‘A resposta que o mercado precisa exige este tipo de formação’
Em entrevista ao Construir, Vítor Rodrigues, Business Manager da TÜV Rheinland

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Em entrevista ao Construir, Vítor Rodrigues, Business Manager da TÜV Rheinland e Manuel Carvalhosa, arquitecto e formador do novo curso da empresa, esplicaram o programa e os objectivos da nova formação
O que vai abordar, de uma forma geral,o novo curso de Projecto Sustentável e RCCTE da Academia TUV?
Vítor Rodrigues: Eu começava por fazer uma apresentação. Eu tenho a responsabilidade das áreas das energias na TUV, quer seja a nível técnico ou da academia para a formação. Este curso aparece por necessidades que sentimos no mercado, e o arquitecto Manuel Carvalhosa, que colabora connosco há imenso tempo em várias áreas, desde auditoria a formação e algum apoio técnico, foi a pessoa que nos ajudou a desenvolver este curso, porque ele próprio tem desenvolvido bastante trabalho nesta área, relacionada com os regulamentos e com as necessidades em termos de arquitectura bioclimática e suas novas soluções.
Manuel Carvalhosa: O curso nasceu de facto um pouco por sentirmos que existia uma lacuna ao nível destas novas áreas, quer da parte térmica dos edifícios e da nova regulamentação do RCCTE, quer das novas exigências regulamentares da térmica, fazendo depois a ligação à segurança contra incêndios e à acústica, sempre numa perspectiva do que é a sustentabilidade e o projecto sustentável. Existe de facto um défice em termos de formação de base nas áreas de arquitectura relativamente a estes contextos regulamentares. A formação académica em termos de arquitectura é um pouco mais filosófica, virada para a prática projectual pura, e no fundo o que se pretende é que os profissionais que estão no activo tenham aqui a oportunidade de adaptar a sua prática profissional a estas novas problemáticas, quer regulamentares, quer às questões de sustentabilidade. Os regulamentos técnicos têm evoluído nesse sentido, a nova directiva dos edifícios está também a evoluir no sentido do projecto sustentável, e por isso há que fazer uma actualização dos profissionais que estão no activo no sentido de se adaptarem às novas exigências na sua prática do dia-a-dia.
Então o grande objectivo do curso é colmatar uma falha académica e que por consequência existe no mercado?
Vítor Rodrigues: Exactamente. E servir também como uma actualização profissional. Porque a evolução que tem havido ao longo dos últimos anos, quer dos regulamentos, quer destes paradigmas de sustentabilidade, obriga a que as pessoas que estão no activo tenham uma actualização em termos formativos para se adaptarem a estas novas circunstâncias. Para além das tecnologias emergentes, que o curso também aborda, e nós temos feito uma aposta muito grande em termos formativos à volta das energias renováveis, e dessas tecnologias, que neste curso em concreto também serão abordadas, porque existem várias soluções tecnológicas que devem ser aplicadas e que vai ao encontro do que estava a dizer o arquitecto Manuel Carvalhosa. A evolução tem sido tão rápida que a actualização sobretudo ao nível da arquitectura para conseguir adequar-se aos regulamentos, exigências e também a estas tecnologias, que são soluções para aumentar a sustentabilidade do próprio edifício, é precisa.
E estamos a falar de um curso com quanto tempo de duração?
Vítor Rodrigues: 40 horas. Normalmente os cursos são feitos de forma modular, em que os módulos são dados em regime pós-laboral e em módulos de quatro a oito horas. Neste caso concreto são 40 horas divididas neste sistema de módulos.
Existem pré-requisitos, ou aconselham outros cursos antes de frequentar este?
