do exercício no ensino superior, a proporcionar uma formação que garanta o exercício da profissão com aquela qualidade necessária para os tais actos de engenharia.
E que actos são esses?
São muitos. Há muitos profissionais muito competentes dentro dos actos de engenharia que lhes estão associados, mas que lhes devem estar condicionados pelos princípios da formação académica, formação contínua e da experiência profissional. São estas as três variáveis que devem presidir à classificação das pessoas para desempenharem aqueles actos.
Havia afirmado que iria comparar o que se faz nos outros países da União Europeia (UE) para incorporar o Tratado de Bolonha no ensino. Em que consiste essa acção?
Criar benchmarking, no sentido de verificar o que se está a fazer na UE no pós-Bolonha. Perceber o que estão a fazer e como se estão a adaptar a esta situação. Isto pressupõe uma análise cuidada e pertencemos a várias organizações onde isto é debatido. É nosso objectivo criar internamente um gabinete que se preocupe com isto e que produza documentos, a curto prazo, e promova uma reflexão interna, na própria Ordem, no âmbito da criação de sistemas de avaliação de profissionais em função das suas competências para o exercício dos tais actos de engenharia. O gabinete analisará e estabelecerá umas matrizes comparativas para perceber o que se faz lá fora e transpor para cá o que é bom.
Como pode ser assegurada a valorização do exercício da engenharia?
A solução passa por um corpo legislativo que defenda a qualidade, o rigor e a excelência.
Esses valores não estão a ser defendidos?
A portaria 1379/2009 define actos de engenharia de uma forma que consideramos desajustada ao próprio conteúdo da lei 31 de 2009. Se criarmos níveis de exigência baixos, não estamos a defender a engenharia.
O que querem alterar nesta portaria?
São diversos aspectos e estão consagrados na nossa petição, que foi apresentada na Assembleia da República. Esses aspectos têm a ver com, por exemplo, a introdução de conceitos como a variável tempo no nível de promoção de “galardão” dos profissionais, quando isso nunca pode ser critério suficiente para permitir a adaptação desses profissionais às exigências da engenharia. A portaria permite, por exemplo, que arquitectos possam fazer a gestão de obras da Categoria 5, quando, no nosso entender, não deveriam passar da Categoria 2.