“A Ordem dos Engenheiros não é um sindicato”
Para Carlos Mineiro Aires, o critério de adjudicação ao preço mais baixo, patente no Código da Contratação Pública conduz a uma depreciação dos salários dos engenheiros e a situações de “dumping”
Pedro Cristino
2024 será um ano de expanção para a Hipoges
Roca Group assegura o fornecimento de energia renovável a todas as suas operações na Europa
Convenção APEMIP | IMOCIONATE 2024 já tem data marcada
Prospectiva fiscaliza empreitadas no hospital de Vila Nova e Gaia e Espinho
Grupo IPG coloca no mercado 51 mil m2 de activos logísticos e industriais
Ordem dos Arquitectos debate cinco décadas de habitação em democracia
Pestana Hotel Group com resultado líquido superior a 100M€
‘The Nine’ em Vilamoura comercializado a 50%
‘Rethinking Organizations: as diferentes visões sobre o Futuro das Organizações no QSP SUMMIT 2024
Sindicato dos Arquitectos reúne com objectivo de aprovar “primeiras tabelas salariais”
Para Carlos Mineiro Aires, o critério de adjudicação ao preço mais baixo, patente no Código da Contratação Pública conduz a uma depreciação dos salários dos engenheiros e a situações de “dumping”. Em entrevista ao Construir, o recém-eleito bastonário da Ordem dos Engenheiros deixa a previsão de que um novo ciclo económico chegará eventualmente ao país e, nessa altura, Portugal poderá ter de importar serviços de engenharia, e revela também a sua ambição de rejuvenescer a associação profissional que lidera.
Como analisa o actual paradigma da engenharia no país?
O paradigma do ensino da engenharia e da profissão dos engenheiros alterou-se significativamente. Vamos primeiro ao ensino, desde logo com Bolonha, que colocou dois níveis de ensino, com graus de três e de cinco anos. Para o exercício de determinadas áreas de engenharia, três anos é suficiente mas, para outros, não são qualificações suficientes. Não podemos pensar que um engenheiro, com três anos de formação, tem capacidade para calcular um grande edifício, uma ponte ou uma estrutura mais complexa, porque não tem. A Ordem soube responder a este novo paradigma e hoje admite licenciados que, nos estatutos, estão com o nível E1, e admite os mestrados, com nível E2 – as pessoas com cinco anos de formação. Diga-se que, nos acordos internacionais que temos firmados, só são admitidos engenheiros com cinco anos de formação. Acomodámos na Ordem, os engenheiros com a licenciatura pós-Bolonha e temos pensada a forma para que estes possam depois passar de nível E1 para nível E2 através de experiência profissional e formação contínua. Mas, se for através de evolução académica, essa passagem é mais directa e mais racional. Entretanto foi criada uma ordem paralela, a Ordem dos Engenheiros Técnicos (OET) que, com o estatuto novo, pode admitir os mesmos profissionais. Isto é uma situação absolutamente inacreditável, bizarra, inqualificável, porque não faz sentido haver, numa mesma área, duas ordens profissionais, que admitem pessoas com as mesmas qualificações académicas e profissionais. Isto não faz sentido nenhum, portanto, nós somos muito claros em relação a isto: desde o momento em que passámos a admitir todos, não há razão nenhuma para que não se inscrevam aqui. Temos as quotas mais baratas, uma história e imagem de referência – é um facto que a sociedade olha para a Ordem dos Engenheiros como a referência da engenharia. Portanto, é natural que, com este entendimento, haja um natural fluxo dos membros para a Ordem dos Engenheiros e é isso que pretendemos. É um problema que o tempo se encarregará de resolver por si próprio. A seguir, tivemos a questão da crise económica, não portuguesa mas europeia e mundial, que nos levou a depararmos com um problema que é a falta de emprego, um problema novo porque estávamos habituados ao total emprego na designada “zona de conforto”. Há aqui uma altura muito conturbada onde os salários subitamente baixam e isso tem uma consequência. Quando há concursos públicos, nomeadamente para projectos, prestação de serviços e etc, aparecem dezenas de empresas e, quando o critério é o preço, mergulham de cabeça e é óbvio que isso tem um reflexo nos salários. É uma situação de “dumping” e deve ser combatida. A própria lei devia prever isso e, mais ainda, é até imoral e injusto que a lei permita que os salários de técnicos qualificados estejam abaixo de determinados níveis. Com isto tudo houve outra alteração, porque as pessoas habituaram-se a criar a ideia de que teriam de sair para o estrangeiro para arranjar emprego. Há uma mudança de mentalidades, entretanto. Desde logo, os jovens procuram avidamente fazer Erasmus, que é a primeira abertura que têm para contactarem com realidades novas, com outros países e outras pessoas. Hoje, o espírito desses jovens também já não está tão fechado como estava antigamente, no sentido de permanecerem nos seus países. Obviamente que a última coisa que desejo é que alguém tenha de sair do país, mas se alguém tiver de sair do país, que volte. Por outro lado, há uma nova realidade: efectivamente, o mercado não acomoda a produção de licenciados e mestrados que actualmente decorre. Mas não acomoda hoje e corremos o risco muito grande de termos que importar engenheiros no futuro próximo. Se a economia voltar a alavancar, haverá empregos. Aliás, segundo vários indicadores e observatórios, como o do Instituto Superior Técnico, apontam para uma empregabilidade quase a 100% na área da engenharia. No campo da engenharia civil, que será aquela área que, se calhar, no futuro próxima, fará mais falta, a empregabilidade média está nos seis meses.
