A pandemia trocou-lhe as voltas. E ainda bem! A trabalhar no Brasil, João Vieira Costa acabou por regressar a Lisboa durante os confinamentos. Em teletrabalho a partir de Lisboa o trabalho ia se fazendo á distância. Inicialmente os projectos eram para clientes no Brasil, mas rapidamente houve necessidade de encontrar mais pessoas para se juntarem ao arquitecto. Em menos de dois anos são já 45 pessoas (prestes a chegar às 50) e, embora continuem a trabalhar em projectos do outro lado do Atlântico, cerca de 70% são hoje em Portugal. Um crescimento que João Vieira Costa atribuiu a uma forma de trabalhar muito pensada e estruturada e em que pesa a experiência e o contacto com a arquitectura brasileira. Por cá, entre outros em que estão envolvidos, a equipa do AO-LX está à frente dos projectos Muda Reserve e Terras da Comporta, cuja arquitectura é partilhada com a Saraiva + Associados. Um projecto que acredita vai mudar o paradigma da construção sustentável em Portugal
Texto: Cidália Lopes
João Vieira Costa, sócio fundador do AO-LXComo surgiu a vontade de trazer o Architect Office (AO) para Lisboa?
Na realidade o nosso escritório surgiu com a pandemia. Eu estava no escritório no Brasil, que conta já com 100 pessoas, e como estava em teletrabalho acabei por vir para Lisboa. Entretanto surgiu a oportunidade de contratar algumas pessoas para poderem trabalhar em projectos para o Brasil. Começamos com três pessoas na altura e hoje já somos 45.
Esse crescimento foi num curto espaço de tempo…
Sim, faz agora em Maio dois anos. E quando estava em Portugal a trabalhar para o Brasil surgiram várias oportunidades de projectos aqui e foi quando começamos a estruturar a equipa. Hoje cerca de 70% dos nossos projectos são para Portugal e os restantes 30% são para o Brasil. Apesar de continuarmos a trabalhar para o Brasil, o nosso foco são, actualmente, os projectos em Portugal.
O atelier tende a escolher os seus projectos de acordo com uma determinada linha de orientação. Neste sentido, o que vos motiva na escolha dos vossos trabalhos?
Sim, é verdade. No escritório de Lisboa estamos a trabalhar em projectos específicos e o que tentamos é encontrar projectos com que nos identifiquemos e, acima de tudo, projectos que nós vemos como sustentabilidade processual. Ou seja, que tenham um impacto significativo, que sejam interessantes como exercício de arquitectura e como oportunidade de negócio. A conjugação destes três elementos é para nós muito importante.
Em que projectos estão actualmente a trabalhar?
Continuamos a trabalhar para projectos no Brasil a partir de Lisboa. São projectos em grande escala, cerca de 250 mil metros quadrados em quatro projectos no Brasil, de uso misto e de masterplan.
Em Portugal também começam a aparecer este tipo de projectos, de grande escala, em que, naturalmente, também queremos estar envolvidos. Por isso continuamos a fazer estes projectos para o Brasil, porque essa expertise, essa sincronização com diferentes equipas e com equipas de projecto são uma forma de preparação para quando tivermos envolvidos nos projectos de grande escala.
Outro tipo de trabalhos que temos tido em Portugal são projectos com construção em madeira. Este é um tipo de projectos que também nos interessa muito. Actualmente trabalhamos com um conceito mais horizontal – r/c e 1º piso – ou seja edificações de baixa altura, mas em grande escala, nomeadamente na Comporta, desde o residencial, o comercial, o desportivo, cultural. Todos eles em construção em madeira, portanto, em woodframe com CLT.
Tendo eu vivido cerca de seis anos na Escandinávia, tenho um interesse particular nesse tipo de construção mais sustentável e com outras preocupações que vão além da construção tradicional. Acho que, neste aspecto, Portugal está numa fase em que realmente é necessário começar a reverter o seu conceito de construção, de mudança de paradigma.
Considera que a construção em madeira veio para ficar? Em particular quando falamos de projectos em grande escala como é o caso?
Acho que antes de mais existe um paradigma que a construção modular é pejorativa e que tem uma conotação de ‘low cost’. Aquilo que está a mudar em Portugal é efectivamente a especialização de uma área dentro da arquitectura. Em Portugal a arquitectura tende a ser muito eclética, os arquitectos sabem de tudo e não sabem de nada e têm interesse em todos os programas e escalas e localizações.
