Volta ao mundo em geotecnia
Em entrevista ao Construir, Alexandre Pinto, Rui Tomásio e António Cristóvão falam da filosofia da JET SJ e da situação actual do mercado português da construção
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Alexandre Pinto, António Cristóvão e Rui Tomásio são as caras da JET SJ. Esta empresa, especializada na área da geotecnia, iniciou já o seu processo de internacionalização e, neste momento, tem trabalho realizado num destino pouco usual para o tecido empresarial português: a Nova Zelândia. Para os responsáveis da JET SJ, o esforço de internacionalização tem de ser precedido pela análise de perfil de risco dos mercados-alvo
Em entrevista ao Construir, Alexandre Pinto, Rui Tomásio e António Cristóvão falam da filosofia da JET SJ e da situação actual do mercado português da construção.
Como surge a empresa?
AP – A JETsj Geotecnia surgiu em 2004. Inicialmente, começamos por partilhar instalações com a JSJ Estruturas. Nessa época e tendo por base as oportunidade que existiam no mercado nacional, houve a possibilidade de criar uma empresa mais dedicada aos projectos de geotecnia e, também por iniciativa dos nossos colegas da JSJ Estruturas, decidimos então criar a JETsj Geotecnia. No entretanto, a JETsj Geotecnia foi-se desenvolvendo e, neste momento, apesar de mantermos a relação de parceria com a JSJ Estruturas, ambas as empresas funcionam em regime de total autonomia e em instalações independentes.
A área da geotecnia é muito requisitada em Portugal?
AC – A geotecnia é e será sempre requisitada, quer em Portugal, quer no estrangeiro. Independentemente do tipo de obras (edificações, pontes, obras rodoviárias ou portuárias…) todas têm um factor em comum: a geotecnia. Esta disciplina acaba por ser transversal a todas as outras áreas da engenharia. A nível pessoal considero que este aspecto constitui um dos grandes aliciantes desta área, dados os novos e constantes desafios que nos são colocados em cada projecto que desenvolvemos.
Quais são os maiores desafios que enfrentam no mercado?
RT – Sentimos as mesmas dificuldades que as outras empresas da área de engenharia que são a escassez de obras, pelo menos no mercado interno, e a escassez de projectos em quantidade suficiente, pelo meno, para a capacidade instalada que existe actualmente nas empresas na nossa área. O que tentamos fazer, sempre que possível, é diferenciarmo-nos. Tentar que os projectos sejam o mais diferenciados possível, que as soluções sejam de algum modo inovadoras e ajustadas às necessidades do cliente e aos condicionamentos de cada projecto. No fundo, tentar que as soluções sejam concebidas à medida de cada situação e fazer com que seja essa a nossa mais-valia face à concorrência, que é obviamente forte.
Como se pode caracterizar o mercado nacional no ramo da engenharia?
AP – O mercado foi obrigado a redimensionar-se. Até 2007/2008, tivemos a oportunidade de participar em grandes projecto e em grandes obras, com a Expo 98, o Euro 2004, as concessões, entre outras, e atravessámos um período de crescimento e, sobretudo, de evolução técnica. Depois, de um momento para o outro, houve uma travagem brusca e o mercado foi obrigado a um redimensionamento não planeado, com sequelas que ainda todos sentimos. De facto estávamos dimensionados para um pico de trabalho, que não seria sustentável a médio a longo prazo. Neste momento, estamos perante um novo paradigma, com um mercado nacional mais pequeno, com trabalhos de menor dimensão e a exigir maior flexibilidade por parte das empresas, pois as perspectivas de evolução do mercado continuam muito incertas. Para compensar e sempre que possível, as empresas, com capacidade para tal, tentam oportunidades em outros mercados.
Sentiram que por meados de 2007, puxaram o tapete às empresas do sector da construção em Portugal?
AP – Estivemos a projectar e a construir várias infra-estruturas públicas em simultâneo. Deveríamos prever que não seria sustentável. Aliás, se olharmos para outros países que, em termos do estado da evolução das infra-estruturas são superiores a Portugal, verificamos que isso também aconteceu, embora e em geral, a menor escala. Poderíamos ter diluído alguns investimentos em períodos temporais mais alargados e, sobretudo, ter tido mais critério na escolha dos referidos investimentos. Isso faria com que o sector não se tivesse dimensionado para um pico de trabalho e, mais do que isso, saberia com o que contar a médio e longo prazo. As empresas teriam oportunidade para planear e para manter uma actividade mais regular e previsível a médio prazo. Agora, não foi nada disso que aconteceu. Foi exactamente o contrário.
AC – Considero que existe um outro aspecto que acabou por condicionar fortemente a estabilidade das empresas portuguesas. Toda a alteração que observámos no mercado interno ocorreu num curto espaço de tempo e de uma forma totalmente inesperada, não permitindo que as empresas planeassem com a devida antecedência e de forma sustentada a sua posição num mercado totalmente diferente do que existia anteriormente. Estes aspectos dificultaram o processo de adaptação das empresas nacionais, colocando fortes obstáculos à sua projecção imediata nos mercados internacionais. De uma forma geral, as empresas portuguesas não estavam preparadas: a angariação de trabalhos em novos mercados ocorre numa fase em que as empresas demonstravam já indícios de alguma fragilidade financeira derivado da crise vivida no país nos anos anteriores. Para além disso, todo o processo de internacionalização não é fácil: para além do esforço financeiro, há que conquistar a confiança de novos clientes e contar igualmente com a concorrência de outras empresas que se encontram já fortemente instaladas nesses mercados.
Todo este conjunto aspectos faz com que o retorno do investimento que se faça fora de portas não seja garantido e/ou não ocorra no imediato.
Actualmente é visível algum sinal de retoma da actividade?
AP – Aparentemente vislumbram-se alguns sintomas de retoma, mas, no geral, através de trabalhos de dimensão reduzida, e isso também é fruto da redução do número de empresas. O volume de trabalho é globalmente muito menor do que o anterior a 2008, mas como o mercado se redimensionou e existem menos empresas, essas vão tentando aproveitar as ainda poucas oportunidades. Pode ser um bom presságio, embora as empresas continuem muito defensivas porque, depois do que passaram nos últimos oito anos, necessitam de maior conforto nos investimentos para eventual reforço das suas equipas. Na área de geotecnia, vão surgindo alguns trabalhos lançados por entidades públicas, quase sempre de reabilitação e reforço, nomeadamente na parte de estabilidade de taludes, junto a vias férreas, estradas e arribas. São trabalhos que têm de ser feitos pois a natureza nem sempre está alinhada com os planos de austeridade. Mas é sobretudo do lado privado, muito associado ao investimento estrangeiro, que sentimos que poderão existir alguns sintomas de retoma. Mas continuamos a sentir uma ausência de planeamento por parte de quem tem poder de decisão. Por exemplo, investimentos que estavam previstos mas que já sabemos que, a serem feitos, não serão nas datas que inicialmente estavam programadas.
Nem contam com isso…
AP – Infelizmente, em Portugal, contamos pouco com apoios. Contamos sobretudo connosco próprios e com os nossos clientes. Depois vamos para o mercado externo, e as empresas concorrentes têm apoios e enquadramentos muito superiores aos nossos, o que torna a concorrência algo desleal. Temos que sobreviver com os nossos meios e com os nosso clientes e não contar com muito mais. Se surgir ajuda, será, naturalmente, bem vinda e tiraremos o máximo partido da mesma
Vêem com bons olhos a iniciativa de incentivar o mercado da reabilitação urbana?
AP – Claro que sim, mas desde que efectuado com preocupações de natureza técnica, em particular segurança estrutural e geotécnica, o que ainda sucede pouco.
Mas o Estado ainda lança alguns programas, como o Reabilitar para Arrendar…
AP – Sim, mas esse tipo de reabilitação tem uma grande percentagem não estrutural e não geotécnica. Muitas vezes fica-se pela parte arquitectónica. Se quisermos fazer uma reabilitação que melhor de forma evidente a segurança estrutural, teríamos, por exemplo, que analisar o caso da Baixa Pombalina e verificar o comportamento sísmico, estrutural e geotécnico, daqueles edifícios.
