Central de Almaraz é “ameaça ao território nacional em caso de acidente”
“Qualquer incidente na central irá contaminar gravemente as águas do Tejo e terá impactos em Portugal”, frisa o engenheiro, explicando que um acidente nuclear grave que contamine as águas do Tejo, “para além de chegar ao mar, demora anos e anos a dissipar-se”
Pedro Cristino
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Para Carlos Mineiro Aires, a central nuclear de Almaraz, em Espanha, constitui “uma ameaça ao território nacional no caso de haver um acidente”.
Em entrevista ao CONSTRUIR, o bastonário da Ordem dos Engenheiros (OE), explica que esta central se situa na principal bacia hidrográfica que Portugal partilha com Espanha – o Tejo – e que, por isso, a existência da mesma, constitui “uma questão preocupante, que não pode deixar de o ser para a OE, enquanto guardiã do interesse da sociedade e dos portugueses”.
“Qualquer incidente na central irá contaminar gravemente as águas do Tejo e terá impactos em Portugal”, frisa o engenheiro, explicando que um acidente nuclear grave que contamine as águas do Tejo, “para além de chegar ao mar, demora anos e anos a dissipar-se”. Segundo Mineiro Aires, a água fica “com marcas do tempo que nunca se apagam”. “Não há uma gota de água igual à outra”, reforça, referindo que a água tem “ADN” e, “se esse ADN fica marcado por um incidente nuclear, ficará marcado para toda a vida”.
Foi no âmbito desta questão que a Ordem dos Engenheiros empreendeu uma visita à central nuclear de Almaraz, visita essa que acabou por ser travada pelos responsáveis da central, ainda a meio caminho. Sobre esta visita, o bastonário explicou ao CONSTRUIR que, no dia em que assinou o protocolo com o Colégio de Engenheiros Industriais de Espanha, a OE colocou ao decano desta associação a possibilidade de visitar a central, explicando-lhe “detalhadamente que era uma questão muito quente e mediatizada em Portugal”, para a qual poderia ajudar uma visita da associação portuguesa, no sentido de obter esclarecimentos.
Três questões fundamentais
“Para meu espanto, a visita é autorizada”, refere Mineiro Aires, revelando que era “previsível que não autorizassem a vista, sabendo o tipo de perguntas que iríamos fazer – e que não escondemos”. As questões que a OE levava aos responsáveis da central eram apenas três.
“A primeira era relativa ao depósito de resíduos que pretendem construir no local”, declara, explicando que interessava saber “se é um depósito destinado a servir unicamente aquela central ou se se edstina a receber resíduos de mais do que uma central”.
A questão reveste-se de importância para a Ordem porque e o seu bastonário explica que esta associação não quer imiscuir-se “nas questões internas de um país que é soberano”. Todavia, “o transporte de resíduos nucleares obedece a determinadas regras”.
A segunda pergunta levada pela comitiva lusa consistia em saber se a construção deste depósito “está ou não associada ao prolongamento de vida desta central, que deveria terminar em Junho de 2020”. “Também por portas travessas, já obtivemos resposta a isso”, admitiu Mineiro Aires, explicando que “parece que há uma intenção séria de prolongar a vida da central”.
A terceira e última questão assentava sobre a execução dos estudos de impacto ambinetal. “Há legislação que obriga estados que têm bacias hidrográficas ou territórios partilhados, quando há situações dessas (…), a fazerem estudos de impacto ambiental”, destaca o engenheiro, referindo-se ao Direito Comunitário e ao Direito Internacional.
“Quando há impactos num rio ou numa rede hidrográfica que pode abranger mais do que um país – e recordo que, na Europa, há rios que atravessam mais de seis países – [os países] são obrigados a fazer um estudo de impacto ambiental, de impactos transfronteiriços”, reforça, mencionando a existência de uma particularidade: “estes estudos têm que ser feitos nos dois estados – pelo estado montante e o estado a jusante”. Assim, a OE pretendia saber se estes estudos serão feitos e como serão feitos, uma vez que a Ordem pretende participar nos mesmos. “Normalmente há uma abertura pública e a Ordem gostaria de se pronunciar nessa sede”, afirma.