À imagem do Técnico, as outras universidades de referência têm registado procura pelos seus cursos de engenharia?
Na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) está a acontecer o mesmo [que no Técnico]. Em Coimbra, como é do conhecimento público, a procura dos cursos de engenharia civil baixou brutalmente por parte de nacionais, pois continua a ter uma procura muito grande por parte de estrangeiros. É curioso que, correndo um pouco pelas escolas, se assiste a uma grande procura pelos estudantes estrangeiros para estas escolas, que é o que lhes permite sobreviver. Não há mal que sempre dure, nem bem que se não acabe e, um dia destes, teremos, com certeza, as coisas a tenderem para um novo equilíbrio. Agora, é importante salientar que, por estarmos a passar por problemas na empregabilidade dos nossos engenheiros, a última coisa que o país deve permitir é que se deixe de apostar na educação, na formação de engenheiros e que se crie a falsa ideia de que é mau ser engenheiro. A profissão de engenheiro é crucial para o desenvolvimento, crescimento e economia de qualquer país, portanto, isso seria um caminho perfeitamente suicida. Há que continuar a cativar os jovens, a mostrar a engenharia como uma profissão da maior imprescindibilidade para qualquer país e – mais ainda – uma profissão que, em muitos aspectos, tem uma responsabilidade social inerente muito elevada. Portanto, não podemos, de forma alguma pensar que, com um país que quer crescer e desenvolver-se pode abdicar do ensino da engenharia.
Acha que a engenharia está mal vista, actualmente?
Não é isso. Tenho assistido, nas redes sociais, que são, hoje, a ferramenta que os jovens têm para comunicarem entre si, a trocas de mensagens onde se refere que há engenheiros desempregados ou que têm de ir para o estrangeiro trabalhar. Aliás, é preciso vincar que os principais importadores de engenheiros portugueses não são os países da América do Sul ou de África. É a Europa – Reino Unido, em primeiro lugar, depois Dinamarca, Noruega, Holanda e Alemanha. O principal destino dos engenheiros portugueses é a Europa e, com as transportadoras aéreas “low cost”, estão a 50 euros de casa. Criou-se a ideia de que, por um lado, ir para engenharia envolve dificuldade em encontrar emprego. É falsa. Por outro lado, não se diz o mesmo da arquitectura, que tem um nível de desemprego muito maior, ou dos licenciados em Direito, que tem um nível de desemprego também muito maior. A engenharia tem uma visibilidade, enquanto profissão essencial no país, muito maior. A OE faz uma grande aposta em divulgar a importância da engenharia e dos cursos de engenharia. Temos jovens de excelência, muito cobiçados, temos pessoas muito bem qualificadas, pois os cursos têm, na generalidade, qualidade, e, por isso, é que os engenheiros portugueses são procurados e cobiçados. Qualquer engenheiro que se dê ao trabalho de fazer uma formação complementar na área da gestão fica com ferramentas que mais nenhum outro profissional consegue igualar.
Como caracteriza as bases proporcionadas pelo ensino da engenharia no país?
A preparação de base da matemática e da física proporciona uma ginástica mental e uma visão dos problemas de que só mais tarde nos apercebemos.
Os jovens que vão para as universidades poderão não ter noção dessa preparação, que lhes poderá abrir outros caminhos além da profissão de engenheiro?
A questão é bem colocada e estamos a fazer uma aposta junto do secundário para mostrar exactamente aos estudantes o que é ser engenheiro. Há uma transversalidade nesta profissão que permite que qualquer engenheiro que se evidencie acabe, inevitavelmente, em lugares de chefia, a fazer gestão. Mas ele tem um “background” e a visão do que é a produção e, depois, a visão do que é a gestão e isso dá uma capacidade única de gerir unidades produtivas. Há de reparar que, à frente de uma grande indústria, de um grande centro de produção, é muito raro não estar um engenheiro com formação complementar em gestão, porque um gestor, um economista, sozinho, tem dificuldades em ter essa visão transversal dos problemas que é inerente aos engenheiros.
Foi-lhe deixado um legado pesado?
