Opinião: Um “banco mau” não resolve tudo
Existem muitas situações em que o projecto imobiliário, em versão original ou reformulada, possui sustentabilidade territorial
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O problema: um caso prático… Sem prejuízo da questão do crédito mal-parado em geral, um dos principais problemas com que os bancos se deparam actualmente é a enorme desvalorização dos activos imobiliários hipotecados ou dados em pagamento destinados ao desenvolvimento de um projecto turístico ou residencial de dimensão relevante que, ou não arrancou, ou arrancou incipientemente. São situações que assentam sobre terrenos associados ao financiamento de dezenas de milhões de euros e que, actualmente, valem apenas umas dezenas de milhares.
A verdade é que, em casos específicos, a enorme perda de valor destes activos não se deveu exclusivamente à crise imobiliária, mas sobretudo à dinâmica dos instrumentos urbanísticos e de ordenamento do território.
A nova política de ordenamento do território: a urbanização como excepção… O pacote legislativo nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo aprovado em 2014/15 tem por base uma política (nada errada, sublinhe-se) (i) de contenção de perímetros urbanos e das redes de infra-estruturas, (ii) de preferência por preenchimento de espaços vacantes ou intersticiais e (iii) de excepcionalidade do solo urbano.
A aplicação destas directrizes ao nível dos planos territoriais, nomeadamente dos municipais, levou a que muitos dos terrenos anteriormente afectos a projectos relevantes de natureza turística ou residencial, actualmente na esfera dos bancos (por hipoteca ou mesmo por dação em pagamento) com esse pressuposto, tenham passado ou a ser classificados como solo rústico, ou a ser objecto de um regime de aproveitamento do solo mais restritivo, o que obliterou, simultaneamente, a exequibilidade do projecto e o seu valor hipotecário ou de mercado.
O referido pacote legislativo estabeleceu também um novo modelo de avaliação imobiliária com o intuito específico de afastar a especulação e de impossibilitar a incorporação de valor pela mera expectativa de edificação, ao mesmo tempo que criou mecanismos de repercussão integral no valor dos terrenos quer de todos os custos de urbanização, quer de contribuições para o chamado fundo municipal de sustentabilidade ambiental e urbanística (para o qual deve ser canalizada parte da mais-valia gerada com o aproveitamento urbanístico dos solos).
Assim, a perda de valor deste tipo de activos apenas em parte se deve a um excesso de optimismo na concessão do crédito ou à evolução do mercado: há uma fatia substancial dessa perda de valor que se deve à evolução legislativa e política nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo e da subsequente adaptação dos planos municipais (e do regime de uso do solo) a esta evolução.
Não basta um “banco mau”, mas não deve ser o território a pagar… Nestes casos específicos, que são aqueles em que a disparidade entre o valor assumido pelo mercado há uns anos e o valor actual de mercado é maior, a criação de um veículo que adquira activos imobiliários tóxicos aos bancos não é suficiente para a recuperação, a médio ou longo prazo, do seu valor, pois o aproveitamento urbanístico dos terrenos em causa está absolutamente dependente da actuação das entidades administrativas com atribuições nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo.
Atendendo à nossa experiência, existem muitas situações em que o projecto imobiliário, em versão original ou reformulada (com diminuição de carga construtiva e com reafectação de usos, por exemplo), possui sustentabilidade territorial, correspondendo a uma correcta ponderação dos bens, valores e interesses (tanto públicos como privados) com incidência territorial.
Na nossa opinião, por motivos óbvios, deve evitar-se esta perda injustificada de valor de casos em que existe sustentabilidade territorial do projecto.
São necessárias medidas legislativas e administrativas adicionais. A inclusão de activos imobiliários “tóxicos” no “banco mau” tem assim que ser precedida de diligências que permitam, nos casos mais significativos, aferir os termos em que determinado projecto pode ser sustentável territorialmente.
Esta aferição deve ser feita no seio de estruturas colaborativas que integrem representantes quer das entidades da Administração Local e Central que prossigam interesses nas áreas envolvidas em cada caso concreto, quer dos bancos e do “banco mau”.
Simultaneamente, devem ser promovidas medidas legislativas destinadas a assegurar a fluidez destes processos, quer ao nível do funcionamento da Administração Pública, quer ao nível do funcionamento de processos de insolvência, de forma a que a revalorização destes activos seja célere e eficaz.
Este esforço permitirá, ao mesmo tempo, aumentar o valor de saída destes activos para o “banco mau”, reduzir a imparidade a registar no balanço dos bancos, melhorar a articulação entre interesses com incidência territorial e reduzir os riscos económicos associados à insustentabilidade financeira de instituições bancárias.
Gonçalo Reino Pires
Advogado – Serra Lopes, Cortes Martins & Associados