“O grande desafio da investigação é o financiamento”
João Ramôa Correia, docente do DECivil do Técnico, foi galardoado pelo International Institute for FRP in Construction (IIFC), com o Distinguished Young Researcher Award 2016
Pedro Cristino
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João Ramôa Correia, docente do Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos (DECivil), do Instituto Superior Técnico, foi galardoado pelo International Institute for FRP in Construction (IIFC), com o Distinguished Young Researcher Award 2016. Em entrevista ao Construir, Ramôa Correia revela que vê este prémio como o reconhecimento do trabalho de toda uma equipa e também como a prova de que Portugal tem cartas para dar na área da investigação, apesar dos parcos recursos e da quebra do financiamento
O que significa para si receber o prémio da IIFC?
É, obviamente, um grande orgulho, que representa o reconhecimento não só do meu trabalho, mas, sobretudo, do trabalho de uma equipa. Quando o recebi, partilhei-o imediatamente com a minha equipa, com os meus alunos de doutoramento, com os investigadores de pós-doutoramento. Este trabalho deve-se, em grande medida, a eles. Este prémio foi uma boa prova de que, num país com poucos recursos, é, por vezes, possível fazer um bom trabalho.
Que trabalho tem vindo a desenvolver no âmbito da conquista deste galardão?
O prémio não distingue um trabalho em particular. Foi uma distinção do currículo e do conjunto de trabalhos feitos na área. O prémio é atribuído pelo IIFC e esta organização tem dois prémios: um que é uma medalha para séniores, pelos contributos de vida que deram à área e, depois, tem este prémio, destinado a “jovens”, até 40 anos e que, basicamente, o que tem em conta é a investigação – os projectos de investigação e o contributo para o avanço do conhecimento na área, aplicações práticas, valorizando muito o contributo para realizações, obras. Aqui no Técnico, felizmente, depois de alguns anos a fazer investigações de base, tivemos oportunidade de estarmos envolvidos em projectos de construções, em compósitos. Um terceiro aspecto considerado pelo IIFC relaciona-se com o contributo para ensino na área. Aqui, começámos a dar formação nesta área dos compósitos em engenharia civil. O último aspecto é a formação de jovens investigadores, com teses de mestrado e doutoramento.
É o premiar de um longo currículo não só em investigação, mas ensino e também prática de engenharia…
No meu caso, não será assim tão longo. Trabalho neste campo há 15 anos. Diria que é intermédio.
Quais as vantagens dos compósitos reforçados com fibra?
Estes materiais são encarados, na engenharia civil, como novos, mas já têm umas décadas noutras indústrias. Começaram por ser utilizados na indústria naval, também na aeronáutica, na indústria automóvel e, depois, noutras aplicações como raquetes de ténis, tacos de golfe, pranchas de surf, etc. É um material que é muito resistente, mecanicamente, mas claro que há diferenças em função dos “ingredientes” que lá colocamos e essa é outra das vantagens do material: nós podemos “engenheirar”, combinar diferentes resinas, diferentes fibras, que poderão ser orientadas em diferentes direcções, colocadas onde as queremos, o que o torna um material manipulável. Mas além da elevada resistência mecânica, como vantagens temos a leveza – são materiais muitíssimo mais leves do que aqueles com que costumamos trabalhar – e a vantagem que acho que tem sido crítica, determinante, na engenharia civil é a durabilidade. O grande impulso para a sua utilização na engenharia civil ocorreu quando começámos a ter grandes problemas de durabilidade, sobretudo em países que começaram a construir antes de nós, como os do Centro e Norte da Europa – na altura do grande “boom” da construção, a seguir à Segunda Guerra -, Estados Unidos e Canadá. Esses países, para além de terem uma construção em betão armado mais antiga do que a nossa, têm outro problema que são os sais anticongelantes, por causa da neve. Começou a aparecer uma quantidade significativa de pontes com problemas de corrosão e estes materiais passaram a ser vistos como uma alternativa muito importante para essa aplicação, pelo facto de ser mais durável.
Tem uma aplicabilidade que cobre todo o espectro da construção?
Estes materiais existem em várias tipologias. Temos uma primeira, que já é uma solução comercial standard, que consiste nos sistemas de reforço em CFRP – de carbono – e que já conhecida pela maior parte dos nossos projectistas. Não sei se todos se sentem confortáveis para utilizar esta solução, mas diria que muitos a utilizam com uma base regular. São laminados – ou em mantas – que barramos com uma camada de adesivo e colamos ao elemento que queremos reforçar. É uma solução que vem substituir uma outra solução alternativa de reforço com chapas metálicas por ser muito mais leve.
É um material dispendioso?
Nesta solução de CFRP já é mais barato. Há vários estudos que mostram que esta solução, mesmo em termos de custo directo, inicial, já é mais económica do que a solução alternativa em chapas metálicas. Neste campo, é um sucesso comercial, é uma solução que já é utilizada em larga escala. A segunda aplicação, que é aquela em que mais temos trabalhado no Técnico, são os perfis pultrudidos. São uns perfis que têm a forma das secções do aço, que têm sido utilizados para substituir o aço, tanto em construção nova como na reabilitação, em substituição de elementos degradados. Uma terceira solução que em Portugal é ainda pouco utilizada, mas que tem bastante potencial sobretudo para zonas corrosivas, são os varões para substituir varões metálicos dentro do betão armado. Tem a vantagem de não corroer. Aqui tentamos sempre distinguir duas coisas: uma delas é o custo inicial e a outra é o custo de ciclo de vida. É algo que nem todos os decisores têm em conta como deviam.
É mais durável do que o aço?
Sim. Contudo, pensava-se que estes materiais tinham uma durabilidade ilimitada, um pouco à imagem do aço dentro do betão armado – há um estudo interessante do início do século XX que diz que se encontrou finalmente uma forma de evitar a corrosão do aço: basta colocá-lo dentro do betão. Descobrimos agora que isso não é verdade, depois de termos gasto muito dinheiro em obras de betão armado. A última aplicação, em que também temos trabalhado bastante, são os painéis sanduiche, que já são utilizados na aeronáutica. São duas lâminas de FRP e, no meio, há um núcleo de um material isolante, ainda mais leve, como espumas poliméricas, por exemplo.
Em que áreas tem sido aplicada essa solução?
Esta solução tem sido usada em painéis de fachada de edifícios – menos estrutural – e também em tabuleiros de pontes e painéis para cobertura. Estamos a estudar uma solução destas para reabilitação de pisos de edifícios.
Quais são os desafios que a investigação enfrenta, actualmente, no campo da engenharia?
O grande desafio que temos neste momento, transversal a todo o país, é a questão do financiamento. É cada vez mais difícil obtê-lo. Há cerca de 10, 15 anos atrás, uma boa ideia e uma boa equipa teriam, com uma probabilidade de sucesso muito elevada, financiamento, fosse através dos projectos que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) abria todos os anos, fosse através de projectos em colaboração com a indústria, financiados pela Agência da Inovação. O sistema universitário em Portugal cresceu muito, e na área da Engenharia Civil cresceu imenso, para dar resposta a necessitadas sentidas, na altura, pelo “boom” da construção e o financiamento foi diminuindo. Temos cada vez mais pessoas que fazem óptimos trabalhos a concorrer e temos cada vez menos dinheiro. Inevitavelmente, as taxas de sucesso são muitíssimo baixas. Estamos a falar de valores na ordem dos 5% a 10%, o que é muito reduzido. Acresce na zona de Lisboa uma outra dificuldade que é a impossibilidade de concorrermos a projectos da Agência da Inovação em igualdade de circunstâncias com as instituições das outras zonas do país, porque somos uma zona considerada rica. Só temos uma taxa de financiamento a 40% e é impossível para a universidade suportar os restantes 60%. Para além disso se formos ver as linhas temáticas do financiamento comunitário, o RIS3, na zona de Lisboa não há praticamente nada relacionado com a indústria, em geral, e com a indústria da construção, em particular. Por outro lado está-se a privar as indústrias de outras zonas do país da colaboração e “know-how” que existe nas universidades da zona de Lisboa. Antevejo uma terceira dificuldade, que penso que será igualmente grave, que é a diminuição do número de alunos. Isso vai ligar com a investigação porque nós, nos últimos anos, com os projectos que ganhamos, temos de contratar alunos de doutoramento e temos tido alunos excepcionais. Temos alunos óptimos a concorrer às bolsas que abrimos, e a investigação resulta disso – dos bolseiros e dos alunos de doutoramento que fazem os trabalhos e são responsáveis por levar esta área adiante. Com a redução do número e da qualidade dos alunos, a massa crítica vai diminuir.
