O novo paradigma do setor imobiliário: residências e alojamentos para estudantes do ensino superior
O novo regime constante do Decreto-Lei n.º 14/2022, de 13 de janeiro, aplica-se não só à construção de edifícios novos que se destinem a alojamento para estudantes, mas também à alteração, ampliação ou reconstrução de edifícios existentes, que já eram ou passem a ser utilizados para aquele fim

O ano de 2022 vai a meio e já trouxe novidades de peso para o setor imobiliário. Foi aprovado o novo regime legal de instalação e funcionamento das residências e dos alojamentos para estudantes do ensino superior, enquadrado no PNAES[1], que visa reforçar a oferta disponível para alojamento estudantil a custos acessíveis.
O novo regime constante do Decreto-Lei n.º 14/2022, de 13 de janeiro, aplica-se não só à construção de edifícios novos que se destinem a alojamento para estudantes, mas também à alteração, ampliação ou reconstrução de edifícios existentes, que já eram ou passem a ser utilizados para aquele fim. Ficam, no entanto, excluídas do seu âmbito de aplicação as residências com capacidade inferior a 10 residentes e aquelas cujos procedimentos se encontrassem em fase de instrução até 14 de janeiro de 2022.
Com este diploma, estabelecem-se os objetivos a ter em conta na construção e renovação desses edifícios e são atribuídas competências à Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus + Educação e Formação, para coordenação técnica, acompanhamento da evolução da oferta neste setor e apoio e acompanhamento de linhas de financiamento público e privado, designadamente as previstas no Plano de Recuperação e Resiliência (“PRR”).
No que respeita às normas técnicas a que devem obedecer estes alojamentos, deverão ser cumpridas as regras definidas na Portaria n.º 35-A/2022, de 14 de janeiro, designadamente quanto a condições de instalação e funcionamento, localização, mobilidade, adequação ao uso, conforto ambiental, instalações e equipamentos, sustentabilidade e inovação. Neste âmbito, destacam-se exigências como a necessidade de disponibilização de espaços para uso dos residentes, destinados à preparação de refeições, salas de estudo, zonas de convívio, lavandaria e arrecadação, entre muitos outros requisitos. Recomenda-se ainda que as residências para estudantes sejam implantadas em edifícios exclusivamente afetos a este uso. Por outro lado, prevê-se que para efeitos de certificação energética, estes edifícios sejam classificados como afetos a comércio e serviços.
Estabelecido o conjunto de normas especificamente aplicáveis neste âmbito, restam ainda algumas lacunas no quadro legal em vigor. Com efeito, é em matéria de licenciamento do uso de edifícios que se destinem ao fim aqui visado que surgem as primeiras dúvidas: qual o uso autorizado compatível com a afetação de edifício a residência de estudantes? Sem prejuízo de alvará de utilização obtido para esse uso específico (residências para estudantes), poderá um edifício, que de acordo com o respetivo alvará de utilização se destine a comércio e serviços, ser afeto, ao abrigo deste regime, a residência de estudantes? A previsão legal, no referido Decreto-Lei, que estabelece que alojamentos com capacidade inferior a 10 residentes ficam sujeitos ao cumprimento do quadro legal e regulamentar aplicável ao uso habitacional, aponta nesse sentido. Por outro lado, o PDM de Lisboa, por exemplo, classifica como uso habitacional edifícios destinados a residências para estudantes, sem qualquer limitação de capacidade para o efeito. No mesmo sentido, não se encontra prevista neste quadro legal específico a comunicação ou obtenção de autorização para estabelecimento de residência estudantil em edifício e início dessa atividade. Tampouco se esclarece qual seria a entidade com competência e autoridade na matéria. Note-se, pois, que o estabelecimento e início desta atividade não se encontra abrangido pelo regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração (DL 10/2015). Da mesma forma, fica por esclarecer como será levada a cabo a fiscalização sobre a verificação dos pressupostos definidos na Portaria a observar também pelos promotores imobiliários que não obtenham os apoios financeiros previstos no âmbito do PRR. Por outro lado, merece ainda reflexão a qualificação do regime aplicável à disponibilização deste tipo de alojamento.
Sem prejuízo das referidas lacunas, esta parece-nos ser uma boa iniciativa, que poderá não só promover a mais recente política pública de aposta no investimento e alargamento do parque residencial para estudantes deslocados, mas também dinamizar o setor imobiliário, na vertente da construção, contribuindo para a requalificação dos centros urbanos onde se localizam os principais polos universitários, como Lisboa, Porto e Coimbra, entre outros. Constituindo ainda uma alternativa interessante para investimento, designadamente por fundos imobiliários.
[1] Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior.
NOTA: O artigo foi escrito em conjunto com as advogadas Beatriz Paredes e Raquel de Lóia Sequeira