“O desenho como uma ferramenta do pensamento”
O primeiro dia de Archi Summit foi dedicado ao desenho e à importância que pode ter – e tem – na representação de um conceito, de uma ideia, de uma textura. Na manifestação de um pensamento, no fundo. Siza Vieira, Francesca Torzo, Joaquim Moreno e Niall Hobhouse dominaram as duas primeiras conferências da edição deste ano, realizada na recuperada Carpintaria de São Lázaro, em Lisboa
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O mote estava dado e o que se seguiu foi uma serena viagem entre Delft, Barcelona, Veneza, Porto e Évora.
A arquitecta italiana Francesca Torzo, secundada pela argucia “provocatória” de Joaquim Moreno, abriu as hostilidades do primeiro dia do Archi Summit, iniciativa que durante três dias reuniu, nas Carpintarias de São Lázaro, em Lisboa, pensadores e arquitectos em torno de conceitos como On Drawing”, “On Building” e “On the Monumental”, temas que tanto podem ser vistos isoladamente ou como um encadear de momentos próprios da prática da Arquitectura. “Simplificando”, nas palavras dos próprios curadores Ivo Martins e Matilde Seabra, “os arquitectos projectam e comunicam com desenhos, constroem, com implicações na gestão de recursos materiais, humanos e económicos e os edifícios construídos podem ter um significado e uma presença que perdura por muito tempo no contexto onde se erguem”.
Exploração da linguagem
Já o havia feito na Bienal de Veneza, no último ano, e Torzo voltou a recuperar as bases da sua exploração da linguagem arquitectónica e mesmo da linguagem dos materiais e construção. Para a arquitecta italiana, há toda uma lógica de investir no esquisso, no desenho enquanto ferramenta para imortalizar uma ideia, um pensamento, uma forma, numa tentativa de materializar soluções. Para Francesca Torzo, o desenho é “onde tudo começa. Não deixam de ser observações que fazemos através do desenho como forma de estabelecer relações entre as partes. Não é um fim, um meio ou um principio, acho que funciona como tudo isso junto”, assegura a autora, entre outros, do projecto de uma nova ala da galeria de arte Z33, em Hasselt, Bélgica, que tem a particularidade de não ser entendido como uma extensão de um espaço existente mas um corpo que ganha sentido pela textura da envolvente ao espaço onde está instalada. Numa área dominada por paredes em tijolo, Torzo tomou a iniciativa de manter a essência do tijolo, mas conferindo-lhes a forma de losango, sem os efeitos das juntas, com um tom vermelho-púrpura que confere à parede uma sensação táctil e intimista. E em todo este “jogo”, predomina o desenho, que Francesca Torzo fez questão de apresenar a um auditório cheio. A autora do projecto desenhou o tijolo, desenhou a sua textura e forma. “Para desenhar um tijolo e captar a sua essência, começas por idealizar uma parede. Um tijolo nunca será apenas e só um tijolo mas a parte de um todo. É textura, é percebermos o seu dimensionamento na relação com a construção. No fundo, acaba por ser uma representação cultural”, diz. “Há um momento em eu tens de deixar o desenho, de deixar que o desenho fale contigo como forma de estabelecer uma ligação entre o ‘todo’. De outro modo, no entender de Toro, “seria como se um actor falasse uma linguagem dissonante e desconexa com o contexto e com a mensagem”. Francesca Torzo entende que, além de um privilégio, é uma vantagem poder ensinar. “Várias vezes proponho aos meus alunos que desenhem uma representação do futuro. Acredito que o desenho é, no fundo, uma representação do que existe, do que conhecemos, mesmo que uma interpretação de quem desenha. E na verdade, damos por nos a perceber que essa representação do futuro acaba, invariavelmente, por ser uma interpretação da continuidade, ou seja, haverá sempre uma perspectiva do futuro à luz do que conhecemos no presente e que antevemos que possa existir daqui a uns anos”, considera, sublinhando que “enquanto arquitectos somos responsáveis por construir uma linguagem que seja entendida pelas gerações futuras”
Organizar ideias
O momento alto da tarde estava, no entanto, reservado para a conversa cúmplice entre Álvaro Siza Vieira, um dos nomes maiores da arquitectura Mundial e Niall Hobhouse, curador, pensador e coleccionador de desenhos, esquissos e maquetas de arquitectura, de onde se destaca parte do acervo do próprio Siza. O Pritzker de 1992, além dos seus méritos, tem a particularidade de “coleccionar” blocos de notas e apontamentos, um hábito que o arquitecto portuense justifica com o início da sua actividade. Siza explica que as distâncias entre o gabinete e os lugares, distâncias longas o suficiente para ter de ocupar o tempo, obrigavam-no a organizar, em papel, as suas observações e o levantamento das conversas com os interlocutores, fossem técnicos ou moradores, muitos deles sem competência técnica.
Cadernos
Tanto quanto é possível condicionar um diálogo fluído a duas balizas, a conversa entre ambos centrou-se no caderno de esboços do projecto de Siza Vieira do conhecido bairro da Malagueira, em Évora, cujo desenvolvimento durou 20 anos, entre 1977 e o ano 2000. O arquitecto português disse que “estava tudo muito claro” e comparou-o inclusive com um trabalho de tricô, “já havia uma ideia e depois umas coisas surgem a seguir às outras, rapidamente e de forma natural”, explicou. “Tentámos combinar as casas tradicionais com as novas casas”, acrescentando que “o objectivo era fazer uma parte nova de Évora, que partilhasse os mesmos valores da cidade medieval”. A determinado ponto do processo, Siza confessou que teve de fazer algumas cedências no que respeita aos projectos das casas, face a exigências de moradores, mas explica que apenas manteve a sua posição nalgumas situações porque “queria autenticidade, não queria conflitos”.
Linguagem própria
Ao todo, o Bairro da Malagueira é formado por 1.200 casas em banda com telhado em terraço, cujo design se destaca pela inovação em termos de tipologias de habitat e morfologia urbana, e consequentes implicações ideológicas e políticas. Da autenticidade preconizada pelo arquitecto português, destaca-se o pormenor do muro do pátio das casas, cuja variação da sua altura opõe dois tipos de pátio: de um muro elevado resulta um pátio fechado e íntimo voltado para a casa, enquanto que um muro baixo dá origem a um pátio aberto que expõe a casa à rua, aberta à comunidade. Destaca-se também o aqueduto ao qual Siza quis conferir um papel simbólico de unificação do bairro. O compromisso de Siza permitiu, por um lado, criar um bairro com uma forte identidade e, por outro, respeitar os modos de habitar numa casa. Apesar da sua densidade e contiguidade, as casas da Malagueira possuem dois dos pré-requisitos que distinguem o habitat individual do habitat colectivo: uma entrada autónoma e ausência de vizinhos, quer em cima quer em baixo. Esta pesquisa salienta igualmente a importância, nesta habitação, de uma variável de importância aparentemente menor: o muro do pátio. A variação da sua altura opõe dois tipos de pátio: de um muro elevado resulta um pátio fechado e íntimo voltado para a casa, enquanto que um muro baixo dá origem a um pátio aberto que expõe a casa à rua. Em contrapartida, a rudeza do acabamento do “aqueduto” (galerias de infra-estruturas- às quais Siza quis conferir um papel simbólico na unificação do bairro) e a não conclusão dos espaços públicos e equipamentos inicialmente projectados por Siza consumam algumas fragilidades, diminuindo o prestígio de um bairro que permanece um complexo residencial periférico.