É curiosa a referência à Baixa Pombalina cujas obras de reabilitação foram já criticadas por engenheiros pelo facto de retirarem resistência sísmica aos edifícios intervencionados..
AP – Exactamente. Depois, o sismo é uma acção muito complicada, porque, em Portugal, tem um período de retorno muito longo e há uma tendência para esquecer isso, sobretudo quando há pouca capacidade de investimento. Nós somos muito reactivos e pouco pró-activos e essa abordagem, depois dos fenómenos ocorrerem, tem um preço bastante mais elevado do que a pró-actividade.
AC – Gostaria de partilhar casos de outros mercados em que a JETsj tem trabalhado e nos quais se aposta igualmente na reabilitação urbana e no reforço de edifícios existentes. Constatamos que, a par da reabilitação estrutural, procede-se igualmente ao reforço das fundações. Trata-se de uma janela de oportunidade que não deveríamos desperdiçar. Devemos trabalhar no sentido de conjugarmos a reabilitação estrutural com o adequado reforço ao nível das fundações.
E talvez também para consciencializar a sociedade para a vulnerabilidade sísmica?
AC – O facto de não experienciarmos eventos sísmicos regulares faz com que este aspecto tenda a cair no esquecimento da nossa sociedade. Considero que a maioria das pessoas apenas fica sensível após terem tido contacto directo com uma má experiência.
RT – Há alguns instrumentos municipais dedicados à zona específica da Baixa Pombalina, no sentido de garantir que as intervenções que são feitas actualmente não são como as de há 20 anos atrás. Contudo, apenas se pretende garantir que a resistência original dos edifícios não se deteriore com as intervenções, quando deveríamos estar a aproveitar estas intervenções para melhorar significativamente o desempenho sísmicos dos edifícios.
No actual panorama da reabilitação urbana, as obras envolvem geotecnia, ou são, na sua maioria, obras que apenas deixam a fachada?
AC – A reabilitação urbana requer necessariamente a criação de espaços para estacionamento automóvel e isso é determinante para nossa actividade profissional neste sector. Tratando-se de pisos enterrados, em zonas urbanas e com condicionamentos de vizinhança importantes, qualquer escavação na vertical exige a construção de estruturas de contenção que limitem ao máximo as deformações do terreno, salvaguardando a integridade das estruturas adjacentes. Nestes investimentos, o preço por metro quadrado é muito elevado e por esta razão todo o espaço disponível tem de ser muito bem aproveitado. A utilização do espaço subterrâneo é, por isso, fundamental. Em zonas como a Avenida da Liberdade ou o Chiado, um apartamento que não possua lugar de estacionamento muito dificilmente será atractivo para um eventual comprador.
AP – A ideia que temos é que alguns promotores, por vezes, por não terem uma adequada assessoria geotécnica, não conseguem estimar bem as vantagens desse tipo de investimento. Por exemplo, a construção do estacionamento na vertical ao próprio edifício, em caves, valoriza imenso a propriedade e traz um aumento significativo da qualidade de vida dos utilizadores. Se for bem aferido na fase do investimento, o custo desses trabalhos, mesmo em edifícios existentes ou em edifícios demolidos e reconstruidos com preservação das fachadas, acaba por corresponder a uma muito boa relação custo / benefício.
Segundo a vossa experiência, há a consciência geral de que a parte do reforço sísmico dos edifícios não tem um peso significativo no custo global de um projecto?
AP – Uma vez mais, estaremos a falar da relação custo-benefício e, de facto, o sismo chega ao edifício através do terreno, portanto, a geotecnia é fundamental para garantir um comportamento sísmico o mais eficaz possível do edifício. Hoje, existem técnicas relativamente pouco intrusivas, como por exemplo micro-estacas, que acabam por ser uma mais-valia para o comportamento global do edifício. A geotecnia é, contudo, um produto difícil do ponto de vista da venda, pois, em geral, tudo o que projectamos e construímos fica enterrado e, no geral, só se dá valor ao trabalho realizado quando surge um problema. Ora, nós trabalhamos precisamente para que não surjam problemas de origem geotécnica, os mais complexos e custosos de resolver em qualquer construção. Em contraponto, o produto arquitectónico é mais fácil de vender. Quem é que pergunta, quando vai comprar uma casa, “como são as fundações?”
AC – Por se encontrar oculta, a maioria das pessoas desconhece que a obra geotécnica é, na grande maioria das vezes, bastante mais complexa e exigente do que a obra que se observa a partir do exterior. Considero que a reabilitação é uma janela de oportunidade para se adaptar o património edificado às novas exigências funcionais dos espaços. É também uma oportunidade para se planear o futuro procedendo-se ao reforço sísmico das fundações. Se tal não for feito agora, muito dificilmente será feito nas próximas décadas. Acontece que este tipo de intervenções requer investimentos nem sempre fáceis de conciliar com o actual o enquadramento económico do país. Os orçamentos são bastante limitados e o retorno tem de ocorrer quase no imediato. Obviamente que têm de ser feitas escolhas e, infelizmente, essas escolhas nem sempre recaem sob as valências técnicas, mas sim nos aspectos que mais contribuem para a venda dos edifícios.
AP – Segundo um ditado tradicional: tira-se de onde faz falta, para colocar onde faz vista.
Têm encomendas no campo da obra pública?
RT – Temos algumas. Já não ocorrem muitas obras em simultâneo, mas vão havendo algumas obras públicas, principalmente na área do risco. Por exemplo, intervenções de estabilização de taludes que permitam garantir que uma via ferroviária ou rodoviária tenha um comportamento adequado e garanta a segurança dos seus utilizadores. Existe também um foco importante na vertente do risco das arribas das praias, pelo que esta é uma área que vai sempre tendo algum investimento. Muitas vezes, esses investimentos não são tão abrangentes quanto as entidades públicas gostariam, mas, pelo menos, o risco associado à segurança das pessoas tem vindo a registar algum investimento. Felizmente, nos últimos anos, temos conseguido ganhar e desenvolver alguns trabalhos nessa área.
Por outro lado, o país está relativamente infra-estruturado, e, assim, também há que manter as infra-estruturas…
AP – Os técnicos do sector público estão, em geral, muito sensibilizados, mas igualmente muito condicionados pelas verbas que há para investir nessa área, cuja alocação, em geral, depende de gestores, por vezes, com menor sensibilidade técnica. Vamos, contudo e ainda assim, assistindo a alguns concursos públicos nas áreas da prevenção e da remediação de potenciais situações de risco que podem conduzir a acidentes, como taludes e arribas.
AC – Notamos que alguns investimentos são feitos quando a obra atinge um estado limite que é impossível contornar. Seria preferível apostar-se num melhor acompanhamento das estruturas existentes, privilegiando-se intervenções mais antecipadas. Deste modo, o investimento que se faria para reabilitar, conservar e reforçar seria certamente mais reduzido por comparação com o que é requerido numa obra que atinge uma situação limite.
No âmbito dos concursos públicos, deparam-se frequentemente com preços anormalmente baixos e com o preço baixo como critério de escolha?
AC – A respeito deste tema gostaria de salientar um aspecto que se prende com a sustentabilidade económica do trabalho que é feito pelas empresas de engenharia e projecto. Notamos que o grau de exigência dos projectos têm vindo a aumentar, o que obriga necessariamente a um maior esforço e consumo de tempo por parte dos engenheiros projectistas no desenvolvimento do seu trabalho. Valorizamos e defendemos um grau de exigência elevado na elaboração dos projectos, contudo, não observamos um impacto directo nas verbas disponibilizadas para o desenvolvimento dessa mesma actividade.
