“A estratégia de eficiência dos recursos é fundamental”
Numa entrevista exclusiva ao CONSTRUIR, o Policy Officer para a Construção Sustentável na Comissão Europeia apresenta as linhas mais fortes do Protocolo de Gestão de Resíduos de Construção & Demolição. O conjunto de boas práticas estão integradas numa estratégia para o Sector e visam impulsionar a confiança em materiais que resultem de um processo transparente de reciclagem. Vincent Basuyau, acompanhado de Jorge de Brito, do Instituto Superior Técnico, acredita que “é importante é que estas práticas passem a fazer parte da norma”
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Ao CONSTRUIR, o Policy Officer para a Construção Sustentável na Comissão Europeia, Vincent Basuyau explica a importância de a Europa falar a uma voz na defesa da valorização dos recursos que resultam de trabalhos de demolição e defende que “a estratégia de eficiência dos recursos é fundamental nesse contexto da competitividade”.
Qual a importância deste protocolo para a industria da Construção e para a Europa no seu todo?
Vincent Basuyau (VB): O protocolo agora apresentado dispõe de um conjunto de boas práticas para responder ao que ficou estabelecido, em 2008, na directiva comunitária, que propunha que, até 2020, 70% dos Resíduos de Construção e Demolição produzidos fossem encaminhados para reciclagem e para o tratamento adequado. Procura, ainda, complementar e valorizar as potencialidades de recursos eficientes no sector da Construção e representa um forte contributo ao que entendemos que é o pacote da economia circular. Olhando para a Construção, estamos a falar de três iniciativas chave: a melhoria da gestão dos resíduos, o desenvolvimento de um conjunto de boas práticas e de monitorização das práticas de gestão de resíduos em trabalhos de Reabilitação e ainda boas práticas como uma melhoria na performance ambiental nos edifícios. São três acções fundamentais. O protocolo foi, formalmente, apresentado no final do ano passado, lançámos um conjunto de boas práticas no inicio deste ano e esperamos que a questão da performance ambiental possa ter desenvolvimentos já em Julho. Isso significa que estamos a respeitar os prazos propostos. Tudo isto faz parte da estratégia Construção 2020, proposta em 2012, que procura modernizar e melhorar a competitividade do Sector da Construção. A Europa sempre foi forte neste sector mas é importante que mantenhamos essa competitividade e um alto nível de modernidade à escala global. O sector europeu da Construção tem um papel extremamente relevante no que respeita à contratação, no que respeita ao tipo de soluções que são materializadas, ao nível dos serviços como a engenharia, entre outros. Por tudo isso, acreditamos que a estratégia de eficiência dos recursos é fundamental nesse contexto da competitividade.
Nesta altura, é já possível antever que o proposto na estratégia 2020 na construção será atingido?
VB: É um trabalho difícil, há que reconhecer, e que implica um acompanhamento de perto, implica uma avaliação permanente por parte dos grupos de trabalho alocados às várias temáticas. Eu próprio estou associado a dois grupos, nomeadamente o do Uso de Recursos Naturais no Sector da Construção e outro ligado à Competitividade Internacional do Sector da Construção. No que respeita à reciclagem dos resíduos que resultam de trabalhos de construção e demolição, estamos também atentos ao que está e vai ser feito e também esta área será acompanhada de perto. Provavelmente, tal como acontece em tantas outras situações, emitiremos alguns alertas pontuais a um ou outro Estado Membro a propósito do ritmo de adopção destas boas práticas. É importante que se perceba que não estamos aqui a falar de legislação. Este protocolo não é uma directiva comunitária mas sim, por assim dizer, um manual de boas práticas, um conjunto de procedimentos que os Estados Membros deverão adoptar com vista ao respeito pelo que é um quadro global alargado e que diz respeito à melhoria da qualidade ambiental no espaço Europeu. Estou francamente confiante de que vamos, no global, atingir as metas propostas na generalidade dos Países, mesmo que um ou outro possa ter um ritmo mais lento. É importante é que estas práticas passem a fazer parte da norma. Isso é algo que não é tão simples pois além da questão da sua viabilidade, envolve um conjunto muito alargado de actores e a sua cooperação é fundamental. Contudo, há que acreditar que não é nada de transcendente, é um desafio social que envolve estes actores e que depende do compromisso de cada um. Se alguma dessas peças falhar, isso vai retirar valor a toda esta cadeia. Em última instância, em causa estará a confiança do cliente final na escolha de materiais ou na adopção de soluções ambientalmente sustentáveis. O objectivo do protocolo consiste em melhorar a identificação, a separação e recolha na origem, bem como a logística, o processamento e a gestão da qualidade. Por conseguinte, o protocolo reforçará a confiança na qualidade dos materiais reciclados e incentivará a sua utilização no sector da Construção.
Disse, numa das suas intervenções, que o protocolo servirá para que a Europa fale “a uma só voz” nesta matéria. Isso é uma vantagem ou uma dificuldade adicional?
VB: Quando referi que este é um documento de todos os Países, mais do que um documento da Comissão Europeia, quis dizer que acaba por ser um documento de consenso. Foi o que fizemos na preparação do Protocolo, tentámos chegar a um entendimento alargado, comum. Não é uma directiva, não é lei. No início dos trabalhos, posso assegurar que o entendimento não estava menos do que muito distante. Não havia garantias mínimas de que o entendimento fosse possível. Com o decurso dos trabalhos, fomos percebendo que cada contributo, o facto de todos falarem abertamente e com uma atitude construtiva, permitiu que tivéssemos chegado a este documento. Há inúmeros pontos de vista, há muitas perspectivas. Mas, no final de contas, temos Arquitectos, Engenheiros, Construtores, a indústria da reciclagem, a comunidade académica interessados no entendimento e em caminhar para um bem comum. Importa perceber que cada Estado Membro tem uma cultura própria, tem ritmos de desenvolvimento próprios, a própria forma como se constrói é díspar entre cada um dos Países com uns a preferir o betão, outros a madeira, outros o tijolo, há quem procure soluções pré-fabricadas. Mas nada disso significa que a Reciclagem não possa nem deva ser uma preocupação.
