Marisa Mirador, advogada e sócia da área de Direito Público da Cuatrecasas
COVID-19 e empreitadas: suspender ou não as obras?
Veja aqui a análise de Marisa Mirador, da SLCM sobre esta temática: Que riscos acarreta manter as obras e que medidas deveria o Governo adoptar?
CONSTRUIR
Governo adjudicou primeira concessão da LAV Porto Lisboa
Gesvalt e aRetail analisam evolução do mercado imobiliário nacional
Entrecampos: Um projecto que “redefinirá o coração da cidade”
Remax lança novo departamento de Inovação
MELLO RDC entrega primeiras chaves do empreendimento ‘Quarteirão Inglês’
OLI estreia produção de autoclismo reciclado
JLL com nova sede a Norte e aposta em nova estrutura de liderança
Lisboa testa método pioneiro de prospecção arqueológica
Savills coloca iServices na Rua Garrett, em Lisboa
Lisboa: Reabilitação da vila Romão da Silva concluída em 2025
Ao contrário do que ocorreu recentemente em Espanha, em Portugal não foi, até ao momento, determinada pelo Governo a paragem generalizada das obras, públicas ou privadas, em curso, no contexto do estado de emergência, agora renovado, e das medidas excecionais adotadas para responder à pandemia de COVID-19. Tal medida de suspensão das obras foi, porém, determinada, por exemplo, pelo Governo Regional da Madeira (permitindo apenas as obras ligadas ao setor da saúde ou cadeias de distribuição que se mostrem essenciais ou fundamentais na prossecução do objetivo de contenção da disseminação da pandemia) ou pelo Município de Cascais relativamente às obras municipais em espaço público, sendo possível que outros Municípios sigam o mesmo caminho.
Na falta de uma “ordem” generalizada do Governo para parar temporariamente as obras, coloca-se aos Donos de Obra (incluindo aos que são entidades públicas) e Empreiteiros a questão de saber se podem ou devem suspender as obras, já que, não obstante a inexistência de tal imposição de paragem, o pacote de medidas aprovado e as recomendações da DGS impactam, inevitavelmente, na normal execução das obras, pelos seus reflexos quer ao nível dos trabalhadores afetos às obras (em especial, em matéria de higiene, distanciamento e circulação), numa área em que o teletrabalho não é praticável, quer ao nível do atempado fornecimento de materiais e equipamentos à obra ou dos subcontratados.
De um ponto de vista jurídico, quer o contrato quer – na ausência de cláusulas contratuais específicas que possam enquadrar esta situação – a lei podem suportar uma suspensão das obras.
Com efeito, os contratos de empreitada contêm, muitas vezes, cláusulas sobre “força maior” (isto é, sobre eventos imprevisíveis, inevitáveis e fora do controlo das partes que impedem o cumprimento da prestação por uma das partes, levando a atrasos, suspensões ou interrupções dos trabalhos) e que, usualmente, tipificam quais os factos e situações que são e não são considerados eventos de “força maior”, sendo que, não raras vezes, as epidemias figuram, precisamente, entre o elenco dos eventos de “força maior”. Este tipo de cláusula, normalmente, regula também, prazo e conteúdo da comunicação do evento à outra parte, a obrigação de adotar medidas tendentes a minorar os impactos do evento e quais as suas consequências (por exemplo, suspensão dos prazos de execução ou prorrogação desses prazos pelo período correspondente ao da suspensão dos trabalhos motivada pelo evento; possibilidade de fazer cessar o contrato se a suspensão se prolongar por determinado período).
Nos casos em que o contrato de empreitada não contém cláusulas específicas sobre “força maior”, existem na lei institutos que permitem alicerçar uma suspensão dos trabalhos, mas cuja aplicabilidade dependerá do caso concreto. Assim, ao nível das empreitadas de obras públicas, o Código dos Contratos Públicos prevê que a execução das prestações que constituem o objeto do contrato pode ser, total ou parcialmente, suspensa com fundamento na impossibilidade temporária de cumprimento, bem como a possibilidade de modificação do contrato por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias. Também no que respeita às empreitadas de obras particulares, os institutos da impossibilidade do cumprimento não imputável ao devedor e da alteração das circunstâncias, regulados no Código Civil, poderão sustentar uma suspensão, total ou parcial, temporária dos trabalhos.
Em qualquer caso, inexistindo uma interdição da atividade de construção civil, mas apenas constrangimentos ao seu normal desenvolvimento por força do COVID-19, em regra, poderá ser difícil sustentar uma suspensão total, ainda que temporária, dos trabalhos e dificilmente essa solução será a pretendida pelas partes. Com efeito, os Empreiteiros não quererão suspender (pelo menos totalmente) as obras que estão a executar (já que tal implica que deixem de receber os correspondentes pagamentos) e os Donos da Obra não quererão tomar a iniciativa de determinar a suspensão, até porque, terão, também eles, muitas vezes, compromissos associados à conclusão das empreitadas (por exemplo, contratos promessa de compra e venda). Nesta equação, naturalmente, não poderá deixar de ser tida em conta a posição dos trabalhadores da construção civil que, estarão, naturalmente, com receio de permanecer em obra, mas que, por outro lado, não quererão ver em risco o seu emprego ou salário.
Neste cenário absolutamente excecional e inédito, em que todos os intervenientes têm a perder e a solidariedade é imperativa, é, pois, absolutamente essencial que as partes cheguem a uma solução consensualizada e equilibrada para os interesses de ambas e que, naturalmente, salvaguarde adequadamente a segurança e saúde do pessoal no transporte e em obra, a qual passará, tendencialmente, por uma redução do ritmo de trabalho e por uma adaptação do plano de trabalhos, face a uma menor afetação de meios humanos e materiais. Importante é que as partes regulem expressamente o quadro em vigor para este período e os procedimentos necessários à sua implementação e monitorização, facilitando o período pós-COVID-19. Se a opção for a suspensão total dos trabalhos, importará, também, que a situação seja devidamente acautelada junto do Município, já que, é discutível que estejam suspensos os prazos de caducidade fixados nas licenças de construção para conclusão das obras.
Na nossa opinião, impõe-se, ainda, que o Governo adote medidas específicas que permitam minimizar os prejuízos da pandemia para um setor com um peso muito significativo na economia e que emprega muitos milhares de trabalhadores. Talvez, começando pelas empreitadas em que é Dono da Obra e em que o regime excecional de adiantamentos de preço aprovado (para os contratos públicos em geral) é manifestamente insuficiente.
NOTA: O CONSTRUIR manteve a grafia original do artigo