Por outro lado, haver mais trabalho não poderá ser encarado com uma perspectiva positiva se o mesmo não reflectir um equilíbrio com o valor dos honorários praticados. O que estamos a assistir, fruto da presente conjuntura económica – ou não, porque essa situação já existia inclusive num período anterior à crise – é que os preços praticados, especialmente na vertente de projecto, estão muito aquém do esforço feito pelas empresas, com o tempo consumido, com o grau de exigência que é pedido.
Isso acaba por reflectir-se na qualidade do trabalho?
AC – Na qualidade do trabalho, no ambiente que se vive nas empresas, na qualidade de vida das pessoas, no bem-estar das famílias…e sobretudo na maior ou menor motivação e disponibilidade dos colaboradores para responderem às dificuldades imediatas do mercado, interno e externo.
Destaco ainda os prazos de pagamento. Neste campo, continuamos muito aquém daquilo que são os padrões europeus. Quando partilhamos com colegas nossos, que desenvolvem a sua actividade profissional em outros países, nomeadamente no Norte da Europa, quais os prazos de pagamento que praticamos em Portugal, ficam incrédulos. Têm dificuldade em entender como é que as empresas se conseguem manter com prazos de pagamento tão dilatados. Tenho pena que não exista legislação própria que estabeleça as condições de pagamento na nossa área…
AP – Nem era preciso ir ao Norte da Europa. Temos o Brasil, um país da América Latina, em que os prazos de pagamento são entre duas e quatro semanas e quem não pagar terá dificuldades em manter a actividade. Mas isto não é um problema só da engenharia. É um problema transversal da cultura económica portuguesa.
RT – Na questão dos prazos de pagamento, penso que a tradição da economia portuguesa é que o prolongar dos prazos de pagamento acaba por ser, indirectamente, uma forma de financiamento das empresas. Ao esticar o pagamento, estão a ganhar liquidez momentânea. Na nossa área, em que os nossos fornecedores são, por assim dizer, os nossos colaboradores, se tivermos que absorver esse prazo de pagamento mais dilatado por parte do mais cliente, não o conseguimos transmitir ao nosso colaborador. Todos esperamos receber os nossos salários a horas.
AP – Existiram bastantes empresas no nosso ramo que tiveram de cessar a actividade e não foi por falta de capacidade técnica. Foi por problemas deste género. Tiveram os clientes errados, à hora errada. Perderam-se boas empresas, com capacidade técnica, exactamente por problemas que não se relacionam com a referida parte técnica.
Por outro lado, o desaparecimento de empresas acaba por se traduzir em menor concorrência para as que se mantêm no mercado…
AC – Essa questão deverá estar igualmente associada ao mérito de algumas empresas, porque o próprio mercado vai fazendo a própria triagem. Isto acontece em todo o lado. Na verdade, uma empresa que não seja competitiva e sustentável acaba por desaparecer. Enquanto colegas de profissão, vemos com tristeza as empresas de engenharia que se vêm obrigadas a abandonar o mercado por motivos que não estão relacionados nem com a falta de trabalho, nem com falta de competência ou de competitividade, mas sim por questões derivadas de atrasos ou faltas de pagamento. Trata-se de situações injustas que poderão acontecer a qualquer empresa.
Como se tem desenvolvido o vosso trabalho no mercado internacional?
RT – Temos trabalhado em vários mercados, se calhar aqueles mais evidentes e também onde estão muitas das empresas portuguesas, como os dos PALOP – Angola e Moçambique –, pela facilidade da língua e pelo facto de muitos dos nossos clientes portugueses também estarem nesses mercados. Nos últimos anos temos feito vários trabalhos nesses mercados. Actualmente, em Angola o panorama é mais complicado. Tivemos também algumas experiências no Brasil, com menos continuidade, e no mercado da Nova Zelândia, onde temos também realizado algum trabalho.