Um legado pesado não é. Cada pessoa tem o seu estilo, a sua maneira de ser. O meu antecessor, o engenheiro Matias Ramos, tal como o seu antecessor, o engenheiro Fernando Santo, têm o seu estilo, e eu tenho o meu. A nível da Ordem, sou uma pessoa com uma estrutura mental muito virada para um princípio que é o de que as coisas devem funcionar sozinhas e devem ter organizações autocomandadas. Eu gosto muito de arrumar as casas e uma das coisas que tenho em mente, agora no início, é arrumar a casa à minha maneira. A Ordem tem dois objectivos muito simples que são servir os membros e regular a profissão e tem de estar preparada para isso, com eficiência e com capacidade para o fazer. Evidentemente que há uma série de procedimentos e de obrigações que hoje temos e não podem ser descuradas. Recordo que a OE tem hoje uma tutela política e administrativa, que é o senhor ministro das Infra-estruturas, que está sujeita a auditorias do Tribunal de Contas e que, hoje, tem de cumprir regulamentos que antigamente não eram habituais aqui, como a questão do Código de Contratação Pública, o célebre CCP. Quando nos deparamos com um cenário novo destes, é óbvio que o comportamento e a forma de organizar e ter a Ordem controlada e monitorizada têm que ser outros. O legado, em si, é bom. Cada um teve a sua época. Tenho outras ambições e visões, que nunca escondi. Obviamente que isto não são críticas ao passado, são apenas melhorias e retoques em relação ao caminho que a OE tem vindo a percorrer. A OE tem uma boa imagem, a sociedade respeita-a e aos engenheiros e é nesse caminho que temos de continuar. Não podemos pensar que a Ordem é algo que subitamente poderá cair nas mãos de alguém que, de um dia para o outro, destrói os 80 anos de história que completamos este ano. Quando se tem 80 anos e se assiste à evolução que têm tido a investigação, a ciência, a engenharia e as tecnologias, é óbvio que a Ordem tem também de fazer esse percurso e adaptar-se paulatinamente. Uma das minhas grandes ambições é encher a Ordem de jovens. Quero-a rejuvenescida, interventiva, quero que os jovens comecem a participar na sua vida desde estudantes, que percebam porque a OE existe e como se podem servir dela e servi-la. Quero criar uma cadeia de pessoas de excelência que serão quem tomará conta disto amanhã. Temos o dever de entregar a Ordem a quem vem a seguir cada vez melhor do que a encontrámos. É o que me compete a mim fazer, e que os meus antecessores também fizeram. Em cada época há um passo e em cada pessoa uma maneira de estar e uma direcção. Admito que sou ambicioso em relação a determinados aspectos, mas não aponto nada a quem me antecedeu porque, com certeza, fizeram o melhor, e também lhe digo que, de qualquer forma, nos últimos seis anos, também estive envolvido na construção da Ordem.
Relativamente à tutela política, vê isto como um passo em frente?
Sinceramente, não é um passo em frente, nem um passo atrás. Segundo consta, era uma imposição da “troika”. Em termos de inconvenientes, só vejo um: há regulamentos da Ordem que antigamente eram automaticamente aprovados pela Assembleia de Representantes da OE e entravam em vigor e que, agora, depois de ir à Assembleia de Representantes, terão de ser homologados pela tutela. Se o acto de homologar consistir em estar de acordo com aquilo que a Assembleia, que é soberana e livremente eleita pelos engenheiros, é para nós indiferente desde que sejam rápidos e céleres a fazê-lo. Se o que se pretende é comentar e criticar os regulamentos que o Conselho Directivo propôs e que a Assembleia – o órgão máximo da Ordem – aprovou, aí já me questiono porque, na verdade, a regulação compete à Ordem, está-lhe delegada pelo próprio Estado e seria muito mau que os órgãos de Estado, neste caso o Governo, agarrasse no lápis azul ou encarnado e começasse a riscar aquilo que entendemos ser essencial para fazermos a regulação. Não temos atitudes corporativas, elitistas, pró-políticas ou contra governos. Queremos apenas ter as casas arrumadas e fazer, em condições, o que o Estado nos delegou sem pagar, que é a regulação da profissão. É preciso que os cidadãos saibam que a Ordem nunca recebeu um cêntimo do orçamento geral do Estado. A única coisa que queremos é que respeitem as decisões que os nossos melhores – os membros da Assembleia de Representantes – tomam. Quando se fala em homologar, para mim, é colocar uma assinatura, e não um contraditório ou uma discussão do que está já aprovado.
E relativamente a vantagens?
Ao termos uma tutela, isso devia implicar uma proximidade no relacionamento [com o Governo]. Já tive ocasião de falar por duas vezes com o senhor ministro das Infra-estruturas e tudo indica que poderemos ter um diálogo perfeitamente assíduo e aberto, porque estamos cá é para ajudar e não para complicar.