“Os efeitos da guerra serão tremendos no abastecimento das matérias-primas”
À margem dos efeitos nefastos sobre milhões de vidas, a invasão da Ucrânia por parte das forças militares russas terá sérias consequências nas economias europeias. Ao aumento das taxas de inflação generalizadas, os custos energéticos e o abastecimento de matérias-primas serão fortemente afectados. O CONSTRUIR procurou reacções junto dos sectores metalúrgico e corticeiro, dos mais expostos aos mercados russo e ucraniano

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A ofensiva militar lançada pelo presidente russo, Vladimir Putin, contra a Ucrânia, assim como a feroz reacção financeira do Ocidente sobre a economia e os oligarcas russos, por via da aplicação gradual de sanções, está a ter efeitos não apenas na Rússia como na generalidade dos países. Por muito que as finanças globais estivessem sob pressão antes mesmo da ofensiva bélica sobre a Ucrânia, agora as repercussões das sanções sacodem os mercados e têm efeitos na inflação, desde logo a partir da indústria energética.
Dois dos principais blocos económicos, como a União Europeia e Estados Unidos, têm divulgado regularmente planos de sanções severas e sem precedentes a aplicar ao Governo da Rússia e quem dele tenha beneficiado nos últimos anos. A começar, desde logo, pela exclusão dos bancos russos da plataforma de transacções interbancárias internacionais (Swift) ou mesmo o congelamento do recurso do Banco Central da Rússia às suas reservas de dólares no Mundo. O relatório da JPMorgan destaca que as sanções, que já congelaram 630.000 milhões de dólares (cerca de 559.000 milhões de euros, à taxa de câmbio actual) das reservas do Banco Central russo, procuram “infligir danos significativos à economia russa, mantendo o fluxo de exportações de petróleo e gás natural russos”. Também alertam que as tensões entre a Rússia e a Ucrânia “podem ter um efeito substancial nos preços de outras matérias-primas, como trigo e, mais importante, paládio, que é essencial para produzir semicondutores e onde a oferta é restrita nos últimos anos”. A União Europeia diz que planeia reduzir as importações do gás natural em pelo menos dois terços. Uma estratégia menos severa pela dependência que têm da energia russa.
O peso de Rússia e Ucrânia
Segundo o portal do AICEP, que cita dados do INE, a Rússia foi o 34º cliente das exportações portuguesas de bens em 2020, com uma quota de 0,3% no total, ocupando a 16ª posição ao nível das importações (0,8%). A balança comercial de bens foi desfavorável ao nosso país, tendo apresentado um défice de 335 milhões de euros em 2020. Na estrutura das exportações destacam-se os Produtos Agrícolas (17,4% do total), a Madeira e Cortiça (17,2% do total), os Produtos Alimentares (15,7% do total), as Máquinas e Aparelhos (13,3% do total) e o Calçado (9,4% do total). Os principais grupos de produtos importados foram os Combustíveis Minerais (53,6% do total), os Produtos Químicos (14,7% do total), os Produtos Agrícolas (12,3% do total), os Metais Comuns (10,5% do total) e a Madeira e Cortiça (3,5% do total).
Efeitos “tremendos”
Ao CONSTRUIR, o vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), Rafael Campos Pereira, explica que “a Rússia é o segundo maior produtor mundial de alumínio, sendo ainda, a larga distância de qualquer outro, o primeiro produtor europeu”, sublinhando ainda que “no que se refere à produção de aço, a Rússia é igualmente o líder europeu e mantém-se regularmente entre os cinco maiores produtores mundiais”. Campos Pereira considera, por isso, ser natural que “os efeitos da guerra sejam tremendos na cadeia de abastecimento das matérias-primas em causa”. O vice-presidente executivo da AIMMAP assegura que “existe falta de matéria-primas no mercado e assiste-se a uma nova escalada dos preços. Em alguns casos, os preços estão a aumentar diariamente e quase que dobraram desde o início da invasão russa”, salientando que “a instabilidade que esta situação gera nas empresas transformadoras é altamente inquietante”.
Nesse sentido, aquele responsável defende que é “absolutamente vital que a Comissão Europeia elimine – ou pelo menos suspenda temporariamente -, as taxas impostas à importação de matérias-primas de fora da Europa”. “Tal eliminação já se impunha antes da guerra. Neste momento, após a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, poderá ser decisiva para a sobrevivência de muitas empresas do sector metalúrgico e metalomecânico em toda a Europa”, assegura, lembrando que, na verdade, “os fornecedores asiáticos – nomeadamente da Coreia do Sul e do Japão -, disponibilizam as matérias-primas de que as nossas empresas necessitam a um preço muito mais competitivo (mesmo considerando os absurdos custos de transporte). Mas se a CE continuar a taxar tais importações aumentando o preço mais de 25%, deixamos de ter alternativa”.
Crise energética preocupa
Tão gravosa como a crise da matéria-prima, Rafael Campos Pereira lembra que “os aumentos exponenciais dos custos da energia estão a asfixiar as empresas”. “Esta escalada deve-se essencialmente a especulação. Pelo que as autoridades europeias estão obrigadas a intervir em defesa do mercado”, diz, defendendo que é fundamental que, em Portugal, sejam aprovadas linhas de crédito em condições especiais a gerir pelo Banco do Fomento, no sentido de apoiar a factura energética das empresas ou que seja aplicada, de forma imediata, uma medida semelhante ao lay-off simplificado, para apoiar as empresas que serão obrigadas a reduzir os seus períodos de trabalho por causa dos custos energéticos e/ou serão obrigadas a interromper ou diminuir a produção pela falta de matérias-primas e componentes.
Cortiça não está imune
Preocupados estão também os responsáveis da Associação Portuguesa da Cortiça. João Ferreira, secretário-geral da APCOR, diz ao CONSTRUIR estar ciente de que deste conflito resultarão impactos económicos “aos quais o sector não estará imune, desde logo naquilo que são as exportações para estes dois países, mas também de um ponto de vista mais global no impacto que poderá provocar nalguns dos nossos clientes”. A Rússia e a Ucrânia em conjunto representaram menos de 3% do volume total de exportações nacionais de cortiça em 2021. As exportações portuguesas de cortiça para a Rússia representaram, em 2021, cerca de 2,3% do total de exportações do sector, o equivalente a cerca de 26,6 milhões de euros, tendo este mercado registado uma quebra acentuada de 30% no acumulado ao longo dos últimos dois anos. Em 2021, a exportação de cortiça para a Ucrânia representou 0,4% do total do sector, representativo de um valor absoluto de quase cinco milhões de euros. “É seguro que nestes dois mercados haverá uma redução significativa e com efeitos imediatos, mas é importante ter também a perspectiva, do peso que representam na globalidade das exportações, que alcançaram em 2021 um valor superior a 1,1 mil milhões de euros e com uma forte diversificação geográfica”, diz João Ferreira. Os responsáveis da associação asseguram que vão
avaliar a situação de alguma empresa que possa ter uma exposição maior a estes dois mercados e, acompanhar também, “os potenciais impactos mais globais do conflito e que efeitos terão na actividade de alguns dos nossos principais clientes”. “Tal como noutras crises, estamos determinados e ao lado das empresas para, em conjunto, encontrar formas de mitigar os efeitos, apostar na diversificação de produtos e mercados e desta forma manter o nosso objectivo de crescimento”. O CONSTRUIR procurou ainda saber, junto das consultoras imobiliárias, que efeitos terá este conflito ao nível do investimento. De nenhuma obtivemos interesse em reagir, argumentando que ainda estamos numa fase prematura para se identificar os efeitos da guerra ao nível do investimento imobiliário.