AC – O que acaba por acontecer com as pequenas e médias empresas (PME) é irem “à boleia” das empresas que possuem maior dimensão e capacidade para se internacionalizarem. No caso particular da JETsj e derivado da nossa proximidade com os empreiteiros, acabámos, de certa forma, por ser arrastados para os mercados onde estes operavam. Exemplos disso são os trabalhos que desenvolvemos em países como o Togo, a Argélia a Guiné, a Gâmbia, entre outros. São casos isolados. Relativamente ao mercado dos PALOP, embora tenhamos a facilidade da língua, a verdade é que continuamos a sentir outro tipo de dificuldades. O processo de internacionalização apresenta inúmeros desafios, exige disponibilidade de investimento, bons contactos, credibilidade e aceitação por parte de empresas e donos de obra que não conhecem o nosso trabalho. Esta confiança é imprescindível e demora tempo a construir. Temos de trabalhar no sentido de conquistarmos o nosso espaço e a confiança necessária para que nos possam adjudicar trabalho. No caso da Nova Zelândia, mercado onde temos vindo a operar desde 2013, o nosso trabalho tem por base uma parceria que estabelecemos com uma empresa local. A nossa primeira intervenção surge na sequência da reconstrução da cidade de Christchurch, que foi afectada por dois fortes eventos sísmicos nos anos de 2010 e 2011, tendo o parque imobiliário e toda a parte de infra-estruturas sofrido danos muito significativos. Vimos uma janela de oportunidade e essa oportunidade surgiu através de contactos com um parceiro local. Abriram-se as condições para desenvolvermos o nosso trabalho e temos vindo a colaborar de forma sistemática desde então.
Também no âmbito da reconstrução de Christchurch?
AC – Sobretudo no âmbito da reconstrução de Christchurch, mas não só. Temos desenvolvido trabalhos de prospecção comercial no país tendo como perspectiva uma maior intervenção em Auckland [a maior cidade neozelandesa]. Este é um mercado em franco desenvolvimento, sobretudo, devido ao forte investimento chinês. Em complemento, apostamos igualmente numa maior proximidade com o mercado de Wellington [capital do país], que sofreu um sismo de menor intensidade e que despertou para a necessidade do reforço sísmico, nomeadamente, ao nível das fundações. Nesta cidade com construções antigas, o Estado Neozelandês está efectivamente empenhado no reforço estrutural e das fundações dos edifícios. Houve um alarme que despertou a atenção de a toda a sociedade e das entidades governamentais.
É um mercado com potencial?
AC – Sim, sem dúvida. É um mercado muito distante – a distância é a principal dificuldade – mas também tem um benefício: podemos trabalhar 24 sobre 24 horas. Muitas vezes estamos a dar resposta a questões que nos são colocadas ao final do dia na Nova Zelândia, ou seja, início da manhã em Portugal. Desenvolvemos o trabalho durante o dia para enviarmos resposta até ao final da tarde. No dia seguinte os nossos parceiros têm a sua resposta, que na prática foi desenvolvida durante o seu período nocturno. Existem obviamente outras vantagens: bom equilíbrio entre o trabalho desenvolvido e o do valor dos honorários (mesmo apesar da desvalorização que o dólar neozelandês sofreu recentemente); condições de pagamento atractivas. Usualmente as facturas são liquidadas a 30 dias, sem problemas. Existe igualmente a facilidade em transitarmos o dinheiro para Portugal. Este último aspecto é algo que infelizmente não observamos frequentemente em outros mercados, incluindo os PALOP. Se existe uma comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, com protocolos de colaboração, é pena que não existam condições mais atractivas e flexíveis neste campo.
O mercado neozelandês é transparente?
AC – É um mercado transparente, mas também é um mercado difícil. O exemplo que normalmente dou, é este: se aparecesse uma empresa estrangeira a querer fazer trabalho em Portugal, também encontraria resistência, sobretudo por parte das empresas locais, que vêem que há uma nova empresa a fazer-lhes concorrência. Existem igualmente dificuldades relacionadas com a legislação e normativas específicas de cada país…torna-se crucial o estabelecimento de relações empresariais com um parceiro local, que esteja implementado há vários anos naquele mercado, que seja reconhecido e possua uma boa base de contactos. É sempre mais fácil sermos apresentados através de uma empresa neozelandesa, ou de uma empresa que já opere há vários anos no novo mercado, do que avançarmos sozinhos no desconhecido.