De que modo é possível aumentar a confiança nos processos de gestão dos Resíduos de Demolição e Construção?
VB: A palavra-chave é: Transparência. Transparência em toda a fileira. As pessoas aceitam que, nos seus próprios projectos, sejam utilizados materiais e soluções recicladas desde que tenham a noção de que todo o percurso foi transparente, que materiais foram reciclados e de que forma foi conduzido o processo. Os profissionais do Sector podem contribuir para essa transparência.
Em que é que o Protocolo poderá ser útil na realidade portuguesa?
Jorge de Brito (JB): O Protocolo é um documento em que foram colocadas, de forma clara e organizada, as regras de boa prática. Vai desde a parte da separação dos agregados até à parte política e de toda a envolvente associada aos materiais, gestão de qualidade, processamento de materiais. O Protocolo não vai resolver todos os problemas, para que conste. Pretende, apenas, servir como um documento de informação muito bem estruturada e preparada e que, sobretudo, tem um grande enfase nos bons exemplos. Apresenta um conjunto de bons exemplos em vários Países da União Europeia em que se procura, através desses exemplos, mostrar que é possível. É possível fazer bem. O documento nunca poderia criar as condições económicas, políticas ou mesmo culturais. Isso não está no documento. Mas acredito que essa parte está também a mudar. Há um pendor político no nosso país que é evidente, no sentido de proteger as questões ambientais, há um pouco mais de margem económica para incluirmos os custos de fazer melhor do ponto de vista ambiental e é evidente a mudança de mentalidade das pessoas. Essa mudança é mais complicada quando a “pessoa” é confrontada com uma despesa adicional…
…o senhor referiu a importância de esse sobrecusto ser diluído ou, pelo menos, partilhado pelos vários agentes…
JB: A título de exemplo, e informalmente, posso referir que eu próprio, recentemente, fiz obras em casa e a escolha recaiu sobre um empreiteiro que era mas caro que os outros. Uma das razões pelas quais era mais caro é que este fazia a recolha e o encaminhamento dos resíduos como mandam as regras. E isso tem um peso significativo, não há outra forma de o dizer. E acredito que em vez de esse acréscimo ter sido suportado por mim poderia ter sido suportado parcialmente por taxas ou impostos. A competitividade de determinados materiais, nomeadamente os reciclados, pode ser aumentada através da taxação dos materiais virgens. Há neste momento um excesso de liberdade e de condições excessivamente favoráveis para quem explora as matérias primas virgens. Isso distorce o mercado. Temos, de facto, a matéria prima mas estas estão ridiculamente baixas. Por exemplo, no Reino Unido têm uma taxa ambiental sobre materiais virgens e agregados que resultou numa natural expansão do uso de materiais reciclados. Uma das empresas mais conceituadas na área da demolição selectiva, com larga experiência, organizou-se de modo a vender o plástico, a borracha, a recuperação da madeira mas continuava com uma grande pilha de matéria inerte nas suas instalações de que não se conseguiu desfazer. Essa era a parte mais fácil. Podia ser matéria usada em tantas aplicações, em fundações, em betão mas, para eles, estava apenas a representar um stock adicional…
…aí voltamos à questão da mentalidade…
JB: Sobretudo da confiança. Em Portugal não gostamos de comprar nada em “segunda mão”. O que quer que seja “em segunda mão” tem, normalmente, um carácter pejorativo. O que não é necessariamente verdade. No nosso país, as autoridades não tornaram obrigatório o uso de agregados reciclados em situações em que está mais do que provado de que são uma mais-valia. Em muitas situações, para agravar a situação, barram o uso destes materiais. Normalmente, a propósito deste tipo de discussões, há quem questione se deixaremos de utilizar matérias virgens. E a resposta é óbvia: Não! Há países em que a incorporação de matérias recicladas ascende a 20%, o que quer dizer que há a utilização de 80% de matérias virgens.
O senhor tem responsabilidades ao nível da Construção Sustentável na Comissão. O que podemos esperar do futuro do Sector na Europa?
VB: A Estratégia Construção 2020 é um documento importante que está em vigor. Há que ter em mente que o Sector da Construção é importante para a Comissão Europeia mas, essencialmente, para a Europa no seu todo. O Sector da Construção representa 10% do Produto Interno Bruto na Europa. Se avaliarmos ao detalhe, a Construção tem um peso de 50% na extracção de materiais, de consumo de energia, 33% na produção de desperdícios. Estamos a lidar com grandes números que necessitam de ser monitorizados de modo a garantir a competitividade do Sector e a adaptação desta industria à economia. A Comissão Europeia assume o compromisso de respeitar o peso relevante que a Construção tem para o futuro da Europa e da sua economia. Há desafios que temos pela frente e que importa acautelar. Falamos de desafios como a eficiência dos recursos, eficiência energética nos edifícios, a própria capacidade e habilidade dos profissionais é uma preocupação na medida em que é fundamental que as artes sejam passadas para as novas gerações. Além disso, importa olhar para a adaptação dessas capacidades às ferramentas tecnológicas.