“Importa prevenir que a qualidade do betão seja colocada em causa”
Em vésperas da realização do primeiro Dia do Betão, que se realiza a 2 de Junho em Lisboa, o director executivo da Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto, João Duarte, antecipa os objectivos do encontro
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Em entrevista ao CONSTRUIR, o director executivo da APEB justifica a importância de as empresas se associarem e explica os riscos decorrentes da excessiva pressão sobre o factor preço nas obras.
Que necessidades identificaram para avançar para a organização do primeiro Dia do Betão?
O objectivo principal é estimular o sector. Desde sempre desenvolvemos este tipo de acções para juntar os profissionais deste sector e de outras áreas associadas, de modo a promover networking e divulgar as últimas tecnologias. Estes foram os objectivos primordiais do evento que estava já na minha cabeça há vários anos. Só agora, depois de assumir este cargo, é que ficaram reunidas as condições para a sua organização. A proposta foi apresentada aos directores da APEB que aceitaram a organização do evento. É assim que nasce o primeiro dia do Betão, sensivelmente um ano após a minha designação como director executivo da associação.
Que alterações foram introduzidas com a sua chegada a este cargo? O que faltou até então para que só agora se avance com esta iniciativa?
O sector atravessou uma fase de ajustamento que levou a que se levantassem outras preocupações, nomeadamente a sustentabilidade económica das organizações, a que a APEB não escapou. A Associação tem vindo a ajustar-se para responder à evolução dos tempos. De alguma forma, houve um esquecimento dos objectivos da APEB. A associação tem como objectivos representar o sector, defender os interesses do sector junto das organizações estatais, existem assuntos que precisam de ser tratados dado que a industria do betão reveste-se da particularidade de o produto que é colocado ser um produto perecível, tem um tempo de vida limitado entre a sua produção e a sua aplicação e existem aspectos legais que necessitam de ser ajustados. Temos outros produtos nas mesmas condições, como é o caso do leite, e queremos ver o betão como outra excepção que permita que a lei se ajuste às necessidades do sector. Isso não quer dizer que a lei seja aligeirada, a lei carece isso sim de ser ajustada. Um dos assuntos que está por trás do evento é o caso da nossa congénere austríaca ter sensibilizado o parlamento para a alteração da legislação sobre o peso máximo dos veículos de transporte do betão, nomeadamente os de quatro eixos, os mais utilizados. Daí que haja uma apresentação relacionada com esse tema por ocasião do Dia do Betão. Outro dos motivos passa pela abertura de uma porta de comunicação com a tutela. A tutela mudou em consequência das últimas Legislativas e é importante procurar sensibilizar o Governo português para a importância da medida tomada pelo governo austríaco.
Esse esquecimento resume-se, unicamente, ao que tem sido a produção no sector? A diminuição do peso da APEB é explicada unicamente pela quebra da produção na construção ou, simplesmente foram perdendo esse terreno…
Não perdemos peso. Perdemos, isso sim, a iniciativa. Nós continuamos a representar a indústria do betão e foram tomadas as devidas medidas mas de uma forma menos incisiva. Ou seja, os assuntos continuaram a ser defendidos junto da tutela mas de alguma forma houve um desinvestimento na promoção do sector. Aí é que houve desinvestimento. A APEB virou-se, nos últimos anos para si própria tentando ajustar-se para sobreviver neste Sector e esquecemos os próprios associados. Não reunimos os associados, não tomámos a iniciativa de juntar, promover e estimular. Fizemos um congresso mundial em 1998, e praticamente desde essa altura fizemos dois ou três seminários, o último dos quais em 2014 relacionado com a legislação energética. Havia poucas iniciativas e este é um dos objectivos do Dia do Betão. Promover a sinergia, a partilha de conhecimento e acaba por ser um evento multifacetado. Tem objectivos claros na divulgação de novas tecnologias, mas tem outros objectivos implícitos através do próprio conteúdo. Queremos aproveitar uma parte mais social para promover objectivos estatutários da própria associação. No passado fizemos eventos monotemáticos e com este tipo de iniciativas procuramos que sejam eventos que tenham uma mais valia a vários níveis. Desde logo a apresentação de comunicação de alta performance e uma outra sobre sustentabilidade, ou seja, não necessariamente técnicos. Entre as apresentações destaque também para a apresentação de Hans-Heinrich Reuter, que vem de uma empresa de equipamentos de ensaio, a Testing, uma empresa líder na Alemanha que tem pouca expressão em Portugal. Esta será uma apresentação técnica, voltada para o ensaio. Temos um tipo específico de betão que é o betão com fibras e ele vem promover métodos de ensaio sobre esse tipo específico de betão. Temos igualmente a participação de Thomas Hoffmann, representante da nossa congénere alemã que tem estado a trabalhar na preparação de uma legislação similar à austríaca. Sendo alemão, consegue dominar o assunto com base num estudo elaborado com a Universidade Técnica de Viena. Além disso, contaremos igualmente com a representação da embaixada alemã, neste caso por parte de Matthias Fischer, conselheiro económico.
O que pode a industria ganhar com estes contributos da Alemanha?
Há, efectivamente, alguma mais-valia se conseguirmos sensibilizar o Governo português a adoptar a medida de aumentar o peso das viaturas de quatro eixos. Este aumento proposto não surge por acaso. Existe legislação que impede que se excedam as 9,5 toneladas por eixo. Num camião-betoneira é difícil porque o balão está, essencialmente, apoiado nos eixos traseiros mas a Liebherr, por exemplo, já conseguiu colocar no mercado modelos de camião que conseguem cegar às 36 toneladas sem ultrapassar as 9,5 toneladas por eixo. Não há risco para a infra-estrutura, não há risco de segurança rodoviária e há um conjunto efectivo de benefícios, desde logo pela redução de viaturas em circulação. Se conseguirmos levar mais quatro toneladas por camião estamos a reduzir o número de veículos necessários para levar a mesma carga de betão. Há, igualmente, uma redução do consumo de gasóleo, o que será importante na medida em que todo o nosso combustível é importado. Assim reduzíamos a necessidade de importação de petróleo. A juntar a isso, assinalar a redução drástica das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. Percebe-se assim que não é só a industria que ficaria a ganhar porque consegue rentabilizar a sua estrutura e conseguir que o seu produto seja mais competitivo porque o preço unitário por transporte fica mais baixo. Se dividirmos o preço do transporte por mais quatro toneladas fica mais económico esse transporte, mas essencialmente haverá um claro benefício para toda a comunidade. Há um conjunto de impactes positivos que precisamos de fazer chegar até junto dos decisores para que também Portugal conheça essa alteração legal.
A APEB já encetou diligencias junto da tutela?
Este assunto não é novo. Mesmo antes da Áustria ter conseguido atingir o seu objectivo, esta é uma iniciativa que está há alguns anos em desenvolvimento, tendo sido feitas abordagens à tutela, mesmo por mim. Em Junho contactámos o então secretário de Estado, Sérgio Monteiro, que nos respondeu remetendo a questão para o IMT que, por sua vez, fez um parecer onde apresentou vários argumentos que estão, neste momento, a ser discutidos internamente na APEB para se poder justificar que aqueles argumentos não são fundamentados. Mas já antes disso, mesmo a nível europeu, quando a legislação estava a ser revista, houve participação da APEB junto dos representantes portugueses para tentar que esta medida fosse introduzida não a nível nacional mas europeu. Alguns países adoptaram a directiva ipsis verbis, com algumas excepções país a país. No âmbito do betão, a Áustria foi o primeiro país a beneficiar de uma excepção. Queremos que haja uma uniformização e uma clarificação da regra. Há outras iniciativas em curso, há contactos já feitos, alguns com sucesso e outros em processo de trabalho. Nós não desistimos e continuaremos a lutar pelos interesses da indústria e, neste caso, nos interesses da população em geral.
Quais são as expectativas da APEB para este encontro?
As expectativas são as melhores. Procuramos que a industria e os seus profissionais fiquem mais estimulados, queremos promover o material betão como sendo uma opção natural para a construção. O betão pode ser feito em obra ou industrial e queremos promover o betão industrial como uma opção natural. É a opção mais económica, a que apresenta as maiores garantias de qualidade do produto. Ao fazer esta promoção procuramos que os próprios utilizadores – razão pela qual o evento não é uma iniciativa da industria do betão pronto mas sim da industria para a construção – fiquem mais despertos para esta realidade e que optem pelo betão pronto. Outro objectivo passa por conseguir criar uma base de colaboração com o actual Governo, sendo expectável que após o evento chegaremos a bom porto e as iniciativas se desenvolvam. Era importante que esta informação que queremos veicular no evento chegue à tutela, daí o convite ao secretário de Estado das Infraestruturas.
Que desafios identificam no futuro mais imediato para a indústria?
A industria terá de continuar a adaptar-se aos tempos que correm. Neste momento há uma grande promoção da reabilitação, dos centros urbanos mais densos como Lisboa e Porto, entre outros e uma vez que a industria esteve durante muito tempo focada em grandes obras temos agora muitas pequenas obras. Esta industria não pode permitir deixar estas pequenas obras ao acaso e deverá adaptar-se a esta necessidade do mercado. Estas são as grandes preocupações que vejo neste momento. Há uma outra preocupação que tem a ver com a própria industria. A industria tem de continuar a preocupar-se em promover o material betão e a prevenir que a qualidade do betão seja colocada em causa por causa das pressões de preço. Os preços são cada vez mais importantes nas obras e isso acaba por colocar alguma pressão sobre o betão e há que garantir que a qualidade do produto não é afectada.
Que expressão tem essa pressão do factor preço sobre o betão e o que poderá ser feito nesse sentido?
Estamos apostados em defender a qualidade do produto. Qualidade do produto do betão pronto é essencial para a imagem do sector. Temos alguma garantia de que as empresas que estão associadas da APEB têm acesso a formação e a informação necessárias que lhes permitem cumprir a legislação. Existe uma preocupação, essencialmente, com as empresas que estão fora da associação. Estamos a desenvolver esforços para estimular outras empresas a se federarem na associação e para que tenham acesso a formação e a informação de modo a garantir que pelo menos as empresas estão capazes de produzir betão conforme. Infelizmente temos conhecimento que, fruto da concorrência, por vezes há a tentação de baixar o preço do betão à conta de uma menor qualidade. Se quisermos fazer um betão mais barato temos de poupar em algum lado e o material que é mais dispendioso numa composição é o cimento. Reduzindo a quantidade do cimento, a qualidade do betão é afectada. Outro aspecto está relacionado com o investimento no auto-controlo. Isso custa muito dinheiro às organizações, algumas organizações tendem a reduzir este tipo de custos e depois há quem desconheça o que está a colocar no mercado. Quando vêm a saber já pouco há a fazer, já é tarde. Estamos, efectivamente, preocupados com a qualidade do betão, com a pressão do preço das obras que vai reflectir-se no betão. A situação pode levar a que haja a tentação, não consigo dizer a percentagem ou a expressão disso. Temos confiança nos associados, cumpridores, porque assumem esse compromisso quando se comprometem com a APEB o que não quer dizer que os outros não cumpram igualmente. Mas nos nossos associados confiamos em pleno.
A Construção atravessou nos últimos anos um período difícil de que ainda está a recuperar lentamente. Que efeitos trouxe esta situação para a industria do betão?
A industria do betão pronto sofreu um forte ajuste nos últimos anos, fruto do decréscimo de obras. Neste momento estamos a atravessar uma fase em baixa, já tivemos fases de muita produção. Há quem garanta que construímos em cinco anos o que deveríamos em 50, algumas empresas passaram grandes dificuldades porque se dimensionaram para um nível de produção insustentável e nos últimos anos foram levadas a ajustar-se. Algumas desapareceram, outras empresas reduziram drasticamente a sua capacidade produtiva. Nós sentimos que 2015 já apresentou alguma estabilidade. Não se pode falar em crescimento propriamente dito, o que houve foi insuficiente para justificar o crescimento das organizações que neste momento estão estáveis nas suas unidades de produção. Face ao orçamento aprovado para 2016, percebe-se que o nível de investimento é mais reduzido que em 2015 mas é notória uma maior dinâmica da iniciativa privada. Com a descida dos juros, há um atractivo maior para que os investidores assumam esse compromisso.