“Arquitectura Democrática é as pessoas sentirem que contam”
Trabalhar com pessoas que nunca trabalharam com arquitectos ou que não têm dinheiro para contratar os serviços de um é, grosso modo, no que consiste a Cooperativa Trabalhar com os 99%. Assente numa metodologia de trabalho em que as pessoas contam, os projectos inevitavelmente vão para além da arquitectura, e há toda uma equipa muito… Continue reading “Arquitectura Democrática é as pessoas sentirem que contam”
Ana Rita Sevilha
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Trabalhar com pessoas que nunca trabalharam com arquitectos ou que não têm dinheiro para contratar os serviços de um é, grosso modo, no que consiste a Cooperativa Trabalhar com os 99%. Assente numa metodologia de trabalho em que as pessoas contam, os projectos inevitavelmente vão para além da arquitectura, e há toda uma equipa muito empenhada nisso.
Estiveram recentemente nas Conferências do Trindade a falar sobre a Cooperativa Trabalhar com os 99%. No que consiste e que trabalho estão a desenvolver nesse âmbito?
Tiago Mota Saraiva: Nós fomos mostrar trabalho – nomeadamente feito entre 2010 e 2011 – desenvolvido, fundamentalmente, com pessoas que nunca trabalharam com arquitectos ou que não têm dinheiro para contratar os serviços de um arquitecto. Portanto, foi um pouco explicar os vários trabalhos que temos em curso nesse âmbito, que teve uma formalização mais recente, porque transferimos alguns desses projectos para a Cooperativa. No fundo, os trabalhos de ordem social e de “design thinking”, ou seja, de pensamento global e estratégico, todos eles estão mais relacionados com o projecto da Cooperativa e todos os outros com o ateliermob.
Estamos a falar de que tipo de trabalhos?
A diversidade é enorme. Estamos a prestar assessoria ao fundo que é gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian de apoio às vítimas do incêndio de Pedrogão. Esse trabalho, por exemplo, passa por instruir processos – uma coisa muito técnica -, que compreende levantamentos, vistorias, reconstruções com ou sem repetições do que existia. É um trabalho muito importante e que nos vais levar a montar um gabinete técnico local por seis meses para já. Isto é muito importante, porque tudo o que se passou foi de uma violência tal que o processo vai muito além da arquitectura. O nosso gabinete por exemplo, vai ter uma antropóloga a trabalhar no terreno. Na Cooperativa já raramente temos projectos só de arquitectos. Neste caso, as questões de construção não são as prioritárias, não existe uma situação de carência habitacional, não existe uma necessidade urgente de resposta a dar tecto, existe sim, uma carência de trabalho – porque houve uma actividade produtiva que foi destruída. Estamos a falar de zonas que desertificaram, temos de segurar as pessoas que mantiveram os trabalhos, porque ter casas e não ter pessoas não serve para nada. No Alentejo também vamos ter várias obras ao mesmo tempo, por isso é possível que também seja montado outro gabinete local.
Depois, em Tomar, estamos com um projecto que consiste na transformação de cinco escolas primárias desactivadas, em habitação social, muito provavelmente para uma comunidade cigana. Este projecto implica pensar, numa escola, o que é espaço público e o que não é. É um projecto muito interessante e que entregámos por estes dias o projecto base.
Estamos muito empenhados em ver se o projecto de realojamento das Terras da Costa vai de facto para a frente. Há sinais que pode acontecer na próxima legislatura e tem mesmo de acontecer.
Temos alguns processos interessantes também, por exemplo, no Barreiro, um projecto de reabilitação de espaço público mas que inclui 90 unidades de habitação social feitas no período do Estado Novo e sem hipótese de adaptabilidade às questões de mobilidade, o que é um problema para o município. A Câmara tomou a iniciativa de começar a fazer um processo – que nos parece muito interessante -, que é no fundo pegar nessas habitações sociais e transformá-las no Centro do Alto Seixalinho, e as pessoas que vivem nesses vários fogos serem realojadas em fogos ali à volta, comprados pelo município. É um projecto com uma vertente social muito importante.
