Foto: Do Mal o Menos
“A reabilitação faz parte de um processo contínuo de alterações”
Da autoria do Atelier Aurora Arquitectos, o “Apartamento na
Estrela” revela a lógica da reabilitação, que não é mais do que a “ruptura temporal e formal, sem deixar de reconhecer que dessa acção nasce a possibilidade de reconciliação de realidades distintas”
Ana Rita Sevilha
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Sofia Couto e Sérgio Antunes fundaram o atelier Aurora Arquitectos em 2010, como consequência natural do trabalho que tinham vindo a realizar em conjunto e da experiência e legado do atelier Kaputt!. Das casas – grandes e pequenas -, aos equipamentos culturais e planos urbanos, nestes seis anos, o gabinete foi crescendo em colaboradores e em trabalhos, mas manteve o “protocolo”, “agarrando as singularidades das condições que assistem cada projecto como o princípio de cada um”. Entre o portfólio encontramos projectos de reabilitação, sendo o “Apartamento na Estrela” um deles e o que vamos mostrar de seguida.
Possibilidade de reconciliação
No início da descrição do projecto, uma frase de Jean-Luc Godard em Reflexivity in Film and Architecture, 1985. “It is not necessary to create a world, but the possibility of a world”. “O conceito de reflexividade, tanto no seu contexto cinematográfico e literário como na sua apropriação pela arquitectura, refere-se ao momento em que subitamente a obra chama a atenção para si mesma enquanto realidade construída e ficcional”, lê-se de seguida.
Segundo a equipa do Atelier Aurora Arquitectos, a intervenção levada a cabo no “Apartamento na Estrela”, revela a lógica da reabilitação, que não é mais do que a “ruptura temporal e formal, sem deixar de reconhecer que dessa acção nasce a possibilidade de reconciliação de realidades distintas”.
Nesta lógica, continuam, “assumir as questões levantadas pela natureza da reabilitação torna-se ainda mais pertinente se tivermos em conta que o apartamento não só dispunha inicialmente de qualidade arquitectónica como se encontrava em bom estado e pronto para habitar”. Por isso, a intervenção parte, acima de tudo, de uma redefinição programática e reforço das possibilidades de apropriação do espaço pelo cliente.
“De carácter mais directo, a recuperação dos elementos e linguagem originais permite potenciar as qualidades construtivas pré-existentes. São mantidos o pavimento de madeira original, a azulejaria da cozinha, as guarnições dos vãos e a decoração das paredes e tectos. O lado sul do apartamento, composto pela cozinha, zonas de serviço e um quarto, mantém a sua configuração original”, explicam.
Referências
“A forma como é trabalhada a superfície de azulejos que envolve a cozinha introduz o desejo de diferenciação entre as características primitivas e a nova intervenção. Para além de permitir uma leitura de continuidade na reabilitação, esta abordagem estabelece uma base de contraste para a intervenção que lhe é justaposta”.
Uma justaposição que é colocada em evidência no lado norte do apartamento, onde se procedeu a uma total inversão programática. “A área privada, inicialmente composta por três quartos, deu lugar a uma única sala de estar. A área social, composta pela antiga sala e escritório, deu origem a dois quartos e um closet. Com a reconfiguração destes espaços surge a questão de como unir aquilo que existira em separado ou dividir o que sempre fora uno”, pode ler-se na descrição do projecto.
No espaço da sala, “a referência às paredes demolidas permanece como uma coordenada temporal através do emolduramento do seu negativo, definido por um aro de madeira e latão, e da sugestão do seu atravessamento pelo vestígio das portas, definidas pela guarnição e bandeiras”. Mas estas referências não se ficam por aqui. Por sua vez, “a parede que agora divide os quartos é um gesto afirmativo, chamando a atenção para si mesma como dispositivo de separação e remetendo a leitura espacial para a sala que lhe deu origem”.
Reversibilidade
No fim, explicam, “o que podia ser facilmente interpretado como uma operação de união e divisão transforma-se num dos principais temas do projecto — o da reversibilidade. O problema espacial dá origem a uma preocupação temporal. Aceita-se que a reabilitação faz parte de um processo contínuo de alterações e de constante revisão da sua própria validade. E é da relação de diálogo permanente da pré-existência com os novos elementos que resulta a criação de inesperadas possibilidades. Uma espécie de palimpsesto como forma de repensar e desafiar as funções e relações preestabelecidas, dos utilizadores à própria arquitectura”.