Fernando Santo: CCP em “má hora nasceu”
É o tema “mais caro” para Fernando Santo, este Código dos Contratos Públicos (CCP) que, para o antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE), “em má hora nasceu”
Pedro Cristino
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É o tema “mais caro” para Fernando Santo, este Código dos Contratos Públicos (CCP) que, para o antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE), “em má hora nasceu”. “Nós não podemos deixar passar em claro esta situação”, alertou o engenheiro, referindo que a OE não deveria “remeter-se apenas à análise da proposta de anteprojecto do Governo”. Na sessão de debate dedicada ao anteprojecto de revisão do CCP, que se encontra em consulta pública até ao dia 23 de Setembro, Fernando Santo direccionou a sua intervenção para o conteúdo dos anteriores Regimes de Obras Públicas, “nomeadamente, do último”, que o CCP eliminou, “e mal”, na sua opinião, “criando problemas para todos”.
A génese da regulamentação
Perante “todo o trabalho de análise” que o anteprojecto tem suscitado, o ex-bastonário propôs-se a “ir à génese” deste código “que foi imposto a todos”. Neste sentido, Fernando Santo lembrou que, durante o seu mandato de bastonário da OE, integrou também a Comissão de Acompanhamento do CCP. “Não conseguimos alterar praticamente nada, porque o modelo estava definido”, revelou. A primeira discussão, segundo Santo, referiu-se aos profissionais sob os quais este código é aplicado. “Eu percebo que se aplique à Ordem dos Advogados, porque os advogados recebem dinheiro do Estado, a Ordem dos Solicitadores também – e muitos milhões!Até das taxas de justiça”, explicou, lembrando que a Ordem dos Engenheiros não recebe dinheiro do Estado. “Sempre foi um contribuinte líquido, porque contribuiu muito para o interesse público, sem cobrar um cêntimo ao Estado” e, nesse sentido, “quem tem de definir se o dinheiro dos engenheiros, que pagam as quotas, deve ser controlado pelo Estado ou não, desta forma, têm que ser os engenheiros”. A segunda questão relevada pelo ex-secretário de Estado diz respeito à harmonização “algo que não tem, na sua génese, possibilidade de ser harmonizado”, ou seja, “empreitadas de obras públicas, concessão de obras públicas, serviços públicos, locação de bens imóveis e prestação de serviços”. Neste contexto, Fernando Santo destacou o Regime Jurídico de Empreitadas de Obras Públicas, de 1969, onde esta matéria era tratada “como uma matéria muito específica, que tinha de ter um código próprio”, não se confundindo “com serviços de outra natureza”. “Há aqui conceitos semânticos que não se conseguem entender, e conceitos que deturpam o [regime] anterior, como o concurso limitado passar a chamar-se ajuste directo”, criticou Santo, para quem estes elementos originaram “muitas interpretações”. Relativamente às “sucessivas alterações” que afectaram este regulamento, o ex-bastonário destacou as recomendações do Tribunal de Contas (TC), na auditoria realizada em 2009. Para Fernando Santo, essas recomendações constituem “uma referência para aquilo que são as boas práticas (…) que deveriam ser tidas em conta nas alterações do Código e que, até hoje, não foram”. Assim, considera que, foi criada uma situação oposta àquela que o CCP propunha, “algo de grave porque é a antítese do Código”. “Estamos a falar de um mercado protegido que foi criado” e, “quando chegamos a este ponto, julgo que estamos a falar de outra coisa e não de um regime de obras públicas”, explicou. De acordo com o antigo líder da OE, se o CCP fosse bom, “não teria oito alterações em oito anos, porque, anteriormente, tivemos outros regimes que não tiveram tantas alterações, e passaram 40 anos”. “Na génese da construção está, para todos engenheiros, um projecto”, projecto esse que “tem de estar definido, de maneira a poder quantificar o custo do material, mão-de-obra e encargos gerais. Depois, o dono de obra coloca a concurso esse projecto a empresas do sector e, por isso, o Regime de Obras Públicas tomou isto como a sua essência”. Referindo-se ao processo de actualizações deste diploma datado de 1969 que culminou com o 59/99, Fernando Santo salientou que “o sistema estava relativamente estabilizado”, algo que, segundo o engenheiro, se alterou “de então para cá”.