Sentiram, em Angola, os efeitos negativos da queda do preço do petróleo?
AP – Isso é uma lição que acho que as empresas portuguesas têm que tirar. Por via da abrupta redução de trabalho no mercado nacional, a internacionalização que fizemos foi uma internacionalização de emergência. Fomos para os países que eram mais acolhedores e, aparentemente, onde a probabilidade de sucesso era maior. De facto, isso aconteceu em Angola durante alguns anos em que houve bastante trabalho. Mas esquecemo-nos que a maior parte desses países tinha um denominador comum: as matérias primas, em particular o petróleo. Quando as cotações do petróleo desceram, quase todos os países para onde as empresas portuguesas se internacionalizaram entraram em crise. Este caso da Nova Zelândia é um exemplo de que, se tivermos essa capacidade, devemos diversificar os países para onde tentamos a internacionalização. A Nova Zelândia é apenas um exemplo. Se conseguimos competir com as empresas desses países no mercado externo – e não é só pelo factor língua que temos sucesso, mas sobretudo pela capacidade técnica – conseguiremos diversificar o risco da internacionalização.
Que outros mercados se mostraram interessantes para a JET SJ?
AP – Fizemos recentemente um trabalho em Macau, através de uma empresa portuguesa. Foi um trabalho bastante interessante e é um mercado que tem um potencial muito grande na área da geotecnia. Recentemente tivemos igualmente uma oportunidade do Chile, um país um pouco diferente dos outros da América Latina, com um nível educacional e técnico um pouco acima da média. Mas não podemos ir directamente para esses mercados. Temos de ter um cliente ou um parceiro nesses países. Neste momento, temos 15 colaboradores na JETsj e empresas associadas (JETao em Angola e JETmoz em Moçambique), portanto não podemos ter a ambição de ir para Nova Iorque ou Londres abrir escritórios. Temos é que estudar muito bem os mercados e ajudar os nossos clientes a ter sucesso nestes mercados, pois se eles tiverem sucesso, nós também teremos.
Sentem que o conhecimento técnico que caracteriza normalmente a engenharia portuguesa é apreciado no mercado externo?
AC – Absolutamente. Estamos a par, ou até mesmo a um nível ligeiramente superior da média. A nossa abordagem à internacionalização, mais do que uma aposta num mercado em particular, tem sido uma procura por oportunidades pontuais. Mas estas oportunidades vão surgindo porque as empresas e os nossos clientes acabam por reconhecer a qualidade do trabalho que desenvolvemos. O que temos sentido ao trabalhar nos mercados externos é que, efectivamente, a nossa engenharia é valorizada e reconhecida.
AP – Basta constatar o que sucede actualmente com os nossos jovens engenheiros civis, que acabam os mestrados integrados. Os mais qualificados já começam a conseguir escolher os países para onde irão trabalhar. E naturalmente vão escolher os países mais apelativos, que lhes podem proporcionar melhor qualidade de vida e uma melhor perspectiva de carreira.
Qualquer dia não existem é engenheiros em Portugal…
AP – Infelizmente, essa tendência é preocupante. A chamada “escola de engenharia” está a gradualmente desaparecer. Na realidade se tivermos de resolver um problema em projecto ou em obra, não é apenas a ler livros que lá chegamos. Temos de viver o problema na prática para o podermos resolver, sentindo as respectivas dificuldades do dia-a-dia. Isto é uma área que obriga a ter experiência e vivência profissional. Não é uma área abstracta, mas sim de aplicação prática. Com o redimensionamento do mercado, muitos profissionais portugueses, desde os recém-formados aos já com bastante experiência profissional, foram trabalhar para outros países. E a tendência que verificamos agora é que a maioria desses profissionais vão para países que eles próprios começam a conseguir seleccionar e onde, em consequência, a probabilidade de um dia regressarem a Portugal é cada vez menor.