A diminuição de alunos tem afectado o Técnico?
Antes da crise, estávamos numn regime relativamente estacionário. Entravam à volta de 1.500 alunos no sistema público, em Engenharia Civil. Com a crise, em dois ou três anos, o número de candidatos diminuiu para 250/300, portanto, mais de cinco vezes. Como é que essa redução se reflectiu? Em primeiro lugar, nos politécnicos. Secaram. Temos muito poucos politécnicos com alguma procura. Por sua vez, as universidades foram afectadas em Coimbra, no Minho, bem como a Nova de Lisboa. As escolas que mantiveram ainda um número considerável de candidatos foram o Técnico e a Universidade do Porto. Tivemos de reduzir ligeiramente o número de candidatos. Penso que, para o ano, o Técnico terá pouco menos 150, quando tínhamos 185. Agora, para mim, o que é dramático é a qualidade. Quando entrei aqui, a nota mínima era quase 16. Entravam 185 pessoas com média superior a 15 e, agora, a média é 12. E há ainda outra questão importante que é a vocação. Antigamente, os alunos que entravam tinham Engenharia Civil como primeira opção. Agora temos mais de metade dos alunos que não entraram na primeira opção. Vêm para Engenharia Civil, porque não conseguiram entrar para outros cursos.
Por outro lado, é uma formação que permite aos licenciados trabalharem além da área da engenharia civil…
É daqueles cursos de largo espectro que permite trabalhar não só na engenharia civil – que é, por si, uma área muito larga – mas em áreas como gestão, na banca, em consultoria, em seguros, na indústria. Isso vem, naturalmente, da organização do curso, da capacidade de formação de problemas – “problem setting” – e de resolução dos mesmos que os alunos acabam por adquirir e da capacidade de trabalho associada a bases muito fortes de física e matemática, útil em muitas áreas.
Acha que falta aos estudantes conhecerem essa vertente do curso para concorrerem mais a Engenharia Civil?
Sim. Falta muito. A Engenharia Civil sempre foi uma área apelativa, que não precisou de fazer publicidade e de mostrar as coisas boas que existem e que se fazem. Nós estamos a despertar para essa necessidade e isso tem de ser reforçado, e tem de ser uma aposta, talvez da Ordem dos Engenheiros, que já tem feito esforços nesse sentido. As universidades estão também a despertar para essa necessidade.
Preocupa-o a redução da procura nesta área?
Preocupa-me até certo ponto. Não era sustentável termos 1.500 candidatos para Engenharia Civil todos os anos. Tivemos um volume muito grande de obra que era necessária para desenvolver o país, mas não podíamos continuar a alimentar a economia de uma forma artificial, com mais obras públicas que não eram necessárias. Mesmo na área privada, as necessidades de habitação estão, em grande medida, satisfeitas. Agora é cuidar do que existe. Em termos de racionalidade da economia, não fazia sentido estar a gerar todos os anos 1.500 engenheiros civis para depois irem para o desemprego. A procura dos alunos ajustou-se à necessidade do mercado. Não sei é se essa redução não terá sido demasiado elevada face àquilo que talvez venha a ser necessário daqui a uns anos, em termos de engenharia civil. Há quem diga que, daqui a uns anos, teremos falta de engenheiros civis. Possivelmente teremos, a muito curto prazo, uma quantidade maior de engenheiros civis a reformarem-se do que novos engenheiros civis a entrarem no mercado.
Com os desafios que referiu, a investigação na área da Engenharia Civil permanece dinâmica?
Sim, muito dinâmica. Surpreendentemente, em face das condições económicas do país e da redução do financiamento, temos tido resultados absolutamente extraordinários. Não só o Técnico, mas a Engenharia Civil, em geral, em Portugal. Temos áreas de excelência, em que somos muito bons a nível internacional. Num dos rankings mais importantes a nível internacional – o de Taiwan – classificámo-nos como a oitava melhor escola europeia, 36.ª no mundo. Se dividíssemos o financiamento per capita desse ranking, não tenho dúvidas que estaríamos muito próximos dos três primeiros lugares. De facto, com Minho, Porto e Coimbra, temos investigação de excelência por todo o país.
Existe uma rede nacional de colaboração entre as universidades para a investigação?
As colaborações são feitas, sobretudo, a nível individual. São investigadores em diferentes escolas, com interesses comuns. Houve uma iniciativa de sucesso que promovemos no Técnico, em colaboração com outras escolas, que foram os programas doutorais. Conseguimos financiamento através da FCT para um programa doutoral em construção eco-eficiente, que junta Técnico, Minho, Coimbra, Porto, Universidade Nova de Lisboa e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil que conseguiu 36 bolsas de doutoramento em quatro anos. É um bom exemplo de como se pode fazer colaboração entre diferentes universidades.
Como se poderá cativar mais alunos para esta área?
Há dois aspectos diferentes. Um deles é a necessidade que o país tem da profissão de engenheiros civis e aí penso que não vamos precisar da quantidade de engenheiros civis que precisávamos antigamente. O segundo ponto é a qualidade do curso. Sendo um curso que permite formar não só pessoas para trabalhar em engenharia civil, mas também pessoas para trabalharem noutras áreas, devemos ter a preocupação de torná-lo tão cativante quanto possível e melhorar a sua qualidade. Aqui sou um pouco conservador porque acho que já oferecemos um produto com muita qualidade. Temos de ter alguma reserva em introduzir mudanças drásticas no curso mas isso não quer dizer que não haja melhorias que possam ser feitas. Há claramente campo para melhorar, quer em termos de conteúdos, quer em termos de forma. Em relação aos conteúdos, acho que há áreas que têm de ser reforçadas. São necessidades actuais, como a questão da reabilitação. Houve uma melhoria, mas ainda deve ser reforçada a formação nessa área, como na área da sustentabilidade e da energia, e ainda a componente de gestão e de empreendedorismo. Depois há outros aspectos mais formais, como a ligação à indústria, ou a formação prática dos alunos durante o curso. É incipiente na generalidade dos cursos. Quando fiz Erasmus, era uma prática, em Paris, os alunos fazerem todos os verões, sem excepção, um estágio. Era obrigatório, fazia parte do currículo. Aliás, a redução de alunos, aqui, também facilita a introdução dessa componente na formação. É uma forma de promover a aproximação das universidades às empresas. Há escolas que têm feito isso, com bons resultados, o que mostra que, se as escolas derem o primeiro passo e convidarem as empresas para receberem os nossos alunos, a resposta será positiva. Outro aspecto que também acho que deve ser melhorado é o reforço da formação científica dos alunos. Para, durante o curso, permitir a integração de alunos nas equipas que fazem investigação nas universidades. Há alunos que têm, de certeza, todo o interesse em passar aqui um mês integrados numa equipa de investigadores e de alunos de doutoramento, a colaborar nas actividades em curso. Há ainda outro aspecto muito importante: flexibilizar o curso. Se olhar para os currículos da generalidade dos cursos de Engenharia Civil, verá que são muito rígidos. Os alunos têm muito poucas opções livres durante o curso. São encaminhados para um currículo com um conjunto de cadeiras até ao fim do terceiro ano. Escolhem um perfil, com opções muito limitadas, e só no quinto ano conseguem ter ali duas escolhas de cadeiras que podem fazer. Por exemplo, a Universidade de Eindhoven, nos Países Baixos, foi confrontada com uma redução drástica da procura nas engenharias em geral e teve de fazer um esforço enorme para repensar a oferta aos alunos e uma das conclusões a que chegou foi precisamente de que os cursos eram demasiado rígidos. Os alunos que tivessem interesse por fazer cadeiras de outras áreas diferentes não tinham essa possibilidade. Neste momento, no currículo da generalidade dos cursos de engenharia da Universidade de Eindhoven, apenas um terço é obrigatório. Os alunos têm a possibilidade de escolher dois terços das cadeiras – naturalmente com balizas, com alguma orientação.