“Trabalho dos engenheiros portugueses é reconhecido em qualquer local”
Susana Moreira é engenheira civil, tem 31 anos e foi recentemente distinguida com o prémio “Melhor Dissertação de Doutoramento” na área de alvenaria, atribuído pela “The Masonry Society”, dos Estados Unidos, tornando-se na “primeira cientista portuguesa a receber este galardão em mais de 20 anos de existência”
Pedro Cristino
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Susana Moreira é engenheira civil, tem 31 anos e foi recentemente distinguida com o prémio “Melhor Dissertação de Doutoramento” na área de alvenaria, atribuído pela “The Masonry Society”, dos Estados Unidos, tornando-se na “primeira cientista portuguesa a receber este galardão em mais de 20 anos de existência”, que visa ressalvar a contribuição de jovens investigadores no domínio da construção em alvenaria. Esta distinção foi atribuída à ex-aluna da Universidade do Porto – onde se licenciou – e da Universidade do Minho – onde fez o doutoramento – pelo seu trabalho denominado “Seismi retrofit of masonry-to-timber connections in historical constructions”, onde aborda “de forma pioneira” o comportamento sísmico da ligação entre as paredes de alvenaria e os pavimentos de madeira em edifícios construídos principalmente durante o século XIX e o início do século XX. Ao CONSTRUIR, Susana Moreira descreve o âmbito da sua tese e relata um pouco da sua experiência no Perú, país onde actualmente exerce actividade.
Qual o enfoque do seu trabalho?
Os temas de doutoramento tendem a ser bastante específicos e, neste caso, o que estudámos foi o comportamento de ligações em edifícios antigos. São edifícios construídos em alvenaria, com pisos e paredes de madeira e nós focamo-nos em estudar qual seria a resposta sísmica e, depois, desenvolver protótipos de reforço e estudar o seu comportamento para essas ligações estruturais entre os pisos de madeira e paredes de alvenaria ou paredes de madeira e paredes de alvenaria.
Neste contexto, estudou alguns edifícios específicos?
Nós direccionámos o estudo nos gaioleiros, que são um tipo de edifícios construídos no fim do século XIX até ao início do século XX, e estão muito deteriorados, e nós focamo-nos exactamente em edifícios construídos em Lisboa, mas que podem ser encontrados noutras partes do país ou até noutros países. É um tipo de construção muito comum a países que utilizam pedra e que, depois, começaram também a incorporar tijolo.
São edifícios comuns na Europa ou na América do Norte?
Existe uma diferença de construção nessa altura. Os edifícios que são, por exemplo, construídos em países anglo-saxónicos têm muitas vezes uma predominância do tijolo que não existe em países como Portugal, Espanha ou Itália, que têm construções em pedra. Tínhamos a pedra como um material de construção muito acessível, e então utilizamos e incorporamos muito a pedra e transportámo-la para a construção que existia nas antigas colónias, como o Brasil, ou os países da América Latina onde estiveram os espanhóis. Agora, o que se observa ao longo de vários estudos que se fizeram relativamente ao comportamento sísmico dos edifícios de alvenaria simples – isto é, sem qualquer tipo de reforço – é que, apesar de serem construídos em tijolo ou pedra, existem determinados modos de colapso de elementos estruturais que são comuns a este tipo de construção. Obviamente que existem modos de colapso específicos, relacionados com a construção em tijolo e a construção em pedra, mas existem outros gerais e, dentro desses, um dos modos mais comuns é o das paredes de fachada, quando ocorre um sismo, terem tendência para sairem do plano, ou seja, para cair – normalmente para a rua.
Como se caracterizam os protótipos que desenvolveram?
Havia já um desenho inicial dos protótipos desenvolvido por uma empresa portuguesa que é a Monumenta, e que trabalha na reabilitação de edifícios. Esta empresa e a Universidade do Minho foram parceiras dentro de um projecto europeu que é o NIKER. Havia vários estudos e um deles era sobre ligações e o reforço sísmico de ligações. Então a Monumenta, que tinha já alguns protótipos pensados e nós trabalhámos no sentido de melhorar um pouco estes protótipos e, depois, ensaiá-los experimentalmente. Havia uma parte comum, uma cantoneira metálica, de aço, que é aparafusada ao elemento de madeira, seja uma viga ou uma parede. Depois há a parte do sistema presa à parede e que pode ser diferente. Existe um sistema – um tirante metálico, uma barra de aço – preso a uma placa de ancoragem que fica na fachada exterior e, depois, tem uma barra presa perpendicularmente e faz com que essa placa fique comprimida contra aparede. No fundo, estamos a ancorar a placa à parede e, depois, este sistema está preso à tal cantoneira na viga. Existe também um sistema mais recente, denominado mangas injectadas, que consiste numa meia, com um tirante dentro, e é colocada na parte de dentro da parede e injectado um graute cimentício. Uma vez, seco, o sistema fica preso por fricção e mecanicamente ligado à parede.
