‘A responsabilidade da obra deve ser proporcional a todos os intervenientes’
Em conversa com o Construir, Victor Carneiro, presidente da APPC, dirigiu-se às questões que têm feito parte da ordem do dia no país.
Pedro Cristino
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Em conversa com o Construir, Victor Carneiro, presidente da APPC, dirigiu-se às questões que têm feito parte da ordem do dia no país. Os grandes empreendimentos públicos, o Código da Contratação Pública e a questão da licenciatura da engenharia foram analisadas pelo experiente engenheiro.
O anúncio da reavaliação da concessão das Auto-Estradas do Centro deixa, de alguma forma, os membros da APPC apreensivos?
Os grandes projectos de infra-estruturas são muitos. Não se resumem ao aeroporto e ao TGV. O TGV, por exemplo, tem várias linhas. Portanto, é importante percebermos o enquadramento em que as obras são colocadas e são recalendarizadas. Porque não podemos falar do TGV de uma maneira única, porque o que chamamos de projecto da Alta Velocidade em Portugal implica um investimento à volta dos 15 mil milhões de euros, só nas infra-estruturas, e falando do troço Poceirão-Caia, são 3 mil milhões. Há que ver o que fica adiado e o que será feito de uma forma mais imediata. Tudo isto tem a ver com um faseamento na construção destes empreendimentos, porque todos eles são necessários. Foram estudados, planeados, e são necessários para o desenvolvimento da nossa sociedade. Agora a questão consiste em definir a calendarização.
O TGV e o aeroporto são prioritários?
São necessários porque as condições de acessibilidades e de mobilidade, assim o exigem. Agora só podemos fazer aquilo que as condições económicas e financeiras nos permitem e é dentro disso que estes projectos devem ser equacionados. À volta deste tema, há que ter uma grande serenidade na abordagem e não embarcar numa onda, que pode ser de pânico ou especulativa. O Governo tem que actuar em função destas condições.
Enquanto membro da Comissão de Acompanhamento do Código dos Contratos Públicos, quais são as funções da APPC?
Consistem em produzir documentos e opiniões no sentido de, eventualmente, o Código ser melhorado, naqueles aspectos que sejam considerados, na prática, menos conseguidos, ou menos adequados, àquilo que são os objectivos.
Em que aspectos o Código deveria ser melhorado?
Um aspecto que tem de ser reflectido e trabalhado refere-se à proporcionalidade da responsabilidade dos vários actores no âmbito das empreitadas. No nosso ponto de vista, há aqui uma desproporção de responsabilidade relativamente àquilo que é a intervenção dos projectistas no âmbito de uma obra. Nós defendemos a existência da responsabilidade, mas ela tem de ser atribuída, de forma proporcional, aos vários intervenientes.
De que forma é desproporcionada?
A responsabilidade muito grande relativamente ao processo de erros e omissões das empreitadas. Quando existe um erro de uma medição, é desproporcionado que essa falta de medição seja atribuída na totalidade ao projectista. Se há um erro na medição, é porque aquele trabalho não está contabilizado como tendo sido feito, mas ao ser feito, é desproporcionado que o projectista seja responsabilizado por uma proporção daquilo que é a obra em si, retirando a responsabilidade ao dono de obra de pagar os serviços e as obras que contrata e manda fazer. Não há uma distinção explícita entre aquilo que são os erros de medição e os erros de concepção. Um erro de concepção tem que ser da responsabilidade do projectista, mas as consequências de erros de medição não devem ser atribuídas exclusivamente ao projectista.
A quem devem ser, então, atribuídas as responsabilidades?
O processo de construção reúne um conjunto alargado de actores cujos interesses comuns consistem na realização da obra e na qualidade da mesma. Contudo, os interesses económicos são diversos e cada um terá de assumir a sua responsabilidade no seu campo específico. Defendemos que cada um deve ser responsável pelos actos que são da sua responsabilidade, em que pode e deve intervir. Por isso o projectista deve ser sempre chamado e estar envolvido no acompanhamento da obra para que possa pronunciar-se, e ao fazê-lo, assumir a responsabilidade daquilo que está a fazer.
E actualmente é chamado?
Nem sempre. Isso depende dos donos de obra.
Não há legislação nesse sentido?
Não há uma legislação, embora a portaria que anexa o Código da Contratação Pública, defina os termos em que um projecto e os vários serviços de engenharia se organizam. Define o que é um estudo prévio, um projecto de execução, o que é uma assistência técnica ou o que é uma assistência técnica especial. Mas isto é uma portaria, é uma recomendação e nem sempre os donos de obra contratam com a dimensão e a com a profundidade que aqueles serviços possam eventualmente exigir. Há obras mais complexas que exigem maior intervenção e obras menos complexas, em que a intervenção pode ser menos pesada. Isto acaba por depender das relações contratuais que se estabelecem, em termos do objecto dos serviços, e da remuneração desses mesmos serviços.
Além desta questão, existem mais pontos no Código de Contratos Públicos que devam ser objecto de melhoria?
A prática tem vindo a trazer ao de cima uma situação que consideramos extremamente preocupante e que consiste na fixação dos preços de base. Em teoria, é perfeitamente aceitável que um dono de obra, quando lança alguma obra e pretende contratar serviços, defina quanto é que, na sua óptica, estes serviços devem custar. Contudo, tem havido uma tendência para a degradação desses preços de base e, cada vez mais, os donos de obra colocam preços de base mais baixos. Por outro lado, o Código admite que os preços possam ir até 50% daquilo que é o preço de base que o dono de obra estabeleceu e só a partir daí é que consideram que é um preço anormalmente baixo. Mesmo um preço anormalmente baixo pode ser aceite pelo dono de obra, e normalmente tem havido uma tendência para serem aceites, mediante uma explicação que o concorrente dá. Como consequência disto, em primeiro lugar, o mercado tem a tendência para ir para os preços mais baixos possíveis, numa política que pode ser suicidária e ir ao encontro da degradação completa das condições do mercado.
Que consequências poderá ter esta situação?
Poderá provocar concorrência desleal e concorrência suicidária. A outra consequência pode ser a degradação completa da qualidade dos serviços. Este tema tem de ser muito bem ponderado e tem de ser encontrada uma forma para solucionar esta situação.
Como pode ser encontrada essa forma?
Temos que trabalhar nesse sentido. A Comissão de Acompanhamento deve ser um fórum em que as propostas são apresentadas, discutidas e, depois avaliadas. A decisão ficará sempre ao critério do legislador, que é quem nos convida para uma Comissão de Acompanhamento.
Não é demasiado grande a margem de 50% abaixo do preço de base?
Achamos até que é absurda e não percebemos porque é que nos serviços esta margem é de 50% e nas empreitadas é só de 40%.
A questão do termo “licenciado” em Engenharia tem estado a provocar alguma discussão dentro da classe. A seu ver, a actual licenciatura concede os conhecimentos necessários para os licenciados exercerem engenharia?
É um tema relativamente ao qual as ordens profissionais têm a obrigação de defender a formação profissional dos seus aderentes e o respeito pela actividade profissional que os seus membros exercem. As empresas associadas à APPC empregam membros das várias ordens profissionais. No que respeita à questão da competência, em Portugal ligamos muito aos títulos e menos aos conteúdos. Os conteúdos e a formação que os estudantes obtêm no fim das suas formaturas é que são fulcrais, tal como a sua formação profissional.
Portanto o termo licenciado não é a questão fundamental…
Temos de ter regras para funcionar. Agora, podemos ter licenciados pós-Bolonha com uma excelente performance profissional e licenciados antes de Bolonha com uma performance menos eficaz.
Enquanto profissional que lida diariamente com profissionais da área da engenharia, observa que existe qualidade na engenharia portuguesa?
Sim. A engenharia portuguesa tem qualidade, compete em qualquer mercado e não temos de ter qualquer complexos quanto à engenharia e à arquitectura portuguesas.