Depressa e bem há pouco quem!
O exemplo mais preocupante, nesta deriva de tudo fazer à pressa, é sem dúvida a proposta de alteração ao Código de Contratos Públicos, que o governo está prestes a aprovar. A Ordem dos Arquitectos pronunciou-se no lugar próprio e publicamente contra, porque a mesma não garante a qualidade de obra pública, já que: não permite o escrutínio pelo dono de obra em todas as fases, projeto e empreitada

Conceicao Melo
Não há provérbio português que melhor se aplique à atual situação do que este. Com a justificação da necessidade de execução dos fundos do PRR, conclusão do Portugal 2020 e agora início do Portugal 2030, adotam-se as piores práticas, atropelando processos e procedimentos com o objetivo de encurtar prazos para permitir que o dinheiro seja gasto, ainda que mal gasto. Com esta prática prejudica-se a conceção, omitindo-se fases essenciais na elaboração dos projetos que prejudicam os resultados.
Disto é exemplo a falta da qualidade das soluções que se têm adotado para responder às verbas do PRR para a habitação, sobretudo no âmbito do programa Primeiro Direito, no qual, face à dificuldade de implementar a fração destinada aos beneficiários diretos, o dinheiro é gasto em obras de fachada, que não resolvem os problemas da elevada percentagem de famílias, reconhecidas institucionalmente, a viver em condições indignas. Ou, ainda, a falta de audição de interessados e de discussão pública de obras de grande envergadura e impacto como são, por exemplo, as relacionadas com os sistemas de mobilidade.
Mas o exemplo mais preocupante, nesta deriva de tudo fazer à pressa, é sem dúvida a proposta de alteração ao Código de Contratos Públicos, que o governo está prestes a aprovar. A Ordem dos Arquitectos pronunciou-se no lugar próprio e publicamente contra, porque a mesma não garante a qualidade de obra pública, já que: não permite o escrutínio pelo dono de obra em todas as fases, projeto e empreitada; não garante a autonomia do projetista na defesa da qualidade a que está obrigado, colocando-o na dependência económica do empreiteiro, promovendo o privilégio de critérios economicistas em detrimento de critérios de qualidade técnica; compromete os Direitos de Autor; não garante a avaliação por um júri composto por uma maioria de profissionais com as habilitações específicas exigidas aos concorrentes; promove o dispêndio de recursos e tempo desnecessários na elaboração de estudos prévios alternativos; limita a concorrência; não se adapta ao tecido empresarial, no qual a maioria das empresas não têm capacidade de resposta, privilegiando as poucas empresas de construção portuguesas com capacidade instalada ou, muito provavelmente, as empresas de construção estrangeiras mais aptas para a resposta a este tipo de modelos.
A qualidade dos projetos é a melhor garantia da qualidade da obra, da qualidade de vida, do desenvolvimento harmonioso e sustentável de todo o território nacional.
E hoje, essa qualidade implica, inevitavelmente, que o ambiente construído responda e mitigue as alterações climáticas, seja eficiente energeticamente e garanta o bem-estar social. Por isso faz todo o sentido a iniciativa visionária da Comissão Europeia a New European Bauhaus (NEB), assente no tripé: Beautiful, Sustainable and Toghether. Nunca o Habitat precisou tanto de inovação: inovação a projetar, a construir e a gerir. Bonito, Sustentável e com as Pessoas.
Inovação a projetar, incorporando novas tecnologias, em particular o BIM, ferramenta com implicações em todo o ciclo de vida dos espaços construídos e essencial na adoção da circularidade. Inovação a projetar, refletindo sobre os espaços de habitar, tornando-os mais inclusivos e adaptados à atual estrutura demográfica, com soluções que respondam positivamente à integração de idosos, por exemplo. Inovação a projetar, optando pela reabilitação urbana, reduzindo assimetrias entre a cidade qualificada e inacessível a tantos e a periferia desqualificada. Inovação a projetar e a construir, explorando novos materiais e métodos construtivos que reduzam custos, energia e emissões de CO2.
Inovação a construir, garantindo qualidade na encomenda pública, optando por contratar bons projetos, privilegiando a qualidade em detrimento do menor preço. Construir é criar património, que tem maior valor quanto mais durável e reutilizável na totalidade ou nas suas componentes for.
Inovação a gerir, apostando em métodos colaborativos, de partilha de informação em equipas multidisciplinares e intersectoriais. Inovação a gerir, fomentando o associativismo e o cooperativismo, estudando e aplicando os bons exemplos que temos nesta área. Inovação a gerir, aproximando os cidadãos das decisões, apoiando processos participativos que aumentam a consciência e responsabilidade social e ambiental e alteram comportamentos.
E a qualidade dos projetos é a melhor forma de responder aos problemas do sector: a falta de mão-de-obra, de materiais e a escalada ou volatilidade de preços. Com bons projetos os processos são otimizados, os orçamentos são mais fiáveis, a programação de execução é mais realista e a gestão e manutenção futura será mais sustentável.
Para ter bons projetos é necessário qualidade nos programas, capacitação técnica de todos quantos se envolvem na contratação, isenção nas escolhas, honorários dignos que paguem o trabalho e tempo para executar.
NOTA: A autora escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico