“Tempestade perfeita” pode comprometer recuperação da economia e crescimento do Sector
Crise na energia, aumento dos custos das matérias-primas e logísticos e falta de mão de obra… A conjuntura não se afigura fácil para a Construção
Manuela Sousa Guerreiro
TdC dá luz verde ao prolongamento da Linha Vermelha
Century 21 Portugal espera “crescimento” nos próximos anos
A estratégia da MAP Engenharia, as casas impressas pela Havelar, o ‘novo’ rumo da Mexto e a TRAÇO no CONSTRUIR 503
Consumo de cimento aumentou 23,6% em Janeiro
Encontro de Urbanismo do CIUL regressa com ‘Há Vida no Meu Bairro’
Autódromo Internacional do Algarve desenvolve CER com SES Energia
Rita Bastos assume direcção da Sekurit Service e da Glassdrive Portugal
Dst ganha obra de 5M€ para Volkswagen Autoeuropa
IP conclui intervenção no Viaduto Duarte Pacheco
Hydro produz primeiro lote de alumínio reciclado com pegada de carbono quase nula
2021 tem sido marcado pelo aumento constante do preço das matérias-primas, entre os 50 a 150% em alguns casos, dos custos logísticos, da energia e dos combustíveis. Soma-se ainda, desde a semana passada, o da incerteza governativa marcado pelo chumbo do Orçamento Geral de Estado. Depois da pandemia, a conjuntura permanece incerta e os próximos tempos não se afiguram fáceis. O CONSTRUIR falou com algumas associações representantes da fileira da construção para perceber de que forma estes factores estão a impactar a actividade das empresas e as perspectivas de investimento futuro.
“O aumento generalizado dos preços da energia e das matérias-primas tem origem no que alguns designam por “tempestade perfeita”, ou seja, uma conjuntura particular onde se combinam: um forte aumento da procura mundial desses produtos na sequência do fim do confinamento decorrente da pandemia; os limites da oferta mundial e o nível reduzido de stocks disponíveis; as perturbações na logística, nas cadeias globais de abastecimento e nos transportes internacionais, que ainda não recuperaram totalmente da crise; o agravamento dos conflitos geopolíticos e geoeconómicos; e, por fim, mas não menos importante, os custos e as incertezas da própria transição energética”, explica Ricardo Pedrosa Gomes, presidente da Associação de Empresas de construção e Obras Públicas e Serviços (AECOPS).
Os culpados deste aumento podem ser todos de cariz internacional, mas os efeitos, esses, já são sentidos internamente e estão a originar a escalada dos custos de construção. “O aumento dos preços começou por ter maior incidência em materiais como o aço, os betumes e o cobre, mas já estamos a viver o início de um ciclo de aumento generalizado dos custos da construção”, refere Ricardo Pedrosa Gomes.
E, no curto prazo, não há como o sector fugir a esta subida dos preços e a escassez de materiais é inevitável. Não há novos mercados, novos materiais ou processos construtivos que funcionem como alternativa eficaz ao impacto da subida dos preços e as possíveis transformações tecnológicas não têm efeito a curto/médio prazo. “O surto inflacionista nos inputs da construção e, nalguns casos, a ausência de materiais criam sérias perturbações na organização dos processos produtivos, na execução das obras e, consequentemente, na relação com os subempreiteiros e com os clientes”, adianta o presidente da AECOPS.
Ricardo Pedrosa Gomes avança que “importa ter presente que uma crise inflacionária desta dimensão, num sector com um ciclo produtivo longo e com um volume muito significativo de obras em curso, orçamentadas antes do surto inflacionário, não pode ser ultrapassada sem que o aumento estratosférico e inesperado dos custos e os atrasos, por ausência de matérias-primas, se repercutam no preço final dos trabalhos, tanto nas obras públicas como nas privadas. Ainda não há falta de materiais e produtos em Portugal, mas já se começam a observar atrasos significativos na sua disponibilidade.
O aumento da actividade da construção à escala global, e em especial na Europa, fruto dos diferentes PRR nacionais, poderá introduzir outra pressão no sector em especial ao nível do custo da mão de obra e da escassez de recursos humanos especializados
“Na ausência de medidas que permitam acomodar as perturbações nos mercados primários internacionais da Construção, podemos assistir a um movimento de conflitualidade entre empreiteiros, subempreiteiros e clientes, com o risco de paralisação das obras, de insolvências e de desemprego, justamente, numa conjuntura favorável, com um momento de forte aumento da actividade e quando o investimento público e a construção desempenham um papel fundamental na recuperação económica. Nesta perspectiva e para não comprometer a recuperação económica, é fundamental mitigar os efeitos da subida dos preços” alerta Ricardo Pedrosa Gomes.
A opinião é partilhada por Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). “Este é um sector que se tem mantido unido durante a crise, o que contribuiu para a dinamização da economia durante este período. Temo que numa conjuntura onde há escassez de materiais e de mão de obra, que será quase inevitável se atendermos ao aumento da actividade da construção por toda a Europa, haja uma maior litigância, que não é de todo o que desejamos”, afirma o responsável.