Manuel Carvalhosa: O curso é muito vocacionado para arquitectos e projectistas. Como é que em termos de conteúdo programático nós temos isto faseado? Começamos com uma introdução à térmica dos edifícios que está muito ligada aos consumos de energia e à sustentabilidade. Depois abordamos esta compatibilização com a parte térmica, segurança contra incêndios e acústica, porque tem implicações em termos da pormenorização construtiva. Temos depois a parte tecnológica com tudo o que é sistemas de energia renováveis, desde o solar térmico aos outros sistemas que estão a começar a aparecer para complementar. Porque é que temos esta parte dos sistemas renováveis e como é que se integram no projecto? Porque a nova directiva e a comunidade está a apontar para a obrigatoriedade por volta de 2020 de chegarmos a um conceito que são os “Near Zero Energy Buildings”, ou seja, chegou-se à conclusão que para ter um “Zero Energy Building”, em termos de preço é muito elevado, mas para ter o quase edifício de consumo zero, com a integração de algumas soluções tecnológicas existentes a nível das energias renováveis e com uma grande aposta na parte térmica dos edifícios, se calhar conseguimos lá chegar com alguma facilidade. Daí a integração desta parte das energias renováveis no curso. Por outro lado, antes desta parte tecnológica estão conceitos da arquitectura solar e bioclimática, que pode parecer um pouco desgarrada da prática projectual, mas que é precisamente o contrário, porque é o que os arquitectos fazem desde que existem, mas que se esqueceram um bocado nos últimos vinte ou trinta anos, e que é no fundo adaptar o projecto ao local, em termos não só de integração com a envolvente mas também especialmente com a integração em termos do ambiente local. São conceitos que sempre estiveram muito ligados à arquitectura, porque não são mais do que tirar partido do sol e do ambiente quando se está a fazer a concepção do projecto. É pensar como vamos tirar partido da radiação solar e da temperatura exterior dos locais, para de forma passiva reduzir ao máximo a necessidade de colocar equipamentos que consomem energia para atingirmos níveis de conforto no interior dos edifícios. Depois temos também uma última parte, do projecto sustentável, que fala do que é a sustentabilidade nos edifícios e de como temos que analisar um edifício para perceber se é sustentável ou não. Isto parte não só dos consumos imediatos e daquilo que se gasta na construção, mas também tem que ver com os próprios materiais e a sua origem. Para além disso devemos fazer a análise do ciclo de vida dos edifícios, desde a origem dos materiais, passando pela fase do projecto, da construção e também pela utilização que é a mais importante de todas. Quando projectamos um edifício fazemo-lo para durar 50 ou 100 anos e para analisar a sustentabilidade desse edifícios temos de analisar todo o seu ciclo de vida. Esta análise é muito importante, porque é durante a utilização que estão cerca de 80 a 85% dos consumos de energia e de água. Portanto, tudo o que for racionalizado na fase de projecto de forma a reduzir consumos de energia e de recursos durante a fase de utilização tem um impacto brutal no ciclo de vida dos edifícios, e a noção de sustentabilidade tem que abranger todo este ciclo, e portanto daí nós termos estas noções introduzidas no curso. Quando estamos a falar destes “Near Zero Energy Buildings”, falamos de edifícios que quase não precisam de energia para serem utilizados, e a aposta é realmente essa. Se um edifício em termos passivos estiver bem pensado, em termos de métodos construtivos, de adaptação ao local, ao clima, e à exposição solar, já conseguimos que seja um edifício pouco consumidor de energia. E se aí adicionarmos alguns sistemas de produção de energias renováveis, se calhar com alguma facilidade conseguimos que o edifício chegue a este “Near Zero Energy Buildings”, ou dependendo do que o cliente ou promotor quiser, ser um edifício que produz mais energia do que a que consome.
No programa fazem também referência à parte de reabilitação e recuperação urbana. E se estivermos a falar de um edifício existente que não foi bem pensado tendo em conta os conceitos de que falou?