Estamos também, através da Cooperativa, empenhadíssimos em participar na Lei Quadro da Habitação. Já fomos recebidos na Assembleia da República, já temos participado em algumas discussões, seja com alguns partidos seja ao nível da comissão que está a preparar a Lei Quadro. Nós próprios temos ideia de começar a desenhar algumas propostas nesse âmbito, porque é uma lei com que vamos viver e lidar na nossa vida profissional ao longo dos próximos 30 anos, portanto é muito importante participar na sua discussão. Estamos a tentar tudo para conseguir participar no processo.
Aqui em Lisboa, continuamos a prestar assessoria técnica aos bairros da PRODAC, numa lógica de tentar dar o salto para financiamentos europeus e numa perspectiva de haver uma melhoria da sustentabilidade, da estratégia ambiental e da autosuficiência dos bairros. Temos um projecto apresentado ao município – o Palácio Marquês de Abrantes – que derivou de dois anos de trabalho na Rua de Marvila e em que, juntamente com a população, chegámos a uma lógica de o tornar num Centro de Acolhimento, para a população e refugiados.
E como é que está esse projecto?
A nossa zona é uma zona “in between”, está entre dois desenvolvimentos. Existe a zona baixa, ribeirinha, que já está com um boom imobiliário e vazia de pessoas, em cima está a habitação social e nós estamos no triângulo onde as duas linhas férreas se juntam. É uma zona expectante. Temos situações de casas sem casa-de-banho, por exemplo, mas as pessoas do bairro não querem que o senhorio faça obras porque têm medo que após as mesmas os coloquem em outro sítio e nunca mais voltem. Outra coisa que nos dizem sempre é que querem cultura no bairro, cinema, danças…o bairro embora seja de génese operária, teve sempre a cultura como uma coisa muito importante. O projecto do Palácio, juntamente com a cidade de Lisboa, foi seleccionada pela UCLG – United Cities and Local Governments”, como um dos projectos preferência a ser acompanhado, tendo sido considerado como um processo de referência nas questões de imigração. Nós temos um projecto muito mais sonhador: o que temos proposto à Câmara é a gestão do edifício e uma bolsa que nos consiga financiar a execução dos projectos. Em contrapartida nós candidataríamos o projecto do Palácio a um fundo das Nações Unidas para projectos específicos com comunidades migrantes e reabilitação de edifícios para esse fim.
Paralelamente, temo-nos cruzado internacionalmente com muita gente grega, do Governo do país e da cidade de Atenas, que abriram já várias vezes as portas ao Trabalhar com os 99%, por acharem que é uma dinâmica muito interessante para aplicar lá. Portanto, eu acho que poderá ser uma realidade sendo que, o primeiro eixo seria perceber de que forma duas estruturas da sociedade civil, duas cooperativas, se podiam articular e fazer uma ponte de forma a tornar menos burocrático o sistema de toda a inserção dos refugiados.
É um projecto muito sonhador, mas todos os contactos que temos tido, cá e lá, dos Governos de país e de cidade, o que nos têm dito é: “não existe mas pode acontecer”.
Vocês – ateliermob – falam muito em Arquitectura Democrática. Qual seria a definição deste “conceito”?
Arquitectura Democrática é as pessoas sentirem que contam. As pessoas habituaram-se demasiado a não contar…desabituaram-se de reinvindicar e de ter uma palavra. As estratégias que temos vindo a tomar é sempre tendo em conta esse fim, de que as pessoas contam.
No dia 14 de Outubro, Marvila recebe outra edição do Poster e vocês vão lá estar. Qual o tema da vossa participação?
