Os desafios da construção, enquanto indústria e setor
Definir processos e práticas diferenciadas que ajudem a alcançar uma meta nZEB (near Zero Energy Building) terá de ser uma obrigação do setor, sendo que objetivos ambiciosos para a implementação deste tipo de soluções devem ser legislados pelas entidades europeias e nacionais
Depois de anos de tempestade, a construção atravessa uma fase de crescimento, beneficiando de investimentos em áreas como a habitação, serviços, infraestruturas, entre outras. Os indicadores parecem apontar para uma evolução favorável, não obstante a crise pandémica e o consequente impacto desta na economia.
O dinamismo do setor fica bem patente nos investimentos realizados no imobiliário, traduzido nos números crescentes dos licenciamentos, dos projetos em desenvolvimento ou da concessão de créditos para a compra de casa.
Contudo, apesar do cenário de aparente bonança, a construção enfrenta desafios importantes que devem ser endereçados o quanto antes, sob pena de penalizarem severamente o setor. Desafios a assumir pelos profissionais da indústria e pelas entidades oficiais, dada a sua relevância e abrangência.
Em termos de grandes desafios estruturais, destacam-se a escassez e qualificação de mão de obra, assim como o caminho rumo à sustentabilidade ambiental e descarbonização do setor. A escalada dos custos dos materiais é outro desafio imediato que a nossa indústria enfrenta e que coloca em risco empresas e projetos.
Atualmente o principal problema que enfrentamos é a mão de obra. Neste caso, a sua falta. A dificuldade crescente em encontrar mão de obra, qualificada e até não qualificada, tem sido um severo obstáculo para a construção civil e não será de prever que se altere no futuro, a não ser que algo seja feito. O recurso a mão de obra estrangeira parece ser a solução que se avizinha como mais imediata e capaz de fazer face a este problema estrutural da economia portuguesa, uma vez que não é um exclusivo da construção. Esta questão carece de uma resposta integrada dos vários envolvidos, desde empresas, associações e Governo. É necessário criar condições para receber e integrar emigrantes, para que se fixem em Portugal e aqui possam ajudar a criar valor. E este desafio leva-nos também inevitavelmente para a “industrialização” e digitalização do setor, como caminho para responder à falta de mão de obra. É crítica a aposta na tecnologia como vetor de desenvolvimento da construção. Só com investimento na inovação, estimulando a procura de novos processos e técnicas, poderemos lançar o setor para as próximas décadas e reduzir a dependência da mão de obra intensiva.
Conduzir a construção civil para a sustentabilidade ambiental deve também ser encarado como um desafio prioritário a assumir pelas empresas de AEC. A urgência climática e o legado para as futuras gerações a isso nos obriga. A problemática da economia circular, da eficiência energética, da minimização da pegada ambiental e da redução dos custos de operação devem estar no centro da nossa acção. Definir processos e práticas diferenciadas que ajudem a alcançar uma meta nZEB (near Zero Energy Building) terá de ser uma obrigação do setor, sendo que objetivos ambiciosos para a implementação deste tipo de soluções devem ser legislados pelas entidades europeias e nacionais. No imediato, projetos de construção sustentável, que reflitam estas preocupações, devem ser potenciados, por exemplo através de benefícios fiscais.
Noutro ângulo sobre o setor, os custos da construção têm vindo a subir há alguns anos. Após um período em que foi a mão de obra a inflacionar os preços, nos últimos longos meses, tem sido o custo das matérias-primas e dos materiais a dar o maior contributo para esta escalada. Recordes de preços são batidos diariamente, em produtos como aço, cerâmicos, betão, vidros, madeiras e derivados, entre outros. Esta realidade, agravada pela guerra na Europa, não tem um aparente fim à vista. Nos projetos em curso, com especial foco nos investimentos privados, os construtores veem-se quase sempre obrigados a assumir os custos, pois a tendência é para preços globais não revisíveis. Se o dono de obra não estiver sensibilizado para esta problemática, e tradicionalmente não está, não existindo mecanismos de revisão de preços, podemos ter situações muito preocupantes.
Nos novos projetos, é missão “impossível” conseguir fazer um orçamento realista, o que obriga os construtores a procurar estratégias para se defenderem. Isto pode conduzir a que muitos projetos não vejam a luz do dia ou sejam adiados, até porque com a inevitável subida exponencial do custo metro quadrado final, o produto final pode ficar de tal forma onerado que não seja possível colocá-lo futuramente no mercado.
Como tal, urge intervir no setor, definindo mecanismos equilibrados que defendam os interesses de todas as partes, aplicáveis inclusivamente a projetos em curso. O risco é termos uma indústria a preferir abrandar do que colocar a sua sustentabilidade em causa. A título de exemplo, com o PRR ao virar da esquina, não será difícil imaginar que se nada for feito, muitos concursos irão ficar desertos.
NOTA: O Autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico