260 anos do grande sismo de Lisboa
É óbvio que é possível que um sismo idêntico possa vir a ocorrer, mas é preciso ter a noção do enorme investimento que seria necessário para reabilitar o vasto parque habitacional em causa
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Comemoraram-se, recentemente, 260 anos da ocorrência do sismo de Lisboa de 01/11/1755, do qual resultou a destruição quase completa da cidade de Lisboa, especialmente da zona da Baixa, de Setúbal e de grande parte do litoral do Algarve. O sismo foi seguido de um maremoto – que se crê tenha atingido uma altura da ordem da dezena de metros – e de múltiplos incêndios, tendo originado cerca de noventa mil mortos e destruído quase 85% das construções existentes nos locais afectados. Foi um dos sismos mais mortíferos da história da Europa, estimando-se que tenha atingido uma magnitude de cerca de 9 na escala de Richter. Algumas zonas próximas do Tejo não sofreram danos resultantes do maremoto, como foi o caso da Rocha do Conde de Óbidos sobre a qual estava implantado o palácio dessa família titular. Também se deve ao referido maremoto a frase popular “rés vés Campo de Ourique”, dado que o maremoto originou o avanço das águas do Tejo ao longo de quase duzentos e cinquenta metros para o interior da cidade, ou seja quase a chegar ao bairro de Lisboa com aquele nome. Como tem vindo a ser prática corrente sempre que ocorre um sismo, alguns alarmistas aproveitaram a efeméride para insistir na tónica de que é preciso reabilitar, urgentemente, a parte mais antiga da cidade de Lisboa, sob pena de, aquando duma futura ocorrência dum sismo de magnitude semelhante, a capital portuguesa voltar a ficar gravemente danificada. Esses alarmistas chegaram ao pormenor de quantificar o custo dos subsequentes danos e, até, de indicar o previsível número de mortos. É óbvio que é possível que um sismo idêntico possa vir a ocorrer, mas é preciso ter a noção do enorme investimento que seria necessário para reabilitar o vasto parque habitacional em causa, tendo em vista melhorar as suas características de resistência aos sismos. É também necessário não esquecer que, felizmente, Portugal não tem uma actividade sísmica quase diária como acontece com países como o Japão ou o Chile. Os referidos alarmistas, não tendo conseguido sensibilizar, como pretendiam, a opinião pública, procuraram pressionar os sucessivos governos para que estes promulgassem legislação que impusesse as medidas que entendiam necessárias. Contudo, o D. L. n.º 53/2014, de 08/04, no artigo 9.º (“Salvaguarda Estrutural”), prescreve que “as intervenções em edifícios existentes não podem diminuir as condições de segurança e de salubridade da edificação nem a segurança estrutural e sísmica do edifício”. Ou seja, as intervenções de reabilitação não podem diminuir as condições de segurança sísmica dos edifícios, mas não são obrigadas a aumentar essas condições, o que obviamente não os satisfez. Mas esquecem-se esses críticos que, se uma operação de reabilitação não for economicamente viável, então os edifícios degradam-se e diminuirão, ao longo do tempo, as suas condições de segurança estrutural, o que os torna muito mais vulneráveis se vierem a ser actuadas por um sismo. Também não compreendem que há fenómenos naturais de maior frequência e, consequentemente, de maior probabilidade de ocorrência, como são os casos das chuvas torrenciais e dos ventos ciclónicos. Foi o caso recente das inundações em várias cidades do Algarve, nomeadamente em Albufeira, a qual havia passado por idêntica situação há sete anos. O erro de, ao longo de décadas, se ter autorizado a construção em leitos de cheia, está na origem destes problemas. Acresce que, por vezes, a arquitectura de espaços exteriores procura reduzir, ao mínimo possível, a dimensão das caleiras de drenagem pluvial, por considerar que estas não têm qualidade estética. Foi o que aconteceu na parte baixa de Albufeira onde a largura das caleiras de drenagem era, à vista desarmada, nitidamente insuficiente. Também o facto da cota altimétrica dessa parte baixa estar muito próxima da do nível do mar, obriga à bombagem do esgoto pluvial. Muito possivelmente as bombas que se encontravam em serviço não estava dimensionadas para o caudal de ponta que ocorreu. Por sua vez, a Praia Maria Luísa, onde desaguam duas ribeiras que, habitualmente, têm um caudal desprezável, foi vítima da acção das águas dessas ribeiras as quais forçaram a passagem, para o mar, através do areal, com o consequente arrastamento de areias e a posterior maior vulnerabilidade para a acção dinâmica das ondas sobre a praia. Esta, onde ao longo dos anos têm acontecido desmoronamentos de falésias provocados pela actuação do mar foi, agora, afectada pela acção erosiva dessas ribeiras. Pensamos que, mais do que criar alarme em relação a uma eventual futura acção sísmica, há que desenvolver formação de prevenção, a começar pelas escolas primárias. A noção de que cada família deve manter, em permanência, “kits de sobrevivência” para os seus membros integrantes, bem como um “stock” mínimo de alguns alimentos mais essenciais, são aspectos fulcrais para minimizar as consequências dos sismos. Também a orientação das pessoas sobre os procedimentos que devem ter quando da ocorrência dum sismo, é muito importante. No Chile, que visitámos recentemente e que é um dos países com maior frequência de sismos de elevada magnitude, essas acções preventivas são ensinadas desde a escola primária e são uma preocupação, constante, da maioria dos cidadãos. A importância da prevenção das pessoas e do conhecimento adequado dos procedimentos que devem seguir durante um sismo, foi um aspecto muito debatido quando, em 2009, ocorreu um sismo em Itália, em Áquila, o qual provocou a morte de mais de trezentas pessoas e o colapso de inúmeras construções, algumas delas do património histórico local. No rescaldo deste caso ocorreu a condenação, em tribunal, de seis cientistas italianos a seis anos de prisão efectiva, por homicídio involuntário. Há quem pense que foram condenados por não terem previsto esse sismo, mas o que se passou foi que eles, todos reputados cientistas, foram considerados culpados por terem falhado no seu papel de decisores e de aconselhamento das populações. Segundo o tribunal, os cientistas menosprezaram os abalos que se fizeram sentir algum tempo antes do sismo de grau 6,3 na escala de Richter, dizendo que, depois dos referidos abalos, seria pouco provável que viesse a ocorrer um sismo de mais forte magnitude. Assim, as populações não foram devidamente alertadas para os comportamentos a adoptar quando da ocorrência desse outro sismo posterior, pelo que foram apanhadas desprevenidas. Não foi um julgamento condenatório para a ciência mas sim para a forma como esta não se colocou, adequadamente, ao serviço da comunidade.
José Matos e Silva,
Engenheiro Civil, Especialista em Geotecnia, Estruturas e Direcção e Gestão da Construção