Atitude é “boa” para OE
Todavia, como referido, a visita da OE foi cancelada pelos responsáveis da central de Almaraz. Para Mineiro Aires, a decisão de cancelar a visita deveu-se ao facto de os responsáveis espanhóis se terem apercebido “daquilo que tinham autorizado”. “Subitamente, aperceberam-se que o que ia ali era uma delegação de peso dos engenheiros de Portugal, encabeçada pelo bastonário da Ordem dos Engenheiros”, explicou.
Sobre a falta de justificação pelo cancelamento da visita, Mineiro Aires refere que a OE teve um tratamento, “pela primeira vez a nível internacional, da maior indignidade possível”. “A forma como foi feita a comunicação revela uma desconsideração pelos engenheiros portugueses como nunca assisti”, afirma, relativamente à recusa em permitir que a comitiva visitasse as instalações e ao facto de ter sido chamada a Guardia Civil para identificar os elementos dessa mesma comitiva.
Perante esta situação, Mineiro Aires tomou “algumas iniciativas e uma delas foi dar a maior mediatização possível à questão” – que teve resultados imediatos. “Quando chegámos ao portão de Almaraz, estava lá a RTP e, mais tarde a Lusa e, entretanto, apareceu também a Guardia Civil para nos identificar a todos”, revela.
“Como bastonário da OE, só tenho de estar agradecido com esta atitude, porque, uma visita que podia ser um “flop” – que era entrarmos lá, sermos recebidos com toda a cortesia, que era o que esperávamos, e, depois de entrarmos nas instalações, se alguém nos explicasse que não estavam habilitados a dar resposta a determinadas perguntas e que essas deveriamser endereçadas para outro interlocutor que não a administração da central, sairíamos de lá sem as respostas, mas não sairíamos indignados”, explicou.
Ao barrarem as portas da central à comitiva lusa, os responsáveis espanhóis “dão uma visibilidade e uma dimensão a esta questão, que agradecemos, porque permite-nos fazer outros juízos e pensar que tiveram medo de perguntas inconvenientes”. “Dentro das limitações estatutárias que temos,fizemos o que tínhamos a fazer e concluímos aquilo que tínhamos a concluir: ao não obtermos respostas, obtivemos todas as respostas”, afirma Mineiro Aires.
Ao mesmo tempo, a OE colheu “grandes apoios para a causa em Espanha, porque há no país um movimento anti-nuclear grande, nomeadamente na Estremadura, e essas pessoas passaram a estar atentas à forma como receberam lá os engenheiros portugueses”. Forma essa que traduz,para Mineiro Aires, “uma enorme deselegância” e constitui “um atestado de menoridade aos portugueses”.
“É uma quebra da confiança que deve dirigir e pautar as relações entre países e esta é a melhor maneira de quebrar estes laços”, assegurou o bastonário. Todavia, esta situação foi, segundo o próprio, “má para a engenharia e boa para a Ordem” e, no mínimo, coloca em causa “aquilo que deviam ser as mais básicas normas de transparência e de relacionamento entre dois estados”.
Relações imunes à polémica
Sobre a relação da Ordem dos Engenheiros com as suas congéneres espanholas, Mineiro Aires acredita que não será beliscada. Todavia, ao CONSTRUIR, o bastonário da OE refere que a “desconsideração que houve para com os engenheiros portugueses e a forma como isto até poderia afectar o relacionamento da engenharia ibérica é grave”.
Mas, com Mineiro Aires, “não afectará nada, porque não confundo a gota de água com o oceano e, portanto, jamais confundirei as instituições e as pessoas com estes incidentes”. Contudo, esta situação não deixa de ser “um grande desprestígio daquilo que deverão ser as normas deontológicas e comportamentais dos engenheiros globais – porque os engenheiros são globais – da parte espanhola”.