O nosso é muito sobre o tema da gentrificação. A nossa primeira iniciativa de ir para Marvila era para tentar fazer um plano anti-gentrificação. Nós começámos a trabalhar em 2013, 2014 na chamada Marvila Velha, que era a zona das unidades operárias maiores, só que passado um ano e meio de trabalho, chegámos à conclusão que a gentrificação era uma coisa muito profunda nas pessoas, as pessoas estavam gentrificadas por si, já não acreditavam em nada, assumiam que era uma inevitabilidade. Daí nos termos agarrado ao Palácio Marquês de Abrantes como um eixo de intervenção, foi uma transformação. Colocar refugiados ali, é um processo de colocar gente nova, só que gentrificação também tem outra coisa, o termo de origem significa uma recomposição social e nós o que estamos a dizer é que Marvila sempre foi um local de chegada, os bairros de barracas eram lugares de migração de pessoas do interior de Portugal para a cidade, então que mantenha essa presença como local de migração, um território de acolhimento. Mas temos a noção que o temos de ocupar rapidamente, caso contrário o Palácio vai dar um excelente Hotel com um sistema de vistas fantástico. Sê-lo-á se não ganharmos esta batalha.
Como é que olha para a pressão imobiliária na cidade de Lisboa e para o seu rápido desenvolvimento?
Acho que há um discurso muito perigoso anti-turista, que não é o mal, é a consequência. É um discurso que me incomoda muito e que é perigoso. Uma coisa é certa, uma economia baseada em turismo é muito mais instável do que baseada em petróleo, porque com o petróleo consegues medir as reservas que tens, sabes quando é que vai acabar, ainda que sejas afectado por oscilações, sabes quando começa e quando acaba. O turismo não. Basta falar-se num atentado, este nem precisa de acontecer, mas passar na imprensa qualquer coisa, vai-se embora a Madonna. Nas Faculdades de Arquitectura, quando começam a falar se a profissão tem futuro ou não, digo sempre: uma tese com imenso futuro é sobre reconversão de unidades hoteleiras em habitação. Ou seja, a reversão deste processo. Estamos claramente a pensar o urbanismo como no século XX e isso já não tem muito a ver. As cidades de ponta já estão a pensar o urbanismo numa perspectiva muito diferente, mais sustentado, participado. O capitalismo é muito pouco criativo, repete, repete, repete…
Quais são as graves consequências a médio-longo prazo?
A mais grave é aparecer um movimento de extrema direita consistente. O ódio ao turista, ao cigano, ao outro…O que está a acontecer já é muito mau, é a recomposição social e as pessoas estarem sozinhas nesta luta e o Estado não conseguir fazer nada, porque faz leis que o prejudica. Nos últimos anos alterou-se completamente a balança entre proprietários e arrendatários, porque os primeiros podem fazer mais ou menos o que querem. O Estado está cá para tentar almejar um certo equilíbrio e justiça, mas isso foi-se perdendo. Olhando para o lado, para exemplos como Veneza, Barcelona, em estados mais avançados do processo, conseguimos ver muito bem o que nos vai acontecer, embora Barcelona esteja agora na frente da resposta e das políticas públicas, porque chegou mais cedo ao limite. Em Lisboa ainda estamos muito atrás neste processo de resposta.
O que esperas das autárquicas?
Aqui em Lisboa, espero que possa sair uma reflexão sobre um urbanismo mais contemporâneo do Século XXI, que implica participação, sem ser participação como fogo de vista. Regressando à Arquitectura Democrática, se democracia é só colocar um voto de 4 em 4 anos, é porque já não o é. Não pode ser só isso.Mas também há bons exemplos, o Jardim do Caracol é um deles. Imensa gente que se juntou para defender um baldio, para dizer que tinham o sonho de ver ali um jardim e lutar por isso. Foi um exemplo muito interessante e que eu acho que tenderá a acontecer mais pela cidade…
Nas zonas alvo de grandes investidores?
Aí temos de exigir mais. Constitucionalmente, nós temos o direito à habitação previsto, temos também o direito à propriedade. Mas, colocamos sempre, hoje, em todas as leis, o direito à propriedade que prevalece sobre o direito à habitação. Eu acho que devíamos pensar em termos políticos e éticos, se um proprietário tem de facto direito de despejar uma pessoa. Tu dir-me-ás: mas à rendas baixas, houve um congelamento, o proprietário está a financiar um problema social. Tudo verdade. Mas eu também posso dizer: então porque não pensamos numa renda justa?
E o que é uma renda justa? Como se calcula?
Podemos mensurar. Podemos imputá-la ao rendimento das pessoas, imputá-la a zonas e contextos específicos. Podemos encontrar um valor, e aí estamos a regular.