Simplex do Urbanismo e Comunicação(ões) Prévia(s)
“A comunicação prévia (com prazo ou sem prazo) é uma solução que faz sentido quando estamos a falar de utilização ou alteração de utilização de edifícios ou frações – já achamos mais questionável a opção pela duplicidade de tipos de comunicação prévia e, em todo o caso, há aspetos que têm de ser limados no texto final”
Tem estado em discussão no Parlamento e também entre os vários players do setor o pacote legislativo conhecido por “Simplex do Urbanismo”, que prevê a reforma e simplificação dos procedimentos no âmbito do urbanismo e do ordenamento do território. Neste momento, o Governo está autorizado pelo Parlamento a rever, entre outros diplomas, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
As alterações ao RJUE pretendidas pelo Governo são múltiplas e significativas, mas destacamos a figura da comunicação prévia, onde há importantes novidades.
Desde logo, de acordo com o texto do Decreto-Lei Autorizado que deu entrada no Parlamento, no âmbito do RJUE passam a conviver dois regimes de comunicação prévia: comunicação prévia com prazo (o promotor pode realizar a operação urbanística se o Município não se pronunciar em sentido contrário num determinado prazo) e mera comunicação prévia (o promotor pode realizar a operação urbanística sem dependência de um ato administrativo do Município) – sendo que, desde 2014, temos uma mera comunicação prévia (pese embora algumas imprecisões no RJUE), prevendo-se que, desde que corretamente instruída, a comunicação prévia permite ao interessado proceder imediatamente à realização de determinadas operações urbanísticas após o pagamento das taxas devidas, dispensando a prática de quaisquer atos permissivos (na prática, porém, nem sempre funciona assim, há que dizê-lo).
Além disso, a utilização e a alteração de utilização de edifícios ou suas frações – atualmente sujeitas ao procedimento de autorização – passam a estar sujeitas ou a mera comunicação prévia (utilização na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio) ou a comunicação prévia com prazo (utilização, alteração de utilização ou de alguma informação constante de título de utilização que já tenha sido emitido, que não sejam precedidas de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio), eliminando-se a figura da autorização. Esta comunicação prévia com prazo, por seu turno, tem um regime específico quando está em causa a utilização/alteração de utilização.
Compreendendo o intuito do legislador de diferenciar situações e de simplificar o processo de utilização de edifícios ou frações, parece-nos que a convivência das duas comunicações prévias no mesmo diploma e, sobretudo, no âmbito do mesmo tipo de operação urbanística (utilização/alteração de utilização de edifícios ou frações) pode ser algo confusa e levanta algumas dúvidas.
Alguns exemplos: o elenco das situações abrangidas por uma e outra comunicação prévia não está completamente coerente ao longo do texto (vejam-se novos artigos 4.º, n.ºs 4, al. j), e 5, e 62.º do RJUE); a alteração de utilização na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio está sujeita a mera comunicação prévia (o projeto do diploma só fala em utilização e não em alteração de utilização)? O que se entende, para este efeito, por controlo prévio? A mera comunicação prévia está incluída, já que na verdade há um controlo sucessivo e não prévio? A opção que é dada ao requerente de optar pelo procedimento de licenciamento no caso de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia (norma que não é alterada) aplica-se neste âmbito (não parece fazer sentido, mas é o que resulta do texto do diploma)?
Sem prejuízo do que fica dito, na nossa opinião, a comunicação prévia (com prazo ou sem prazo) é uma solução que faz sentido quando estamos a falar de utilização ou alteração de utilização de edifícios ou frações – já achamos mais questionável a opção pela duplicidade de tipos de comunicação prévia e, em todo o caso, há aspetos que têm de ser limados no texto final. Consideramos, porém, que, quando estão em causa grandes projetos imobiliários, haverá algum receio (como se verifica nos casos de deferimento tácito) em avançar com a utilização e transação sem um ato administrativo de controlo prévio, até pelas reticências das entidades financiadoras do projeto ou da transação. Mas bem, há que mudar mentalidades (públicas e privadas) em nome da simplificação e da celeridade administrativas tão almejadas.
NOTA: A autora escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico