“A lógica de contratar pelo preço mais baixo origina a degradação da qualidade”
“Escolher uma proposta considerando outros parâmetros exige qualidade por parte de quem está a comprar e a procurar usufruir de serviços públicos”
Pedro Cristino
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Para Vítor Carneiro, as empresas de engenharia e de arquitectura enfrentam, actualmente, os desafios decorrentes da falta de trabalho e de remuneração adequada ao serviço contratado. O presidente da Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores (APPC) afirmou ao Construir que pretende que a Directiva Europeia dos Serviços seja adequadamente transposta para o direito português, de forma a que os critérios de adjudicação de serviços de projecto não se limitem ao preço, mas sim à qualidade das propostas, a fim de não colocar em causa a qualidade das obras e a eficiência dos projectos.
Quais os principais desafios que os membros da APPC enfrentam actualmente?
São dois. O primeiro é a falta de trabalho e o segundo é que, quando o trabalho existe, mesmo sendo pouco, ter o mínimo de qualidade para permitir um desempenho eficiente de um ponto de vista daquilo que é o papel da engenharia e da arquitectura que é produzir bons projectos, eficientes, económicos e, ao mesmo tempo, sendo devidamente remunerado para que as empresas possam desempenhar o seu papel social. Este papel social inclui o pagamento de todos os seus quadros de colaboradores, como também gerar alguma margem que permita o investimento na inovaçao e no desenvolvimento. Este é o ciclo em que as empresas de engenharia e arquitectura estão envolvidas e do qual não podem prescindir.
Na questão dos desafios, também se pode inserir o problema relacionado com atrasos de pagamentos?
Essa situação agrava o que referi. No caso de haver algum trabalho, alguma contratação, e se as condições de contratação forem razoáveis, poderão ser agravadas pelos atrasos de pagamento, que implicam custos financeiros. Mas diria que não é esse o problema maior.
Relativamente à questão do trabalho, acredita que as medidas que o Governo lançou para impulsionar o sector da reabilitação poderão surtir efeitos positivos ou acaba por ser um segmento demasiado pequeno para os associados?
São iniciativas e investimentos importantes porque originarão trabalho para toda a fileira da construção, vão impulsionar a melhoria da qualidade de vida das populações, das cidades, do ambiente em geral, o que permite também atrair mais turismo de qualidade. É um investimento, não uma despesa, que o país está a fazer e é um bom investimento. Tem é pouca implicação na vida económica das nossas empresas. Os associados da APPC são empresas mais viradas para as infra-estruturas, para a obra nova e a reabilitação está a ser muito conduzida numa lógica de projecto-construção. É adjudicada a obra de reabilitação que inclui a sua concepção e, portanto, acaba por não ter um impacto muito grande nos nossos associados. A medida, a iniciativa e o programa são positivos, e incentivamo-los, mas não têm um grande impacto na nossa actividade.
Neste sentido, uma aposta na reabilitação de infra-estruturas poderia ter um impacto maior…
Isso é, efectivamente, aquilo que as sociedades têm que fazer que é gerir a manutenção das suas infra-estruturas. Esses programas de gestão de todas as infra-estruturas que temos são um tema que, seguramente, se colocará no curto, no médio e no longo prazo. É um trabalho que o Estado e as entidades privadas que têm envolvimento nas infra-estruturas públicas, têm de continuar a a fazer, porque passámos de um ciclo em que, predominantemente, construímos e, agora, teremos de manter e gerir. De qualquer modo, é importante realçar que há programas que estão a dar os primeiros passos de investimento em infra-estruturas novas, como é o caso das infra-estruturas ferroviárias, portuárias, a melhoria de todo o sector da logístia, e, portanto, é importante que esses programas, como o PETI3+ [Plano Estratégico de Transportes e Infra-estruturas], vejam a luz do dia e que comecem a fluir para o mercado. Acompanhamos isso com muito interesse e atenção. Estamos a dar os primeiros passos. A Infraestruturas de Portugal está a lançar os primeiros projectos que serão a preparação do lançamento das primeiras empreitadas. Neste momento estamos a lançar os primeiros estudos e projectos e, portanto, é um tema que irá ter significado do ponto de vista do projecto, em 2016 e, provavelmente, em 2017, ter impacto em termos de obra.
Este programa é o que ainda mantém as empresas associadas optimistas?
Diria que as empresas têm de ser realistas e, olhando à volta, vemos que não há país nenhum que deixe de ter infra-estruturas para projectar, para construir e para gerir. É uma necessidade permanente, não têm é que ter o enfoque que teve no passado. Não conheço nenhum país que não tenha investimento no sector da construção.
Portugal quase deixou de ter no início da crise…
De 2010 a 2013, as empresas do nosso sector sofreram as consequências dessa paragem abrupta do investimento e a nossa actividade decresceu na ordem de 30%, o número de empresas reduziu-se na ordem dos 20% e o número de trabalhadores na ordem dos 18%.
Os programas inseridos no âmbito do Portugal2020 são passíveis de gerar uma actividade significativa nos próximos anos para os associados da APPC?
Uma parte do programa, para além do que são as medidas de apoio à internacionalização da empresas em geral, em termos de investimento, há uma parte direccionada para as infra-estruturas. Não é a totalidade do investimento comunitário, mas é uma parte dele. Porque o Portugal2020 está orientado não para infra-estruturas mas sim para a economia.
Agora que estamos em 2015, sente-se algum sinal de aumento da actividade no mercado interno?
