“Assistimos, aqui no centro do Porto, a verdadeiros crimes urbanísticos a um ritmo crescente”
O mais recente prémio chegou-lhes de Toronto e foi atribuído a uma instalação urbana que alia música à arquitectura. No ano em que celebram 10 anos de actividade, João Araújo Sousa e Joana Correia Silva (JJs Arquitectura) dizem que, de futuro, se querem manter com “uma mentalidade aberta”
Ana Rita Sevilha
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Com o projecto “Ensemble”, de João Araújo Sousa e Joana Correia Silva (JJs Arquitectura), foram um dos cinco vencedores da 2ª edição do concurso Ice Breakers Toronto lançado em Agosto deste ano e que promove a construção de 5 instalações de arte urbana na frente ribeirinha da cidade.
Nesta edição, o tema proposto pela organização – numa parceria entre a Winter Stations e a Waterfront BIA/Ports Toronto -, foi “Constellation” – . Com base no tema a proposta dos arquitectos portugueses, “aliou a música à arquitectura para apresentar um instrumento musical urbano que pode ser tocado em simultâneo por várias pessoas ou simplesmente deixar-se tocar pelos ventos gelados do lago Ontário”.
Em entrevista ao CONSTRUIR, a dupla de arquitectos faz uma retrospectiva dos últimos 10 anos à luz da prática, da profissão e do mercado.
Estabeleceram-se em 2008, no epicentro da crise. O que vos levou a tomar essa decisão em tempos tão conturbados?
João Araújo Sousa e Joana Correia Silva: Foi uma decisão natural após terminarmos os nossos cursos e cumprirmos o período de estágio profissional. Coincidiu com um momento em que tomámos a decisão de viver e trabalhar juntos. Inicialmente a parceria profissional teve um carácter mais experimentalista e ocasional, visto que mantivemos outras actividades profissionais em paralelo. Isto durante o período conturbado da crise. Posteriormente, em dedicação exclusiva.
Volvidos quase 10 anos, que análise fazem ao vosso percurso?
Procuramos desde o início explorar caminhos menos percorridos e alargar os nossos horizontes, num percurso de aprendizagem constante. Há 10 anos atrás não imaginaríamos ter abordado determinados temas nos nossos projectos. Nunca adivinharíamos também tantas dificuldades na implementação das nossas ideias. Apesar da experiência se ir acumulando, mantemos um espírito aberto que não nos deixa acomodar.
O que acham que apreenderam do facto de terem nascido e ultrapassado uma crise financeira?
Parece-nos que a profissão de arquitecto sempre passou por crises mais ou menos agudas, e como tal esta fase da nossa história não é muito diferente. Aparte o volume reduzido de encomendas aos arquitectos durante o período que refere, são conhecidas as dificuldades da classe em afirmar a sua importância na sociedade. Felizmente hoje em dia vemos a classe a desenvolver uma melhor relação com o grande público e com os media. Há também mais arquitectos envolvidos em acções políticas. Procuramos nós próprios participar na vida pública e dar o nosso contributo, nomeadamente através da participação activa na política local.
Hoje como sentem o mercado?
O mercado imobiliário urbano tem crescido exponencialmente, como é sabido, crescimento esse acompanhado também por uma maior profissionalização dos seus agentes. Parece-nos que a aposta obsessiva do mercado no sector turístico, rápida e crescente, juntamente com uma fiscalização ineficaz, não favorecem a preservação do património nos centros urbanos e podem mesmo estar a por em causa a herança arquitectónica. De notar que estamos completamente envolvidos na regeneração urbana e apoiamos a transformação de uma parte menos interessante do nosso património construído, mas assistimos aqui no centro do Porto a verdadeiros crimes urbanísticos a um ritmo crescente, perpetrados por alguns indivíduos/entidades que não têm competências para participar na indústria da construção, muito menos ao nível da intervenção no património histórico. Apesar de tudo o mercado da construção civil continua ainda a ser um campo demasiado aberto.
Inovação, identidade, consciência social, são alguns dos objectivos que enumeram no desenvolvimento do vosso trabalho. Pode-se falar numa linguagem JJs Arquitectos?
Regemo-nos por alguns princípios dos quais não nos desviaremos, como a inovação e a consciência social como referiu e também a sustentabilidade económica e ambiental, portanto podemos afirmar que os nossos projectos reflectem essa forma de pensar. Há, nesse sentido, uma tendência para a contenção formal, “minimalista” se lhe quisermos colocar um rótulo, presente no nosso trabalho. Isto não significa, no entanto, que tenhamos adoptado uma linguagem comum e unificadora nos nossos projectos. Pelo contrário. Procuramos explorar sempre novas ideias em cada novo projecto, que se traduzem natural e conscientemente nos mais variados recursos estilísticos e formais. Apesar da reduzida obra construída no nosso portfolio, ou talvez por causa disso, mantemos uma total e crescente abertura relativamente à cultura popular contemporânea e a outras disciplinas artísticas, desde o paisagismo à música, do cinema às artes gráficas.
Quais os grandes desafios com que lidam na prática da profissão?
A angariação de clientes no nosso ramo profissional é um desafio constante. Em conversas que mantemos com alguns dos nossos colegas espalhados pelo mundo percebemos que é um tema transversal e presente nos mais variados países. Isto dever-se-á – como não pode deixar de ser – ao currículo generalista e complexo da formação de um arquitecto. Teremos que encontrar, num futuro próximo, novos meios e formatos de comunicação mais abertos e próximos das pessoas.
Parece-nos também que a desorganização e ineficácia que continuamos a sentir na etapa de obra continua a ser claramente o principal problema da indústria da construção no seu todo. É um problema bem visível no nosso país, muito debatido entre profissionais, mal aceite pela sociedade e mal compreendido pelos clientes. Há alguns passos a serem dados para a sua resolução, nomeadamente a maior aposta por produtos baseados na prefabricação dos componentes, nomeadamente de madeira. O cenário torna-se mais complexo quando sabemos que a exploração da floresta é totalmente caótica no nosso país – basta olharmos para o que acontece todos os anos com os incêndios florestais – e percebemos que não estão a ser criadas as condições para um crescimento em larga escala e a curto prazo desta vertente da indústria, que consideramos fundamental para que hajam mudanças reais.
Venceram actualmente um concurso de Arte Urbana em Toronto. Qual a importância que este tipo de intervenções pode ter numa cidade?
Na era das redes sociais é muito importante para uma cidade ambiciosa no panorama internacional criar e atrair atenções sobre si mesma. A vitalidade de uma cidade mede-se cada vez mais pela capacidade de gerar focos de interesse num fluxo contínuo e isso envolve um grande investimento em novas ideias. Essa é uma perspectiva possível e que certamente motiva muitos agentes (públicos e privados) a avançar com projectos de arte urbana. No caso de Toronto, por exemplo, que é uma cidade onde a indústria do turismo tem ainda pouca expressão, trata-se fundamentalmente de animar uma área urbana e envolver a população em actividades ao ar livre num período difícil, de Inverno rigoroso. Apesar de ser a capital financeira e maior cidade do país, notamos em Toronto que os problemas que afectam o dia-a-dia da sua população e o bem-estar das pessoas são a real prioridade dos seus líderes. Com o nosso projecto Ensemble pretendemos precisamente envolver a população no processo criativo. A nossa instalação é, na sua essência, um instrumento musical à escala urbana, susceptível de ser abordado e tocado livremente pelas pessoas. Aguardamos ansiosamente (com curiosidade) o que possa sair – musicalmente – dessa relação.
O vosso projecto, “The Beacon”, também para Toronto, despertou bastante o interesse dos media. Podem nos falar um pouco sobre essa instalação?
Com o projecto Beacon procurámos introduzir uma componente de acção social num evento temporário de arte urbana como é o Winter Stations, que decorre anualmente numa praia de Toronto. O Beacon foi pensado como um ponto de entrega de donativos durante o período do evento. Enquanto objecto, acabou por se integrar muito bem na envolvente, fundir-se com a praia e a paisagem urbana ao longe, num gesto simples mas marcante. Magnético, desempenhou ainda um papel importante ao atrair as pessoas para a praia e para o evento. Tratou-se, no fundo, de uma reflexão sobre o lugar e a estética deste tipo de equipamentos nas nossas cidades.
Têm participado em vários concursos a nível internacional, o que é que vos leva a responder a estes desafios?
Participar num concurso internacional, muitas vezes aberto a profissionais de várias actividades ou até mesmo à população em geral como é o caso do Ice Breakers em Toronto, não é de todo
uma aposta segura. Concorremos muitas vezes a par com centenas de participantes de todo o mundo, mas temos tido sucesso e sentimos a confiança necessária para arriscar. Continuaremos a participar em todos os eventos que nos suscitem interesse e em que possamos contribuir com bons projectos. São as boas ideias que nos motivam. Por outro lado, representam também uma oportunidade de ouro para estabelecermos contactos e amizades com profissionais e empresas de outras nacionalidades e experiências. E é isso mesmo que tem vindo a acontecer em cada um deles.
Neste momento em que projectos estão a trabalhar?
Estamos a acompanhar a construção de uma obra de reabilitação de moradia urbana, no Porto, já em fase de conclusão. Trata-se do primeiro projecto residencial em que nos foi depositada total confiança. Começamos também já a trabalhar num novo concurso internacional. Devemos nos próximos meses dedicar-nos a novas competições, tanto nacionais como internacionais.
Como olham para o futuro do gabinete?
Continuaremos a apostar no desenvolvimento de conceitos inovadores e favoreceremos soluções com relevo social, qualidade técnica e exequibilidade económica. Não prevemos um crescimento exponencial do gabinete, porque queremos continuar a dedicar-nos intensamente a cada novo projecto/ideia e assegurar a qualidade do produto final. Seguramente iremos manter-nos um pequeno grupo coeso, mas com mentalidade aberta.