A constitucionalidade da certificação dos deferimentos tácitos
A figura da certificação do deferimento tácito poderá resolver muito problemas, mas certamente não resolverá todos. Em relação a aspetos dos projetos urbanísticos, ambientais, industriais e turísticos onde esteja previsto o deferimento tácito, prevê-se que haja um aumento da litigiosidade na fase de execução dos projetos

Cuatrecasas
Lourenço Vilhena de Freitas, sócio da área de Direito Público da Cuatrecasas e Miguel Dias das Neves, mestrando em Direito Administrativo na FDUCP
A aprovação do Simplex Ambiental trouxe consigo várias alterações no ordenamento jurídico português, alterando quase duas dezenas de diplomas, com o objetivo principal de reforma e simplificação dos licenciamentos ambientais existentes.
De entre estas alterações, uma das medidas mais relevantes foi a previsão da figura da certificação do deferimento tácito – aplicável a todo e qualquer procedimento administrativo em que a ausência de um ato administrativo expresso praticado dentro do prazo legalmente estabelecido tenha como resultado a sua valoração como deferimento.
Em primeiro lugar, diga-se que esta alteração é de louvar, uma vez que elimina qualquer ambiguidade sobre a existência de ato administrativo e permite que o destinatário do ato passe a ter um título para arguir. Por um lado, o particular passará a ter um título pretensivo, que será relevante na sua relação com terceiros e, por outro lado, terá um título defensivo em face de atuações ablativas por parte da administração.
No entanto, como já tem sido veiculado por parte de vários autores, esta solução poderá resolver muito problemas, mas certamente não resolverá todos. Prevê-se, por exemplo, que venha a existir uma maior tendência para que a Administração indefira pedidos aos particulares, para evitar que se formem os deferimentos tácitos e, consequentemente, haja lugar a esta certificação.
Para além disso, prevê-se, inclusive, em relação a aspetos dos projetos urbanísticos, ambientais, industriais e turísticos onde esteja previsto o deferimento tácito, que haja um aumento da litigiosidade na fase de execução dos projetos.
Esta maior litigiosidade poderá resultar de uma das dificuldades deste regime, que se centra no facto de a certificação por parte da Administração Central (que se pretende que tenha carácter vinculativo perante a Administração e perante os restantes particulares e tenha uma eficácia externa permissiva/autorizativa da atividade do particular), a ser assim, pode ser classificada como um verdadeiro ato de verificação constitutiva – que, no seguimento do conceito de direito administrativo italiano de acertamento, tem sido definido em direito administrativo, nomeadamente desde as lições de Marcello Caetano, como casos em que o apuramento ou o reconhecimento de situações ou circunstâncias em casos individuais sejam acompanhados de uma decisão atributiva de direitos.
A verificação constitutiva configura o exercício de um poder administrativo, ainda que sejam atuações meramente confirmativas. Neste sentido, sempre que o ato administrativo permissivo seja da competência da Administração Autónoma (e.g. Autarquia Locais), quando a Administração Central verse sobre a certificação de um deferimento tácito poderá ser visto como uma violação da sua autonomia.
Em relação às Autarquias Locais, como nos ensina o Professor Gomes Canotilho, a autonomia local constitucionalmente garantida inclui o direito das autarquias locais à organização própria e o direito às competências próprias.
Significa isto que, nos casos em que haja certificação dos indeferimentos tácitos em relação a matérias da competência das autarquias locais, a prática deste tipo de atos de verificação constitutiva poderá suscitar problemas de constitucionalidade por a Administração Central estar a exercer atividades da competência das autarquias locais.
Por esta razão, de forma a antecipar estas dificuldades, sugere-se que haja lugar a uma revisão do Simplex Ambiental, no sentido de a certificação ser realizada pela própria pessoa coletiva em cujas atribuições se inscreva o ato permissivo em causa.
NOTA: Os Autores escrevem segundo o Novo Acordo Ortográfico