Até ao momento ainda não se sentiu. Quando falamos da crise entre 2010 e 2013, não é bem verdade. Em 2015, a crise ainda se faz sentir e, claramente, instalada no meio das empresas.
As empresas têm noção que já não voltarão aos ciclos de 2008…
Tudo isto é feito por ciclos e por épocas. Nos finais dos anos 80 e inícios de 90 também se investiu muito em infra-estruturas. Depois o investimento diversificou-se, mas sempre existiu e, sem esse investimento, não teríamos dado o salto que demos, em termos de infra-estruturas, na qualidade de vida das pessoas e, inclusivamente, em índices como a mortalidade infantil e a longevidade da população, que têm relação com o saneamento básico, o tratamento de água, com hospitais e tudo isso. Quando demos saltos enormes em termos de desenvolvimento social, uma parte deve-se ao desenvolvimento das infra-estruturas. Por isso é que digo que não imagino nenhum país que tenha as infra-estruturas feitas para a vida. Todos têm sempre um programa de investimento, uns mais, outros menos, uns mais num sector, outros mais noutro sector, mas todos vão tendo. E aquilo que, neste momento, está em cima da mesa é a orientação dos investimentos públicos para a ferrovia, para o sector portuário e para o logístico, que são sectores que, se forem olhados como deve ser, tiveram muito pouco investimento em termos de infra-estruturas.
Mesmo no caso da ferrovia?
No caso da ferrovia, ao longo dos anos, fizemos um investimento grande na melhoria das condições de operação da linha do norte, da linha Lisboa-Porto. Entretanto fomos fechando linhas, portanto, a infra-estruturas ferroviária portuguesa está envelhecida e a precisar de um impacto grande, de uma modernização significativa e, fundamentalmente, ligar a orla costeira, atlântica, à Europa. Como Sines, em direcção a Elvas, ou a ligação Aveiro-Vilar Formoso, que será uma linha nova.
No caso de Sines, chegou a falar-se de uma ligação a Espanha, com linha de alta velocidade. Crê que seria um passo importante a tomar, numa lógica de integração europeia?
Seguramente é e, por isso, é também abrangido e financiado pelos programas trans-europeus de transportes. A Infraestruturas de Portugal acabaram de lançar os primeiros concursos para projecto dessa linha de ligação a partir de Sines, a ligação ao Barreiro, a Elvas e, depois, a Espanha.
O que caracteriza a concorrência desleal no campo dos projectistas?
Há vários elementos, mas todos eles passam sempre pelos preços mais baixos e, por via disso, vencer adjudicações. O que está na génese deste problema reside na forma como se olha para a actividade de engenharia e de arquitectura – não são olhadas como um investimento que o dono de obra está a fazer na contratação de determinados serviços para os reproduzir numa melhor qualidade do produto final, da obra, quer seja em termos de longevidade, de funcionalidade ou de economia no curto e no longo prazo. O projecto é o grande instrumento para contratar as obras. É, no fundo, a definição daquilo que o dono de obra pretende que um construtor execute. Tem um valor percentual entre 2% e 5%, embora, no caso português, seja normalmente ainda mais baixo. Em Portugal não é considerado esse instrumento, nem o valor que o mesmo tem na reprodução de valor no empreendimento e acaba por ser contratado pelo critério do preço mais baixo e, assim, leva as empresas a aviltarem os preços, a praticarem valores abaixo daquilo que são os custos que as próprias empresas têm, na ânsia de poderem ganhar alguma fatia de trabalho. No fundo, é um suicídio assistido que os donos de obra estão a fazer aos seus fornecedores de serviços. Isso é extremamente grave, na medida em que vai colocar em causa a eficiência daquele investimento, porque, muitas vezes, o projecto acaba por não ter qualidade, por não ter o rigor que deveria ter e, por vezes, nem sequer chega ao fim. Por vezes, um concurso tem de ser relançado porque o projectista deixou de ter condições para trabalhar. Tem havido falências no sector e isso também introduz custos para quem contrata. A lógica de olhar para a contratação sob o prisma do preço mais baixo origina esta degradação da qualidade da contratação e, portanto, os donos de obra ficam à mercê daquilo que eles próprios criaram, que é um mercado completamente desqualificado. Estes serviços têm de ter uma lógica de consideração daquilo que é a experiência efectiva demonstrada por um projectista, pela confiança que o dono de obra tem naquele projectista, pela qualidade dos serviços que se propõe prestar, ponderados com o factor preço. No fundo, consiste na escolha da melhor proposta e não da proposta mais barata. Aliás, é um dos temas centrais do nosso discurso é que a directiva europeia dos serviços seja adequadamente vertida para o direito português, porque a directiva europeia, por exemplo, não proíbe mas só aceita a consideração de um critério de atribuição de um concurso pelo preço mais baixo em circunstâncias muito excepcionais, que têm de ser devidamente justificadas. A norma é contratar a melhor proposta.
A directiva não foi transposta ainda?
Está em fase de transposição. Existe um prazo até Abril do próximo ano. Isto implica uma mudança de cultura. Infelizmente, em Portugal, a cultura que se enraizou nos últimos anos, foi a cultura do preço mais baixo e as pessoas interiorizaram que tudo é resolvido com base nos números, e os números são o preço e o preço é o mais baixo. Escolher uma proposta considerando outros parâmetros exige qualidade por parte de quem está a comprar e a procurar usufruir de serviços públicos. No fim do dia, e quando, muitas vezes, se analisam os desvios das obras – um exercício que o Tribunal de Contas deveria fazer – devia fazer-se uma correlação entre esses desvios e a forma como os serviços de engenharia e arquitectura foram contratados.