Erros e omissões
No que concerne a reclamações de erros e omissões, “o 59/99 era muito claro”, referindo que estas reclamações diziam respeito “à natureza ou volume dos trabalhos” e consistiam em “erros de cálculo, erros materiais, e outros erros, mas sobre folhas de medição – o que estava mal medido era um erro de medição; o que estava no projecto e não estava medido era uma omissão – e, nisso, estávamos todos muito bem clarificados ao longo destes anos”. Segundo o CCP, “são erros e omissões do cadernos de encargos”. “Ora, os empreiteiros ao reclamarem, na entrega de propostas, os seus erros e omissões, também tinham que reclamar os erros de concepção de projecto, porque eram erros e omissões do caderno de encargos e o projecto está metido no caderno de encargos”, explicou o ex-bastonário, declarando que se criou, com o CCP, “toda uma confusão que, com certeza, vai dar origem a bons litígios e só não deu mais porque não temos tido obras públicas”. Porém, em 2012, surge uma nova alínea que refere, “pela primeira vez”, erros e omissões do projecto de execução, “para separar da interpretação anterior, que era tudo”. Por outro lado, o CCP também estabelece que “se o dono de obra, perante erros de concepção de projecto, não imputar a responsabilidade aos projectistas” é alvo de um processo. Perante esta situação, o engenheiro colocou uma questão – “temos seguros”? – a que prontamente respondeu negativamente. “O máximo que fazem são 500 mil euros, portanto, perante a dimensão de uma obra pública, percebemos o que é que está aqui em causa”.
Trabalhos a mais
Para Fernando Santo, no que se refere a trabalhos a mais, “não há uma grande diferença entre o Regime de Obras Públicas anterior e o Código”. O que surge de novo neste campo, que o ex-bastonário qualifica de “grave”, é que, “em ambos os códigos, se refere que os trabalhos a mais não podem resultar de uma circunstância imprevista”. Face a isto, o engenheiro relembrou que, até 2009, quando surgiam erros de concepção de projecto, era feito trabalho a mais para corrigir. Neste campo, “interessa a posição do Tribunal de Contas que estabelece que um erro de projecto não é uma circunstância imprevista”. A posição do TC refere que “as entidades públicas coloquem a concurso obras com projectos rigorosos e que devem também providenciar pela revisão dos projectos”. “Felizmente, a revisão do Código contempla esta figura, embora não haja nada que diga como se faz a revisão dos projectos”, salientou.
Terminologia
“No regime anterior tínhamos o projecto, depois, um caderno de encargos que tinha cláusulas gerais e cláusulas técnicas especiais, e um outro caderno de encargos com as cláusulas jurídicas, que definiam as condições de pagamento, as multas, ou seja, regulavam o negócio das partes”, afirmou Fernando Santo. Com o CCP, no concurso, “o que conta é o programa de procedimentos e o caderno de encargos”. “Com isto, alterámos o sentido e, por isso mesmo, do 59/99 para cá, o projecto passou a ser uma cláusula no caderno de encargos que, por sua vez, é uma solução de obra”, explicou o engenheiro, perguntando se “há necessidade de se pôr em causa tudo isto apenas por razões de terminologia”. Para o ex-bastonário da OE, “não houve respeito pelo conhecimento, pelo ensino, pela formação, por anos e anos de cultura que permitiram fazer as grandes obras públicas portuguesas”. “Portugal pode orgulhar-se das suas obras públicas, pode orgulhar-se dos seus engenheiros e da engenharia portuguesa, mas não pode orgulhar-se deste tipo de legislação que põe em causa todo um tipo de procedimentos que fazem parte da nossa cultura”, concluiu.
Solução de obra
Relativamente às soluções de obra e revisão de projecto, “julgo que a parte importante é perceber como se pode fazer a revisão, que níveis de revisão vamos ter, qual a qualificação dos técnicos que podem fazer a revisão de projectos”, declarou o engenheiro. Neste contexto, Fernando Santo salientou que, no âmbito da Lei 31/2009, “que define as competências técnicas para elaborar o projecto, direcção de fiscalização e direcção de obras, a revisão do projecto não está contemplada, da mesma maneira que foi boicotado pelo Minisério do Trabalho aquilo que era a coordenação de segurança em fase de projecto, em fase de obra, que era para ser em semelhança às competências do director de obra ou director de fiscalização e, por razões dos interesses do Ministério do Trabalho, passou a ser atribuída a muita gente sem formação adequada”. Com isto, Fernando Santo revelou ter “muito receio” em ter “pessoas a fazer revisão de projectos, tal como temos coordenadores de segurança a fazer coordenação de segurança em obra, em projectos para os quais não têm a mínima competência”. Ao mesmo tempo, o engenheiro considera que a introdução da série preços no Código “é uma questão básica, de bom senso e de honestidade”. “Se não o fizermos, estamos, com certeza, a enganar alguém, começando pelo dono de obra que vai levar a sério as medições”, rematou.
Promover o “dumping”
Relativamennte ao tipo de procedimentos, o anterior regime jurídico tinha “tudo muito claro”. “Um concurso limitado ia de cinco a 20 concorrentes até aos 125 mil euros”, afirmou, explicando que, agora, esse procedimento passa a designar-se ajuste directo, “para, naturalmente, se alimentarem as páginas dos jornais”. Quanto à capacidade económica, financeira e técnica dos concorrentes, a matéria é, para Fernando Santo, “muito grave”, porque o dono de obra tinha “a prerrogativa de poder, para além do alvará exigido, escolher um outro conjunto de critérios para seleccionar as empresas”. Isto deve-se ao facto de o alvará não ser “credível”. “Não é, e dificilmente será”, complementou o ex-bastonário, explicando que este documento é “apenas um papel que serve para cobrar taxas”. Segundo o mesmo responsável, “se o alvará servisse nós teríamos tido, com certeza, uma atitude de fechar empresas, de lhes retirar o alvará, quando estão falidas e isso nunca vi”. “Mas quando estive na Comissão de Alvarás, por nomeação da Ordem, nos anos 90, distribuíam-se, por sessão, 400 alvarás, porque o critério era simples: (…) as associações empresariais, com a excepção da maior, recebiam dos seus associados em função dos alvarás e, por sua vez, quem fazia a avaliação das propostas e pedidos de alvará eram os técnicos dessas associações”, revelou. Hoje, o regime de alvarás “não é garantia para aquilo que o Código estabelece”. Outra questão considerada “muito, muito grave” pelo ex-secretário de Estado é o facto de o CCP passar a admitir, “como preço não anormalmente baixo, o preço de propostas com valor até 40%”. Com esta medida, o engenheiro considera que o Estado está a promover “o “dumping” e a falência das empresas que estão em bom estado porque as empresas que estavam em bom estado financeiro, económico e técnico, para ganharem concursos, tinham de mergulhar para descontos até 40%”. “Isto é extremamente grave e só me admira que a Autoridade da Concorrência tenha andado distraída”, reforçou, clarificando que este problema “não apenas um problema de salários dos intervenientes (…) mas também da salvaguarda do trabalho das empresas, que têm de ter outro tipo de código para fazer honestamente o seu trabalho”. Além desta questão, o plano de pagamentos, que não consta já nesta versão do CCP, é um elemento “fundamental”, para verificação do atraso ou avanço da obra, “que permitia, depois, aplicar ou não multas”.