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    Opinião

    Tinta da China

    “Viremos a página. Mudemos de tinta. Quando assim for, e uma vez alterado o método, poderemos deixar definitivamente de contribuir para a proliferação do erro e retirar da tecnologia o proveito que ela merece”

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    Tinta da China

    “Viremos a página. Mudemos de tinta. Quando assim for, e uma vez alterado o método, poderemos deixar definitivamente de contribuir para a proliferação do erro e retirar da tecnologia o proveito que ela merece”

    Sobre o autor
    Filipe Villarinho

    Já praticamente não há memória, mas o Desenho Técnico, antes da transformação digital, era feito manualmente com recurso a uma certa tinta preta do Oriente que marcava permanentemente o papel. Nessa época, para remover e substituir um traço, o tempo necessário de revisão era significativo e a tarefa quase cirúrgica de estilete numa mão, borracha na outra e o tira-linhas a postos ao lado do compasso e do transferidor. O desenho era único, cada alteração meticulosa, o impacto de qualquer modificação sempre previsível e reflectido; a transmissão da informação ponderada. A representação interpretativa do objecto seria sempre escrupulosamente executada em projecções geométricas bidimensionais de referencial cartesiano genialmente inventado em plena Revolução Científica na Europa. No passado, o que se perdia em tempo ganhava-se em precisão.

    Entretanto, a introdução das tecnologias informáticas conduziu a uma prática diferente, ainda que baseada nas mesmas normas centenárias de representação gráfica. O desenho assistido por computador (vulgarmente conhecido por CAD) possibilita a revisão quase imediata de uma planta, alçado ou corte e – quando não coerentemente articulada entre as diversas peças – esconde-se e perde-se na memória do computador onde se armazena. Contudo, é esta tecnologia que, se o desejarmos, nos permite instantaneamente partilhar e replicar até à exaustão o algoritmo, a tarefa e o ficheiro; que por sua vez é escalável, copiável, clonável e facilmente propagado contendo uma quantidade de informação que muitas vezes ultrapassa o concebível. Hoje, o que se ganha em tempo perde-se em controlo.

    Ou seja, a este respeito, estamos no ponto em que o uso da tecnologia permite mecanizar os processos, mas não ainda a sua completa racionalização.

    Na indústria que represento existe, actualmente, um desfasamento entre a tecnologia disponível e a prática desejada. Nem as técnicas do passado são adequadas às ferramentas actuais, nem a adaptação dos métodos ancestrais de trabalho à digitalização moderna nos garante os melhores resultados. Antes pelo contrário, os erros proliferam pela facilidade da sua reprodução. A manutenção da antiga norma de representação gráfica – sem o reconhecimento de que os instrumentos mudaram – não conduz necessariamente ao sucesso, antes criando problemas novos que urge eliminar.

    Somente a migração em definitivo da representação interpretativa plana em 2D para uma modelação da realidade em ambiente virtual tridimensional nos permitirá a adequada adaptação da tecnologia à indústria e ao desenvolvimento do negócio. A fase de transição actual não deverá prolongar-se mais. Em certo sentido, é o equivalente a usar um moderno laptop com se fosse apenas uma máquina de escrever.

    O mundo já se encarregou de aproximar as civilizações através do acesso generalizado e globalizado à informação. Chegou a hora do Imobiliário e da Construção atravessarem finalmente a ponte que separa Silicon Valley do compromisso entre a ciência europeia e o traço Oriental.

    O elo de ligação é conhecido por “Building Information Modelling” (vulgarmente designado por BIM). Trata-se da melhor adaptação das ferramentas actuais aos desafios que continuamos a ter pela frente. No entanto, dificilmente será robusto sem a necessária rotura com a prática actual. Através do conjunto planta-alçado-cortes mantemos viva a solução interpretativa cartesiana que, quando não acompanhada por um método meticuloso, deixa um rasto difícil de decifrar e controlar. Estamos a dar os primeiros passos, mas isso ainda não se nota no terreno. Nas universidades ainda mal se vê e a indústria sofre à espera. Até lá, convivemos com ineficiências sabendo que temos ao alcance meios para as evitar sem que os mesmos tenham a sua completa utilização.

    O acesso à informação, transferida pelos potentes sistemas de comunicação que o progresso coloca ao nosso dispor, representa para todos uma vantagem inegável. Mas, estaremos todos a tirar o melhor partido daquilo que temos nas nossas mãos?

    Uma grande parte do dia-a-dia da das empresas consiste na seleção, classificação, tratamento, análise e posterior retransmissão dos dados recebidos; complementados com mais dados que os destinatários acrescentam. Trata-se de um ciclo que permite com grande rapidez resolver os problemas de forma cada vez mais sistematizada. Nos empreendimentos imobiliários que envolvem construção – e, portanto, o desenvolvimento de um desenho que permita transmitir a informação previamente concebida a quem a executa – a realidade não é diferente. A correcta comunicação e transmissão da visão, do engenho e da arte é fundamental e – para que o conceito se concretize – a norma estabelecida pode já ser desadequada.

    Não deixemos que as práticas históricas do nosso negócio funcionem como obstáculo ao correcto usufruto tecnológico.

    Viremos a página. Mudemos de tinta.

    Quando assim for, e uma vez alterado o método, poderemos deixar definitivamente de contribuir para a proliferação do erro e retirar da tecnologia o proveito que ela merece. É, cada vez mais, inevitável que todos os interessados se renovem e se encontrem definitivamente com a evolução.

    NOTA: O Autor escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico

    Sobre o autorFilipe Villarinho

    Filipe Villarinho

    Filipe Villarinho, project manager de Project & Development Services na Cushman & Wakefield Portugal
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