Passive House: desfazendo mitos
“Cada um pode chamar o que quiser aos edifícios que projeta, constrói, vende ou habita. As palavras não têm dono. Pode chamar-lhes “neutros”, “verdes”, “ativos”, “passivos”, “semi-passivos”, “quase passivos”, “assim-assim passivos”, “75% passivos” (…). Mas quando alguém afirma que é um edifício Passive House, aí já há uma associação clara ao padrão”
João Gavião
arquiteto, consultor e formador na Homegrid e membro fundador da Passivhaus Portugal
No artigo de opinião de Joaquim Nogueira de Almeida (JNA), publicado online a 16 de outubro (https://www.construir.pt/opiniao/a-problematica-sobre-o-conceito-de-construcao-passiva-e-a-certificacao-passivhaus) com o título “A problemática sobre o conceito de construção passiva e a certificação Passivhaus“ foram misturados alguns conceitos, feitas afirmações e apresentados argumentos com algumas imprecisões factuais que pretenderei clarificar.
JNA refere: “A certificação (Passive House) incorpora métodos ativos, como a ventilação forçada através de meios mecânicos, o que vai contra a essência da construção passiva.”
A ventilação mecânica controlada (VMC) com recuperação de calor é uma condição obrigatória numa Passive House localizada num clima frio do centro da Europa, devido à severidade das condições climáticas. Num clima mais ameno e quente, como o português, não é obrigatória a recuperação de calor devido às menores perdas de calor ocorridas pela ventilação. Apesar de não ser uma condição imposta para se cumprir com o desempenho Passive House em Portugal, verifica-se que a generalidade das Passive Houses tem VMC com recuperação de calor devido às muitas vantagens inerentes.
Aliás, a nossa regulamentação já obriga a sistemas mecânicos de ventilação para qualquer edifício, pelo menos de extração. Daí que a ideia “utilizar ventiladores vai contra os princípios passivos” seja uma falácia.
Por outro lado, a definição de sistemas passivos admite, de acordo com o arquiteto Francisco Moita, “pequenos contributos exteriores, que tendem a aumentar o rendimento do sistema” admitindo-se que “esses contributos não excedam, energeticamente, 2% da energia captada”. Por exemplo ninguém coloca em causa atualmente a existência de dispositivos para a circulação de água, quer seja para o solar térmico, quer seja para o anel de água quente, sendo ambos contributos valiosos para a otimização do desempenho energético do edifício.
JNA refere: “Outro ponto de debate é a exigência de estanquicidade das casas certificadas (…) a estanquicidade excessiva pode levar a problemas de humidade e condensação.”
Esta é uma confusão de conceitos que é muito comum. Quando se fala de estanquidade ao ar da envolvente fala-se em garantir que não temos uma envolvente “rota”. Fala-se em assegurar a qualidade da construção, por exemplo, garantir que a janela esteja instalada na parede sem frestas por onde ocorrem infiltrações ou exfiltrações de ar.
A permeabilidade ao ar (oposto de estanquidade ao ar) não deve significar o mesmo que ventilação. É sabido que uma envolvente do edifício permeável vai aumentar a taxa de renovação de ar do edifício. Mas esse contributo em edifícios novos é marginal. Infelizmente, mesmo na academia, subsiste esta ideia de que um edifício “roto” não é assim tão mau porque contribui para a necessária renovação de ar. A pergunta que deixo é a seguinte: se é aceitável e positivo ter edifícios “rotos”… até que dimensão podem ir esses buracos? Uma fissura de 1 mm? Uma fresta de 2 cm? Uma abertura de 1 m2?
Quando falamos de ventilação falamos de outra coisa. A ventilação não deve ser assegurada através da passagem descontrolada do ar nos buracos e frestas existentes na envolvente “rota”. A ventilação deve ocorrer através dos meios e dispositivos definidos para esse propósito, quer seja através da VMC, através de sistemas de extração, através de grelhas ou através da abertura de janelas.
Um pouco por toda a Europa é obrigatório realizar-se o ensaio de estanquidade ao ar (n50) em qualquer edifício novo. Esta foi uma medida adotada em Espanha recentemente. Em Portugal, mais cedo ou mais tarde lá chegaremos. Até esse momento chegar, vai continuar a ser possível ter casas “rotas” porque não se mede a real permeabilidade ao ar em obra. E se não se mede, não se conhece o desempenho.
JNA refere: “A usurpação do nome Passive Haus (do Alemão, Casa Passiva) é um engodo por parte desta empresa certificadora para criar no mercado uma ideia de que uma Casa Passiva tem de ter esta certificação, o que não é verdade.”
O padrão Passive House foi a primeira abordagem, partindo das experiências e práticas anteriores (casas super isoladas, casas solares passivas, etc.) a definir requisitos claros para o que deve ser um desempenho Passive House. Este foi o primeiro marco histórico. Estas e outras referências podem ser encontradas em: https://passipedia.org.
O segundo marco histórico assenta no reconhecimento feito pelo setor dos edifícios da “marca” Passive House. Este reconhecimento advém da fiabilidade, clareza e robustez da abordagem da Passive House nos últimos 30 anos. O facto de estar assente no respeito pelos princípios da física das construções é uma grande mais-valia. As pessoas podem ser enganadas. Os princípios da física não.
Os termos Passivhaus ou Passive House não correspondem a marcas registadas, logo não há nenhum tipo de propriedade sobre os termos. No entanto quando alguém refere que cumpre o padrão Passive House está claramente a referir-se ao padrão definido pelo Passivhaus Institut, porque foi o primeiro a estabelecer claramente esses requisitos.
Em Portugal o nome da Associação Passivhaus Portugal, criada em 2012, foi beber diretamente à fonte, que é a terminologia alemã Passivhaus. Foi também definido que em Portugal utilizaríamos a designação internacional de Passive House e não de Casa Passiva, que é a tradução literal, para evitar confusões com a abordagem da Casa Solar Passiva, com muita história em Portugal.
Em relação à certificação Passive House de edifícios é importante perceber que ela é voluntária e tem como objetivo assegurar que aquilo que foi projetado corresponde ao que foi construído e que o desempenho do edifício construído cumpre integralmente com todos os requisitos Passive House. Existem muitos edifícios que cumprem todos os requisitos Passive House, mas, por vários possíveis motivos, não foram certificados.
Uma Passive House é uma abordagem aberta a todos; aplicável a qualquer clima e localização, a qualquer tipologia de edifício, a qualquer tipo de intervenção (construção nova ou reabilitação), aplicável a qualquer tipo de sistema construtivo e é independente da linguagem arquitetónica. Resumindo, como a Passive House assenta unicamente no desempenho, se cumprir os requisitos… é uma Passive House.
É obvio que cada um pode chamar o que quiser aos edifícios que projeta, constrói, vende ou habita. As palavras não têm dono. Pode chamar-lhes “neutros”, “verdes”, “ativos”, “passivos”, “semi-passivos”, “quase passivos”, “assim-assim passivos”, “75% passivos”, … enfim, fica ao critério e à criatividade de cada um. Mas quando alguém afirma que é um edifício Passive House, aí já há uma associação clara ao padrão que permite alcançar o mais elevado desempenho no setor dos edifícios. E quando fazemos esta afirmação temos de estar conscientes da responsabilidade que isso acarreta.
NOTA: O autor escreve segundo com o Novo Acordo Ortográfico