O compromisso com o clima vs custos de construção
Segundo Hugo Santos Ferreira o cenário de aumento de custos das matérias-primas que temos assistido tem sido um dos principais responsáveis pelo adiamento de projectos imobiliários em especial aqueles que são dirigidos à classe média. “Esta não é uma queixa só da promoção privada, também ao nível de promoção pública se sente esta dificuldade no lançamento de novos projectos. O custo de habitação é uma conta de somar com várias parcelas e neste momento só com os custos da construção ultrapassamos aquilo que uma classe média em
Portugal pode pagar”, constata o presidente da APPII.
Para o responsável existe um outro agravante a este cenário que são “as novas exigências a nível ambiental”. “Estamos todos comprometidos com o ambiente e conhecemos os números: os edifícios são responsáveis por 40% do consumo de energia na europa e por 36% dos gases de efeito de estufa e que 75% do parque edificado europeu não é eficiente. Nos projectos dirigidos a classe média alta e alta os níveis de eficiência energética são altos e esta questão não se coloca, mas pode ser mais um agravante do custo nos projectos dirigidos à classe média”.
Mas este é um factor actual e incontornável. “A Transição Climática é o tema importante da actualidade. A Estratégia de Longo Prazo Renovação do Edificado (ELPRE), identificou a renovação dos edifícios, públicos ou privados, como uma iniciativa-chave para impulsionar a eficiência energética no sector e cumprir os objectivos de descarbonização. A qualidade da intervenção é essencial para melhorar a qualidade de vida e para a mitigação das alterações climáticas, seja por via da eficiência energética e redução/eliminação da pegada carbónica, seja pelo factor tempo e a durabilidade da intervenção, tanto em reabilitação como em construção nova. A construção economicista do menor preço é antagónica aos princípios da sustentabilidade ambiental e aos compromissos de redução de emissões de GEE. É necessário criar programas e instrumentos para investir na durabilidade da construção e reduzir o desperdício de materiais e mão-de-obra”, sustenta Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitectos.
Para estes representantes do sector não é preciso temer a conjuntura. “As coisas são como são e não podemos mudar o que não depende de nós agora devemos, isso sim, é criar as condições para criarmos uma estratégia de longo prazo para o sector”, afirma Hugo Santos Ferreira. “Para reduzir o impacto do aumento dos custos de construção no imobiliário é preciso mexer nas outras parcelas da tal conta de somar, como por exemplo acelerar o licenciamento. Só para ter uma ideia, cada ano de atraso no licenciamento tem um impacto de 500€ no custo do metro quadrado. Em Lisboa e no Porto os licenciamentos dos projectos chegam a demorar 4 a 5 anos”, refere Hugo Santos Ferreira. O IVA dedutível na habitação nova, as Green Bonds e a utilização eficaz das verbas do PRR destinadas à habitação são alguns dos factores que podem contrariar os efeitos da conjuntura e alavancar a construção imobiliária.
A Transição Digital é outro desafio e coloca-se simultaneamente no desenvolvimento das
ferramentas BIM – Building Information Modeling. “É necessário apoiar técnica e financeiramente as diversas empresas e agentes do sector na transição digital para o sistema BIM, com especial atenção para as entidades licenciadoras, câmaras municipais, direcções regionais, direcções nacionais. Este sistema introduz uma nova lógica de projecto, com o objectivo de reduzir omissões de projecto, aumentando a produtividade e acelerando o tempo de projecto. Esta transição deve ter eco no controle prévio dos projectos sendo necessário rever a legislação em vigor, de modo a permitir a entrega dos projectos em modelo BIM para licenciamento ou comunicação prévia nas câmaras municipais e/ou outras entidades nacionais ou regionais” acrescenta Gonçalo Byrne.
2022 entre expectativa e apreensão
Por enquanto, os efeitos a média e longo prazo desta crise do investimento e a sua, eventual, repercussão no crescimento do sector são incertos. Ainda assim, “há três notas que importa reter para perspectivar a dinâmica futura do Sector: em primeiro lugar, a incerteza sobre a duração da crise inflacionária internacional nos mercados internacionais das matérias-primas e da energia, que depende da eficácia e da coordenação da resposta global aos factores da crise, da gestão internacional da procura e da oferta; em segundo lugar, o risco e o nível de propagação desta inflação primária ao conjunto da actividade económica e aos mercados financeiros. A estabilidade macroeconómica da economia mundial depende da capacidade de evitar que a inflação se torne num problema estrutural. De facto, se a inflação não for controlada os seus efeitos na gestão da política monetária pelos Bancos Centrais e, por consequência, no nível das taxas de juro, na disponibilidade de crédito e na sustentabilidade da divida pública e privada não deixarão de comprometer a evolução do mercado imobiliário global, a capacidade de investimento público dos vários países e, como tal, o crescimento do Sector; em terceiro lugar, a continuidade da actual política monetária. Na verdade, se não existir uma alteração significativa da política monetária por parte dos Bancos Centrais, assegurando a liquidez dos mercados, o crescimento dos custos da construção resultante da conjuntura actual não deverá alterar o ciclo de taxas de juro baixas, a dinâmica de valorização dos activos imobiliários e, portanto, não deverá comprometer o investimento imobiliário”, relembra Ricardo Pedrosa Gomes.
A instabilidade política interna adensa a incerteza e pode adiar por alguns meses o investimento público. “No entanto, continuam a parecer-nos realistas, desde logo pelo efeito dos fundos comunitários, as perspectivas favoráveis de desempenho da economia portuguesa em 2022, partilhadas pela generalidade das instituições internacionais e pelo Banco de Portugal”, defende o presidente da AECOPS