Mas no caso específico destes projectos, em que estamos a trabalhar, nós estamos a investir muito, em conjunto com o nosso cliente, em criar realmente uma especialização. Ou seja, este processo, que inicia num conceito, evolui como um design que melhor responda às necessidades do programa e da localização, até à sua construção, até ao envolvimento dos órgãos municipais.
Toda esta arquitectura de processo é pensada muito cuidadosamente para que todos entendam qual é o propósito do projecto e qual é o objectivo de desenvolver um projecto com esta ambição sustentável.
A sustentabilidade pode ser um selo ou pode ser muito mais do que isso. No caso destes que estão localizados em áreas com densidade muito reduzida, os projectos tem também uma vertente social muito importante, com a possibilidade de envolver a população local e melhorar significativamente a qualidade de uma região. Outra responsabilidade é a de modificar a utilização e a ocupação desta região do País para anual e não só sazonal.
Temos muitos exemplos desde o Algarve ao Norte de Portugal em que existem muitos empreendimentos que ficam numa ‘corda bamba’ exactamente pela sua ocupação sazonal. O turismo é uma âncora, mas por si só não funciona, não é suficiente porque não consegue manter a sustentabilidade económica deste tipo de projectos.
Por isso, a ideia passa por modificar essa utilização. Acreditamos que tendo em conta toda a pesquisa e as alterações na forma como as pessoas vivem hoje, nomeadamente o quanto valorizam trabalhar, mas também, usufruir ou divertir-se neste tipo de localizações, este projecto tem realmente essa responsabilidade de modificar essa utilização para anual e que é muito interessante.
Quais as principais características desse projecto que nos está a falar?
O perfil de residencial abrange um leque muito alargado de opções e também de diferentes perfis ao nível do comprador, desde T1 a T5, o que significa que pode receber pessoas que estejam em teletrabalho, pessoas que podem morar ou ter uma experiência durante alguns períodos ou então pessoas que querem mudar-se e passar a residir naquela região.
Além da componente residencial, o projecto conta, ainda, com duas áreas desportivas, de academias de ténis, com capacidade de competir com as principais academias europeias e com quem temos estado a colaborar. Por isso, a ambição de colocar Portugal como uma referência no ténis está a acontecer. Não é uma ideia, não é uma possibilidade apenas, porque estamos já a desenvolver o projecto para isso.
Além do desportivo, temos também áreas comerciais, onde grandes marcas nacionais e internacionais querem participar neste processo. Reforço que não se trata apenas de uma área comercial, é na verdade uma micro-cidade.
Além destas que eu falei, vamos também ter áreas de saúde, com a marca CUF, assim como espaços culturais e de bibliotecas, com alguns parceiros também já confirmados.
Equipa atelier AO-LXVocês fazem parte integrante do projecto é isso? Há um acompanhamento constante?
É isso mesmo. Mais do que arquitecturar um projecto, nós arquitecturamos o processo. Portanto, desde as especialidades, sendo que os próprios engenheiros têm a especialização na componente de madeira, desde a reconstrução e a fábrica, com a qual fazemos a ponte, até à ambição do cliente, até à comunicação com as câmaras de Grândola e de Alcácer do Sal. Todos estão comprometidos com o processo.
Ainda sobre este processo construtivo, quais as principais diferenças que destaca e os principais desafios? Será apenas uma mudança de mentalidade?
Também é uma questão de mudança de mentalidade, mas não só. Ou seja, normalmente a estrutura é feita com aço, madeira ou betão. São estas as três possibilidades que existem. O betão, sendo muito tradicional e cultural em Portugal o que nos torna excelentes a trabalhar com este material, tem diversas exigências, não só de estrutura como de espaço, já que toda a construção tem que ser feita no local e isso tem uma exigência altíssima não só de mão de obra, mas também de empresas disponíveis para construir nestas zonas mais isoladas. Depois temos o aço e a madeira, que permitem uma maior flexibilidade, com a preparação de toda a estrutura e de toda a construção em fábrica e a montagem no local. E aqui existe uma competição muito saudável entre estes dois materiais, só que a madeira tem, naturalmente, um perfil sustentável muito alto.
Além disso hoje, e cada vez mais, quem compra quer saber, não só como é que é o acabamento das casas, mas também como é que funciona o esqueleto das casas e como é que estas se comportam em termos térmicos e ambientais. Acho que hoje o interesse vai à raiz das questões e a arquitectura tem de responder.
Quais são os principais desafios?
Há que ter em conta que a madeira na construção é tratada e que precisa obedecer a um ciclo para poder ser utilizada. Em Portugal, que ainda utilizou muito pouco este tipo de solução e importa toda a madeira, o próximo passo é utilizar a técnica para expandir pelo território nacional.
Outro passo paralelo é começar a preparar este processo de produzir a própria madeira que possa ser utilizada. Isso tem um ciclo de vários anos, mas é preciso começar e só se começando é que se vai chegar lá. Se estivermos sempre à espera para ver se vai funcionar ou não isso nunca vai acontecer. Felizmente o nosso cliente já tomou essa iniciativa e já está a começar esse ciclo para que daqui a uns possamos utilizar, também, madeira portuguesa.
Portugal conseguirá acompanhar o crescimento e a necessidade deste tipo de construção?
Ela já está a acontecer de certa forma, exactamente porque que os projectos em grande escala assim o exigem, embora ainda com um volume de construção muito simples, na medida em que se trata de edifícios no máximo com um ou dois pisos. Quando nós começarmos a verticalizar, a complicar, no bom sentido da palavra, vamos precisar de mais projectos, de mais referências e de mais pessoas especializadas para poderem dar respostas a esse mercado. Acho que esse será o próximo passo, ou seja, a verticalização da construção em madeira.
Isso será num futuro ainda longínquo?
Não sei se demorará assim tanto tempo, até porque Portugal também tem de responder, tal como o resto da União Europeia, as algumas exigências de forma a contribuir para a redução das emissões de CO2. Por exemplo, actualmente em França, 50% dos edifícios públicos já têm que ser construídos obrigatoriamente em madeira, independentemente da sua altura. Temos também os exemplos de países como a Holanda ou a Escandinávia onde este tipo de construção já é comum e onde já vemos edifícios com seis, sete, oito pisos em madeira. Estes princípios construtivos podem ser facilmente readaptados ao nosso território, até porque, comparando com outros países que têm amplitudes térmicas muito mais severas e mais exigentes, as nossas necessidades construtivas são bastante mais simples.
Considera que a vossa experiência no Brasil contribui para facilitar o vosso trabalho em Portugal e naquilo que são os novos conceitos?
Acho que contribui muito. Acho que Portugal e o Brasil tem uma sinergia muito interessante em vários pontos e um deles é no residencial. Esta é uma componente muito forte no Brasil, que tem uma forma muito inteligente de pensar nas expectativas de cada projecto, a partir do qual conseguimos perceber qual é a tipologia especifica e esperada tendo em conta o tipo de ocupante. Portugal tem de aprender um pouco com esta pesquisa e com esta análise, porque quanto mais nós conseguirmos criar as fórmulas e as receitas que melhor se enquadrem e que melhor vão ao encontro do que é que é a expectativa, melhor produto e melhor arquitectura nós vamos ter.
Além do projecto na Comporta, em que outros estão a trabalhar?
Estamos a participar em alguns ‘edifícios urbanos’. É um tipo de projecto que gostamos porque queremos participar no desenho das cidades e perceber quais são as vantagens e as qualidades e as condicionantes que podemos tirar destas intervenções.
Neste sentido, estamos também a trabalhar em projectos de habitação multifamiliar, em Vilamoura, no Algarve e de habitação colectiva com algum comércio e serviços no Porto, mas que ainda se encontram numa fase de desenvolvimento. Caracterizam-se ambos por se encontrarem em localizações privilegiadas e com um impacto interessante na forma como se adaptam à localização em que estão inseridos. Mas são projectos mais tradicionais de habitação, em betão e em altura, com tipologias que vão desde os T1 até T4, que têm a responsabilidade de desenvolver alguns polos interessantes das cidades.
Estamos também a trabalhar no desenvolvimento de um conceito melhorado de residências sénior em parceria com um cliente nosso. O primeiro destes projectos arranca este mês de Março, em Sintra, sendo que o objectivo é alargar o conceito para outras cidades, mas ainda está em fase de estudo essa viabilidade.
Além dos projectos que já referi, estamos também a trabalhar em moradias, não só pequenos condomínios, de cinco a 10 casas, mas também casas individuais, nomeadamente em Cascais, Estoril e Sesimbra. Este é um projecto muito português e que nós gostamos muito de fazer.
Entretanto estamos também a começar a nossa internacionalização a partir de Lisboa, nomeadamente em parceria com a Finlândia e com os Emirados Árabes Unidos. Existem algumas coisas interessantes em pipeline que podem tornar-se uma realidade.
Tendo em conta o número de projectos que estão a desenvolver ponderam crescer durante os próximos anos ou até expandir para outra cidade?
Já em Março vamos passar a 50 pessoas com novas contratações, o que já é uma dimensão considerável para dois anos de trabalho. Além disso, também os projectos previstos no estrangeiro vai nos permitir crescer um pouco.
Existe, ainda, a possibilidade de abrirmos um escritório no Porto. Tendo em conta as negociações que estão a decorrer para um projecto de dimensões consideráveis naquela cidade poderá fazer sentido termos uma equipa mais próxima.
João Vieira Costa, sócio fundador do AO-LXQue marca é que o AO-LX gostaria de deixar nos projectos que está a desenvolver?
Neste momento já estamos e queremos participar e desenvolver mais projectos dentro da sustentabilidade social e construtiva das mais diversas escalas. Nós queremos realmente ajudar neste processo de transição dos métodos construtivos, tanto a nível horizontal como vertical.
E, por último, queremos efectivamente aprimorar a internacionalização do nosso escritório, porque acho que cidades como Lisboa, Porto e o próprio território todo ele, tem uma ambição e uma responsabilidade muito internacional. Hoje já não somos apenas um Pais simpático para passar férias no Verão. Hoje temos uma grande ambição tecnológica, com uma grande ambição cultural e profissional. Temos que, cada vez mais, seduzir e impulsionar os nossos profissionais da arquitectura e das engenharias a estarem envolvidos com projectos signicativos tanto na Europa, como no resto do Mundo. E nós queremos também fazer parte desse leque de escritórios possa trazer esse know-how para Portugal e possa exportar também o trabalho que desenvolvemos em Portugal.
Falar de habitação é também falar de um dos maiores problemas que Portugal está a enfrentar. Como vê esta questão à luz das mais recentes medidas anunciadas pelo Governo?
Julgo que toda esta questão da habitação vai mudar muito nos próximos tempos. Temos algumas políticas que fazem sentido, outras não tanto, mas acho que aquilo que é necessário é evoluir. E acho que vão surgir muitas oportunidades interessantes para nós arquitectos e projectistas entendermos melhores quais são as tipologias mais interessantes e mais eficientes do modo de viver, de diferentes classes e em diferentes localizações de Portugal.
Acho que a racionalização da arquitectura vai ser algo muito interessante que se vai desenvolver nos próximos tempos em Portugal. E a racionalização está associada a duas coisas fundamentais: a tecnologia, na forma como se constrói e como esta permite preparar os projectos e a pesquisa, para que esta racionalidade seja uma resposta e não uma imposição. Quando a racionalidade é a resposta de uma pesquisa, de análise inteligente e de uma expectativa concreta, tem um papel fundamental. Quando a racionalização é uma imposição por questões de tempo ou de orçamento temos a possibilidade de ela não encontrar resposta.
Tendo em conta as questões urbanísticas que Portugal tem vindo a enfrentar considera que haverá o risco de esta racionalização ser obrigatória?
Eu acho que é preciso começar por algum lado. A racionalização pode ser colocada como uma premissa, mas pode ser desenvolvida em paralelo e não como uma necessidade. O masterplan desse processo é que terá de ser feito de uma forma muito inteligente e cuidadoso, não só com órgãos públicos, mas também pelos próprios promotores, pelos próprios investidores para encontrar um propósito válido para esta racionalização fazer sentido. Caso contrário será insustentável. Mas o optimismo é o que nos move diariamente e acredito que as energias vão convergir na orientação e na direcção correcta para que realmente isto possa ser um movimento que faça sentido. E nós temos muitos exemplos disso. A reabilitação é um deles. A reabilitação não era feita convenientemente há 10 anos como é feita hoje. Há um caminho a percorrer. E houve um movimento incrível de reabilitação nacional e o resultado está aí. É preciso fazer, é preciso errar.
BIO
Architects Office é a agência de arquitectura e design de interiores liderada por Greg Bousquet, um dos fundadores da Triptyque Architecture. Tendo a sua sede em São Paulo, no Brasil, a agência conta com o Architects Office SP (AO-SP) e, desde 2021, com a Architects Office Lisboa (AO-LX) liderada por João Costa Vieira.
Com formação em arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Lusíada do Porto, João Costa Vieira passou por diversos ateliers no Norte da Europa, nomeadamente Dinamarca, Holanda e Noruega, tendo, também, sido professor na Escola de Arquitectura e Design de Oslo. Passou ainda por Nova Iorque, nos EUA e por São Paulo, no Brasil, onde é associado e director geral de Arquitectura no AO-SP e sócio fundador do AO-LX, em conjunto com Greg Bousquet.