Parece-lhe importante a parceria entre universidades e empresas num âmbito de desenvolvimento tecnológico?
É do interesse das universidades e dos investigadores trabalhar em conjunto com as empresas, porque isso permite-nos dar aquele salto do desenvolvimento científico para uma aplicabilidade mais prática. O papel das universidades é também terem este desenvolvimento tecnológico, com uma aplicabilidade real e não trabalharem apenas no domínio conceptual.
Relativamente ao prémio que recebeu, foi uma surpresa?
A sugestão de enviar a candidatura partiu dos meus orientadores. A candidatura em si é bastante simples – contactei-os e enviei um PDF da tese. Mas não estava à espera de vencer. Nunca pensei que pudesse ter este reconhecimento, porque há tantos trabalhos bem desenvolvidos, bem escritos e que têm realmente tanto valor, que não pensei que teria esta oportunidade de ganhar. Por isso, foi mesmo com bastante surpresa que soube desta distinção.
Vê reforçada a imagem da engenharia portuguesa a nível internacional com este seu prémio?
O director do grupo de investigação e da unidade de investigação, Paulo Lourenço, também foi distinguido por esta organização, com um prémio de contributo notável na área da alvenaria. A engenharia portuguesa contribui bastante para a área de reabilitação de estruturas e análise de estruturas antigas no campo da alvenaria. Acho que isto, de certa forma, reforça a qualidade da engenharia em Portugal. Temos uma engenharia de qualidade e os engenheiros portugueses são reconhecidos em qualquer local pelo seu trabalho. A questão é que outros países, que também têm qualidade, têm muitos engenheiros, em comparação. São muitas pessoas a trabalhar nesta área. Agora, acho que o facto de termos várias pessoas a assumirem cargos de importância internacional na área da engenharia contribui, de certa forma, para tornar mais notável a engenharia portuguesa e fico feliz por ter, de alguma forma, contribuído um pouco para esse reconhecimento.
Actualmente, está a trabalhar no Perú. Como descreve a experiência?
A oportunidade surgiu com o lançamento de um concurso a nível internacional no qual pretendiam doutorados. Trabalho como professora assistente, dou aulas e trabalho na área da investigação. A experiência está a correr bastante bem. No Perú há muitos projectos a decorrer e há investimento. Existe um grande interesse em investir na protecção de monumentos e de construções existentes, porque o risco sísmico é muito mais elevado no Perú do que em Portugal.
Tendo em conta as características geográficas e naturais do Perú, trata-se de um bom “laboratório” para a sua actividade?
Neste momento, sim, porque existem muito mais oportunidades agora para desenvolver trabalho no Perú do que talvez existam em Portugal ou noutros países europeus porque, devido à crise, houve uma redução do investimento para a investigação. É um país em desenvolvimento, mas que está em crescimento e, assim, há um interesse que se mede pelo investimento que se está a tentar fazer na preservação de monumentos. Também é um país que vive muito do turismo e, então, tem interesse em preservar todos estes monumentos das antigas civilizações. Para isso criam condições. As próprias universidades peruanas estão a fazer um grande investimento para trazerem pessoas doutoradas. Querem crescer, melhorar a qualidade do ensino e da investigação e, nesse sentido, há um investimento para a contratação de investigadores estrangeiros que possam contribuir de forma positiva.
Pode ser um destino favorável para engenheiros portugueses que queiram trabalhar no estrangeiro?
Existe uma empresa portuguesa com uma forte presença no Perú, que é a Mota-Engil. O país tem ainda algumas deficiências e a cultura é um pouco diferente, mas acho que seria uma boa oportunidade, porque o custo de vida é semelhante ao de Portugal ou mais baixo, mas se as pessoas trabalharem na área da engenharia para empresas privadas, são bem pagas. Por outro lado, há trabalho. Por exemplo, Lima, a capital, apenas agora está a iniciar a construção de metro. Em termos de infra-estruturas, o país está pouco desenvolvido e há agora todo um esforço para investir nessa área.
Como olha, neste momento, para o mercado da engenharia civil em Portugal?
É um pouco difícil, porque terminei o doutoramento e fui directamente para o Perú, mas a experiência de colegas diz-me que o mercado está complicado. Tenho bastantes colegas que mudaram de área – deixaram a engenharia civil para trabalharem noutras áreas completamente diferentes – porque as empresas onde estavam faliram e foi difícil recuperar trabalho.