Opinião: “Legalizar ou Humanizar”
Apelar à “ameaça” da demolição para em última análise repor a legalidade das edificações é uma atitude drástica e que não reconhece o estado social em que supostamente vivemos
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Finalmente, com a nova revisão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 136/2014 de 9 de setembro ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), o procedimento de legalização passou a existir. Contudo e de acordo com a prática comum verifica-se que este procedimento era já levado a cabo pelos diversos Municípios, sendo que estas situações eram instruídas e analisadas de modo descontextualizado, segundo os pressupostos do licenciamento, comunicação prévia ou autorização, como se se tratassem de construções novas.
A inadequabilidade do sistema anteriormente vigente perante a situação das construções ilegais levava a que por vezes fossem entregues projetos e elementos instrutórios falseados – pela impossibilidade de os fazer corresponder à realidade, e aos critérios definidos pelo RJUE. Mais grave se torna visto que o ónus da responsabilidade recai sobre os técnicos que subscrevem os termos e projetos, e não sobre as autarquias e o poder político, estes sim muitas vezes responsáveis pelo crescimento ilegal por não terem exercido a sua função fiscalizadora e de planeamento urbano atempadamente. Porém os avanços introduzidos no RJUE não resolvem todas as questões práticas que surgem face à realidade do território edificado e da sociedade.
Não basta simplificar os processos de instrução – dispensando uma série de elementos instrutórios que não faziam sentido no caso das construções existentes a legalizar; e o enquadramento legal – “dispensando o cumprimento de normas técnicas relativas à construção”; pois muitas das vezes as situações de incumprimento estão relacionadas com índices urbanísticos definidos à posteriori da data das edificações, seja o índice de ocupação, o índice de construção, áreas permeáveis, afastamentos… e nesses casos a postura do legislador e das autarquias continua a ser de não tolerância. Nestas situações a única solução passa pela demolição parcial para a reposição da legalidade.
Contudo, a realidade demonstra que é necessário reconhecer o carácter particular de cada situação de modo a evitar injustiças humanas e sociais, e perante isso promover abertura para o também não cumprimento dos parâmetros urbanísticos definidos em PDM ou noutros instrumentos de gestão urbanística em vigor.
Apelar à “ameaça” da demolição para em última análise repor a legalidade das edificações é uma atitude drástica e que não reconhece o estado social em que supostamente vivemos, assim como o direito à habitação que impeliu à construção em moldes irregulares.
Quando me deparo no gabinete com casais de 60 e muitos anos que agora intimidados por cartas sem rosto procuram legalizar as suas habitações, e que de um modo emocionado demonstram ter, por desconhecimento, por falta de meios económicos, por terem sido mal aconselhadas, construído as suas casas sem respeitar a legislação à data em vigor, como se pode agora, no tempo presente – depois de anos em que estas pessoas, pagaram contribuições autárquicas, pagaram contribuições fiscais sobre as suas construções ilegais – ser-lhes apresentada como única solução a demolição parcial, ou total das suas casas?
Será justa tal penalização quando muita das vezes a realidade das construções existentes a legalizar não compromete nem a salubridade das edificações, nem os direitos dos proprietários dos lotes limítrofes?
Enquanto técnicos não é nossa obrigação apresentar soluções viáveis de legalização que possam ir ao encontro das expectativas legitimamente fundadas ao longo de anos a habitar as suas únicas residências?
Não nos podemos refugiar em leis e regulamentos sem rosto para responder a situações reais, que tem um impacto dramático na vida de pessoas.
É importante contextualizar que grande parte destas construções ilegais surgiram no nosso país durante a década de 60 a 80, nomeadamente em redor das grandes cidades industrializadas, num período da história do nosso País que se caracterizou por uma enorme necessidade de habitação, e da incapacidade do poder público em fornecer uma resposta capaz de satisfazer as enormes carências habitacionais. Acresce também a insuficiência do seu sistema de fiscalização – a cargo das autarquias – que cuja ausência de intervenção permitiu o crescimento urbano desregulado.
Posto isto, pretende-se demonstrar que é necessário sermos mais flexíveis no que diz respeito à legalização do edificado habitacional que data desse período da nossa história recente. Esta problemática das construções habitacionais de génese ilegal não se reduz à situação das AUGI, visto que existe um grande número de territórios que apresentam características urbanas semelhantes, mas que não se enquadram nessa definição. Por isso, quando se analisa um processo desta natureza é necessário ponderar a gravidade do incumprimento e a sua afetação em prejuízo do bem comum – seja na sua componente urbana, arquitetónica e social; é necessário ter em conta se se trata da única habitação do agregado familiar; é necessário entender o contexto económico e humano dos residentes e proprietários; se a edificação existente data de um período no qual os instrumentos urbanísticos não eram completamente difundidos e aplicados; isto porque em última análise o indeferimento de um processo de legalização acarreta um forte constrangimento para a autarquia e para o requerente, posto que a única consequência prevista legalmente – a demolição – ser um ato violento sobre os interesses dos particulares e um inconveniente para a autarquia.