Não devemos condicionar a Reabilitação à operação financeira
Os fundamentos do programa “Trabalhar com os 99%” desenvolvido pelo ateliermob. Artigo de opinião assinado por Tiago Mota Saraiva
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Em Portugal há uma eterna tendência para que o tecido empresarial funcione por impulsos pouco reflectidos e excessivamente assentes num certo discurso dominante e vazio. Constrói-se a ilusão de uma miragem para a qual todos devem correr e pela qual devem competir. Quem abdicar desta batalha ou é louco, ou está condenado ao insucesso. Define-se uma quimera em torno de palavras que vão sendo esvaziadas de sentido: “Europa”, “Empreendedorismo”, “Inovação”, “Internacionalização”, “Reabilitação”… Cada uma destas palavras, não vale nada por si. Não são estratégia, método ou inteligência. Não resolvem nada e, tantas vezes, prejudicam.
Tomemos o tema da “Reabilitação” como exemplo.
Devemos estar todos de acordo numa matéria que é factual, edificámos mais do que necessitávamos. Ou seja, construímos mais casas ou auto-estradas do que precisávamos. Mas desse facto não deverá decorrer uma rejeição de construção nova. Essa é uma reacção primária cuja única consequência, se a ideia vingar, será uma certa forma de sociedade que abdica de refletir sobre a sua contemporaneidade produzindo um legado além da intervenção no que nos chega do passado. O facto enunciado devia, isso sim, provocar um debate sobre o que devemos demolir.
Por outro lado não devemos condicionar a Reabilitação à operação financeira. Num processo de Reabilitação, a operação financeira é instrumental e não o seu fim. É a partir desta reflexão que o ateliermob desenvolveu o programa: “Trabalhar com os 99%”.
Iniciando o seu trabalho em 2005, o ateliermob estava naturalmente vocacionado para a encomenda pública obtida a partir de concursos. Entre 2008 e 2010, houve uma queda abrupta de oportunidades e as próprias encomendas em carteira começaram a ficar bloqueadas. É a partir desse momento que, tendo uma perspectiva global sobre a realidade construída no nosso país se chega à conclusão de que há muito trabalho de arquitectura por fazer sobretudo em contextos urbanos nos quais não há investimento e em que os seus habitantes não têm dinheiro para os pagar. Dos concursos como forma de angariação de trabalho, passa-se a uma ideia de construção de um programa de intervenção em bairros, ruas ou espaços públicos a partir do trabalho directo com as populações e respectivas associações representativas. Quando o programa já está sólido e conta com o apoio das populações e das entidades públicas competentes, passa-se à fase de construção dos instrumentos financeiros que nos permitam trabalhar e/ou construir (se for caso disso).
É neste quadro de entendimento do papel do arquitecto na sociedade e, sobretudo, neste momento histórico, que surge o processo de legalização e requalificação dos espaços públicos primeiro no Bairro da Prodac Norte e mais tarde no Bairro da Prodac Sul, o plano anti-gentrificação de Marvila Velha (com Xerém), a Cozinha Comunitária das Terras da Costa (com Projecto Warehouse) ou as intervenções participativas na reabilitação do edificado em Matera (Itália) que irão decorrer durante este ano. Em todos estes processos, de diferentes formas, o tema da reabilitação (e da, tantas vezes esquecida, manutenção) é central.
Mas estes são apenas alguns exemplos de um contexto de trabalho lato que nos permite circular internacionalmente para mostrar o que fazemos em Portugal e também, cada vez mais, apoiar autarquias na resolução de problemas concretos e específicos.
A replicação da metodologia não é condição de sucesso, mas que mais entidades a trilhem é uma vantagem para todos. Estas práticas têm limites muito exigentes e ténues, que nos devem fazer estar sempre atentos e em reflexão. Entre o papel de projectista e a decisão participada, a intervenção social e a caridade, o profissional e o voluntário, a mediação e o conflito…
Não sendo este, certamente, o caminho para todos os projectistas este é um dos caminhos possíveis para, neste momento histórico, sermos úteis à sociedade em que vivemos.