Manuel Carvalhosa: A reabilitação e a recuperação urbana são muito importantes especialmente no contexto europeu em que nos inserimos, porque a população europeia está mais ou menos estabilizada e no nosso caso ainda mais. Portanto, nós não temos necessidade de expandir áreas urbanas, ou seja, não temos necessidade de construir novo, porque inclusivamente o que se fez nos últimos 15 anos foi inundar o mercado da habitação de novos edifícios, e o que temos hoje é excedentes em termos de necessidade. NO que diz respeito à construção nova, como se viu, tem de se cumprir novos regulamentos e novas exigências e por isso é fácil. Mas efectivamente o que temos mais são edifícios existentes, e precisamos de tratar esse património. E nesse sentido, a redução de energia a nível nacional só se consegue se intervirmos no património existente, porque o novo tem um impacto residual. Portanto, a especificidade desse património existente é muito importante, bem como a maneira como vamos tratá-lo, e esse é o nosso mercado em termos de futuro, os projectistas vão ter cada vez mais trabalho nesta área da reabilitação porque estivemos nos últimos vinte anos a deixar cair aquilo que existia, sem fazer manutenção e a ver edifícios a degradarem-se brutalmente. Aqui temos um campo de trabalho muito grande, que tem duas vertentes: a da recuperação que aborda os edifícios que ainda podem ser recuperados; e temos aqueles edifícios que não têm recuperação possível e que têm de ser demolidos. Portanto, esta área é muito mais ampla e importante do que à primeira vista pode parecer, e só pode ser estudada e intervencionada caso a caso, dependendo das patologias e utilizações a dar a cada edifício.
E se estivermos diante de um edifício passível de ser recuperado, mas que está mal pensado em termos dos conceitos de que falámos até aqui. Qual é a solução?
Manuel Carvalhosa: No caso da reabilitação, e se falarmos dos materiais que vamos aplicar, temos de ter aqui várias noções. Primeiro temos de saber o que vamos retirar do edifício, se é passível de ser reciclado ou não e qual o destino que vamos dar a esses resíduos. Depois quais os materiais que vamos aplicar. Por outro lado temos de ter em conta quais as patologias que o edifício tem, as existentes e a maneira de as tratar para não as agravar, porque se a intervenção for mal feita podemos estar a agravar patologias existentes, e só depois desta análise partimos para o projecto. É claro que aqui há muita coisa a fazer e por vezes os edifícios mais antigos, em termos de comportamento térmico têm algumas vantagens ou desvantagens que a equipa projectista tem de saber tirar partido. Por exemplo, existem edifícios com 100 anos que tem um método construtivo de qualidade, por isso dizia que tem de ser visto caso a caso, e tem de ser visto de forma independente, não pode existir uma receita. Para além disso ainda temos o caso do património, de como intervir em edifícios classificados, em que não podemos fazer isolamentos pelo exterior, ou aplicar algumas das tecnologias que temos ao dispor. Embora exista no programa apenas um módulo referente a reabilitação e recuperação urbana, este é um assunto que é abordado ao longo de todo o curso.
Vítor Rodrigues: Um pouco respondendo à sua questão de à pouco, as outras áreas que não sejam as de aplicação de energia solar térmica ou fotovoltaica e as afectas às questões regulamentares, aparecem aqui para dar o mote às soluções e obrigatoriedades que existem. Em relação a outras formações complementares, aconselhamos a frequentar, nós temos por exemplo uma formação em RCCTE que é direccionada para que o formando possa depois ir à Adene e se qualificar como perito. No âmbito das energias é exactamente a mesma situação, ou seja, damos aqui uma ideia daquilo que se pode fazer em termos de soluções mas temos outros cursos para aprofundar essas temáticas. Até porque, como dizia o arquitecto, se intervimos mal estamos a piorar as patologias que os edifícios já têm, e se não soubermos aplicar estas soluções temos o exemplo dos anos oitenta em que se aplicou muita sucata de solar térmico. Há aqui um misto, mas o enfoque não é nem nas soluções nem no regulamento, porque isso será uma formação mais específica, o enfoque é mesmo na reabilitação e nas soluções de arquitectura solar e bioclimática.
O que esperam que um formando seja capaz de fazer no final do curso?
