Sismos: “Portugal foi pioneiro nas exigências legais para o cálculo de estruturas”
Segundo o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, ainda não há indícios que apontem para a obrigatoriedade da aplicação do Eurocódigo 8 em Portugal
Pedro Cristino
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Depois do sismo de Amatrice, em Itália, várias foram as vezes em que se levantou a questão da vulnerabilidade sísmica do edificado português. Para o bastonário da Ordem dos Engenheiros, a legislação portuguesa é exigente neste campo. Todavia, no que concerne ao Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, Carlos Mineiro Aires explica, em entrevista ao Construir, que a legislação não é omissa, “mas sim desadequada”
Segundo o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, ainda não há indícios que apontem para a obrigatoriedade da aplicação do Eurocódigo 8 em Portugal. Contudo, o máximo responsável da Ordem frisa que isso não significa que o Eurocódigo não esteja a ser aplicado pelos engenheiros portugueses, que reconhecem a sua mais-valia.
Como se poderá caracterizar o edificado português, em termos de vulnerabilidade e resistência sísmica? E no caso mais concreto da cidade de Lisboa?
É pública a informação sobre estes aspectos, uma vez que os Censos de 2011 fizeram a síntese da situação e, desde então, face à crise económica e à paralisação do sector da construção civil, o panorama não se alterou significativamente.
Assim, é de salientar que, em Portugal, 60% dos edifícios existentes foram construídos há mais de 30 anos, verificando-se que 14% necessitarão de uma reparação estrutural de dimensão média a muito grande, sendo que destes 14%, 10% foram construídos antes de 1960, ou seja, anteriormente ao Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU).
Em Lisboa a situação também não será muito diferente, pelo que, na generalidade do país, podemos admitir que a maior parte do edificado será potencialmente vulnerável à sismicidade.
Quais seriam as regiões mais afetadas por um sismo, no país?
Muito embora o país se encontre dividido em quatro zonas, as que apresentam maior importância a este nível são o vale inferior do Tejo, a região do Algarve, o vale submarino do Sado e quase todo o arquipélago dos Açores, sendo que outras regiões de menor actividade sísmica também comportam algum risco.
Algumas destas regiões também estão, cada vez mais, expostas às consequências de um tsunami, uma vez que a progressiva ocupação das zonas costeiras não tem tido em conta esta forte possibilidade.
A actual legislação referente à construção é competente neste campo?
Portugal não só tem uma legislação muito exigente neste domínio, como, de alguma forma, foi pioneiro nas exigências legais para o cálculo de estruturas, tendo em vista a sua segurança perante ações sísmicas.
Complementarmente, para além de conceituados técnicos, reconhecidos internacionalmente, temos centros de excelência na investigação e na experimentação do comportamento estrutural de edifícios perante ações excepcionais, nomeadamente as dinâmicas.
O Eurocódigo 8 tem aplicabilidade obrigatória em Portugal? É também obrigatório no caso da reabilitação?
Até ao momento, tanto quanto sabemos, apesar da idoneidade deste importante documento e do consenso técnico e académico que merece, ainda não tem aplicabilidade obrigatória em Portugal, onde prevalece a legislação e a regulamentação nacional, o que não significa que não esteja a ser aplicado pelos engenheiros que reconhecem a sua mais valia.
Como é sabido, na maior parte dos casos de reabilitação de edifícios não é exigível o reforço estrutural, o que é evidentemente uma falha, por duas ordens de razão facilmente entendíveis, muito embora existam outras: a intervenção não confere maior perenidade ao investimento e, por outro lado, lesa o consumidor, enquanto futuro comprador da moradia ou andar.
No seu ponto de vista, o poder político tem tomado iniciativas e assumido compromissos no sentido de promover, através da via legislativa, o reforço sísmico do edificado?
Como Bastonário da Ordem dos Engenheiros, Associação que regula uma profissão de confiança pública, tenho de referir que, no nosso ponto de vista e tal como temos alertado, as questões ligadas à Engenharia e aos engenheiros não têm tido e merecido nos últimos tempos a devida atenção por parte do poder político, nomeadamente no que respeita a iniciativas legislativas, onde a Ordem dos Engenheiros podia, não só ser mais ouvida e considerada, como uma boa conselheira.
Infelizmente, a questão da sismicidade e do reforço do edificado em reabilitação também não foge à regra, embora já tenhamos conhecimento de que é intenção do Governo legislar nesta matéria, indo ao encontro das posições.
O impulso que a reabilitação urbana tem tido ultimamente pode afigurar-se como uma boa oportunidade para reduzir a vulnerabilidade sísmica do edificado?
A Ordem dos Engenheiros sempre defendeu a qualidade destas intervenções, porquanto não podemos deixar que se confundam as operações estéticas e intervenções interiores e exteriores que embelezam os edifícios e os tornam mais apetecíveis e comercializáveis, com o que, na óptica dos engenheiros, devem ser as intervenções mais adequadas.
Assim, na esperança de que no imediato, enquanto se aguarda por legislação mais exigente, os proprietários e os investidores tomem consciência da importância da intervenção de um engenheiro civil nas ações de reabilitação e no ajuizamento da necessidade do reforço estrutural, diria que o número de intervenções ainda está longe de atingir uma expressão que possa reduzir significativamente a vulnerabilidade sísmica do edificado.
O que poderá ser feito para consciencializar a população, o poder económico e o poder político de que, de facto, Portugal está vulnerável a sismos e que urge dotar os edifícios de reforço?
Julgo que, nestes aspectos, estamos relativamente avançados porque muito trabalho e divulgação têm sido feitos.
Existem estudos com simulações e projecções, são feitos simulacros, as entidades e instituições com responsabilidades na matéria estão aparentemente articuladas e ninguém vive na ignorância de que estes acontecimentos também nos podem bater à porta.
Por outro lado, também não me parece prudente entrarmos em alarmismos que podem provocar uma situação generalizada de pânico e medo.
Falar que “urge dotar os edifícios de reforço” também enferma de algum desconhecimento da tarefa ciclópica e do gigantesco esforço financeiro que lhe estariam associados, o que, à partida, tal como acontece em todos os países, inviabiliza uma solução deste tipo.
Temos, pois, de ter consciência e conhecimento das situações e apostar na informação junto dos cidadãos e, nos casos da reabilitação e na construção de novos edifícios, garantir que a legislação e o conhecimento são aplicáveis, ou seja, o que é prática dos engenheiros civis.
De acordo com a direcção do GECoRPA, o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana remete para “legislação desactualizada” no que concerne à questão das qualificações a exigir às empresas e aos profissionais para executarem intervenções de reabilitação, sendo “omissa” relativamente à qualificação “de quem decide se as obras afectam ou não a estrutura”. Estaremos perante a necessidade de mudar o Regime Jurídico da Reabilitação, bem como a legislação?
O GECoRPA tem razão quando refere que as obras realizadas nos interiores dos edifícios estão dispensadas de licença municipal desde que não afectem a estrutura, mas que a lei é omissa quanto à qualificação de quem decide se as obras afetam ou não a estrutura, ponto de vista que comungamos.
Quanto à questão da legislação desactualizada relativa à qualificação a exigir às empresas e aos profissionais para executarem intervenções de reabilitação do edificado, muito embora a questão suscitada em torno das empresas de obras particulares seja muito pertinente, no que se refere aos profissionais, a forma como a questão foi colocada obriga-nos a esclarecer este ponto.
É nosso entendimento que, no que respeita à qualificação profissional, existe hoje a necessidade de rectificar as facilidades que têm sido concedidas.
Para ser mais claro, a diluição das competências profissionais exclusivas dos engenheiros civis que têm competências adequadas no cálculo de estruturas – porque nem todos as possuem – foram estendidas a outras profissões e a qualificações académicas que têm evidentes limitações nestes domínios de especialização.
Em nossa opinião, a legislação não é omissa, mas sim desadequada e, em muitos aspetos, até permissiva.
Não podemos é admitir que se ponha em causa ou questione a qualificação de um engenheiro civil do ramo de estruturas, a quem a Ordem reconhece competências adequadas e a quem concede as necessárias declarações de responsabilidade para elaboração e subscrição de projetos, direcção de obras e direcção de fiscalização, entre outras.
Estes engenheiros civis, a quem é reconhecida capacidade para o exercício destes actos de engenharia, estão seguramente habilitados para o efeito e a sociedade pode confiar na sua competência, pelo que, como sempre aconteceu e, portanto, não é novidade, determinados estudos, projetos, fiscalizações, gestão e direção de obra apenas podem ser realizados por quem sabe, ou seja, por estes profissionais.
Concluindo, acho que vale a pena parar para pensar e para fazer os necessários ajustamentos e aditamentos na legislação existente.