Manuel Carvalhosa: Espero que saiam daqui despertos para estas novas realidades e para estes novos paradigmas. Nós pretendemos que o curso seja muito prático, para os formandos poderem aplicar no seu dia-a-dia de projecto. Portanto esperamos dar-lhes ferramentas para quando chegarem ao fim do curso, nos projectos que irão desenvolver tenham as noções de como é que devem pensar cada projecto dentro deste âmbito da térmica e da sustentabilidade.
Que mais-valias retira a TUV da Academia e destes cursos?
Vítor Rodrigues: Normalmente a TUV, e esta é uma prática que já vem da Alemanha, associa a Academia às áreas que desenvolve a nível técnico, e temos várias intervenções a esse nível. Desde serviços no âmbito do RCCTE a sistemas de certificações que andam à volta destas questões dos edifícios mais ecológicos e sustentáveis, nomeadamente no Eco-Turismo. Todo este know-how em sistemas de gestão que vamos desenvolvido a nível ambiental e a nível de sustentabilidade pode ser transposto para estes cursos e vice-versa. É uma forma de ter contacto com as turmas, os formandos e várias situações de projecto e de obtermos mais formação e conhecimento para depois aplicarmos nos serviços técnicos que temos vindo a oferecer aos nossos clientes. Uma das apostas fortes da TUV em Portugal é o turismo, já temos variadíssimos eco-hóteis, já temos alguns casos de sucesso, existem outros projectos a preparar.
Esta é uma formação validade pela Ordem dos Arquitectos. Que importância tem isso?
Manuel Carvalhosa: É bastante importante, e é uma coisa que queríamos desde o início. Para já é uma mais-valia para os formandos que estão inscritos na Ordem e para os que se querem acreditar na Ordem, e por outro lado é reconhecimento da mais-valia que este curso pode ter para os seus membros. Ao fazer esta validação do curso, a Ordem no fundo está a dar indicações aos seus membros que este curso como está montado é válido e importante.
Essa validação juntamente com o início da conversa em que disse que o curso apareceu para colmatar uma falha no mercado, leva a crer que a vossa análise ao desempenho dos nossos técnicos nesta área não é a melhor…
Manuel Carvalhosa: Aqui temos de ver o contexto dos últimos anos. Em Portugal, infelizmente até ao ano passado havia uma regulamentação que permitia que a maior parte dos projectos que foram feitos não fossem feitos por arquitectos. O 73/73 foi feito num contexto em que realmente havia falta de arquitectos, e fazia sentido para que o mercado pudesse dar resposta às solicitações. Mas isso deixou de fazer sentido e essa regulamentação continuou em vigor. Acontece que a maior parte dos projectos de arquitectura dos últimos vinte anos não foram feitos por arquitectos. Obviamente que parte dos problemas que temos ao nível da qualidade da construção deriva desse facto.
Vítor Rodrigues: As exigências são também completamente diferentes. Hoje em dia aquilo que os regulamentos para a construção exigem é talvez do mais exigente a nível europeu, coisa que não se passava aqui há uns anos atrás, e daí a necessidade de dar esta formação e de a Ordem dos Arquitectos a validar e reconhecer a sua importância.
Em termos de formação faz mais sentido introduzir estas temáticas na formação académica, ou serem feitas neste modelo, posteriormente à componente universitária?
Vítor Rodrigues: Penso que neste momento a resposta que o mercado precisa exige este tipo de soluções, mas com certeza que devem ser enquadradas no âmbito académico para que evoluam naturalmente. No entanto, a exigência actual não permite que o mercado esteja à espera que as universidades dêem a resposta no seu tempo. Portanto, nesta fase acho que este tipo de formação é mais importante do que a académica, não descurando que as academias deverão começar desde já a considerá-las.
Manuel Carvalhosa: E depois, para além disso tudo, é fundamental seja em que profissão for, que uma pessoa se esteja sempre a actualizar, não podemos pensar que quando acabamos a formação superior saímos a saber tudo. A evolução é muito grande, e as exigências são cada vez maiores.